domingo, 22 de agosto de 2021

Bruno Boghossian - A festa de Bolsonaro

Folha de S. Paulo

Presidente convoca protestos pró-governo como pretexto para contornar limites democráticos

Sem timidez, Jair Bolsonaro defendeu o fechamento do Congresso numa entrevista à Band, em 1999. O então deputado disse que o Legislativo não servia para nada e afirmou que, se fosse presidente da República, "daria golpe no mesmo dia". Depois, acrescentou: "Tenho certeza de que pelo menos 90% da população ia fazer festa e bater palma".

Líderes autoritários costumam vender a ideia de que têm apoio popular para tomar medidas de exceção. Esses políticos pegam carona em ondas de aborrecimento nas ruas ou simplesmente falsificam a impressão de que têm respaldo de uma maioria para contornar os limites da democracia e ampliar seus poderes.

Bolsonaro segue esta doutrina. Em março, quando aliados cobravam uma reação a governadores na pandemia, ele prometeu fazer "o que o povo quiser" e sugeriu acionar as Forças Armadas. No mês seguinte, repetiu a dose: "O Brasil está no limite. O pessoal fala que eu devo tomar providências. Eu estou aguardando o povo dar uma sinalização".

Agora, Bolsonaro aplica a mesma lógica na convocação das manifestações pró-governo do dia 7 de setembro, que têm o Supremo como alvo. Na sexta-feira (20), ele disse a seus apoiadores que o objetivo dos protestos é "ter uma fotografia para o mundo do que vocês querem". "Eu só posso fazer alguma coisa se vocês assim o desejarem", completou.

O presidente sabe que não há apoio majoritário a suas aventuras golpistas, mas trabalha para fabricar essa imagem artificialmente. Ainda que ele tivesse sucesso, nenhuma demonstração desse tipo dá um salvo-conduto para desrespeitar decisões judiciais, atuar fora da lei ou ignorar os contrapesos da democracia.

O presidente apresenta mais uma discussão enganosa. Em 1992, o peruano Alberto Fujimori teve 85% de aprovação à decisão de dissolver o Congresso e controlar o Judiciário. Nem por isso aquela manobra deixou de ser um golpe que inaugurou uma ditadura no país. Anos depois, ele foi condenado à prisão por crimes contra a humanidade e corrupção.

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