Folha de S. Paulo
Presidente convoca protestos pró-governo
como pretexto para contornar limites democráticos
Sem timidez, Jair Bolsonaro defendeu o
fechamento do Congresso numa entrevista à Band, em 1999. O então deputado disse
que o Legislativo não servia para nada e afirmou que, se fosse presidente da
República, "daria
golpe no mesmo dia". Depois, acrescentou: "Tenho certeza de que
pelo menos 90% da população ia fazer festa e bater palma".
Líderes autoritários costumam vender a
ideia de que têm apoio popular para tomar medidas de exceção. Esses políticos
pegam carona em ondas de aborrecimento nas ruas ou simplesmente falsificam a
impressão de que têm respaldo de uma maioria para contornar os limites da
democracia e ampliar seus poderes.
Bolsonaro segue esta doutrina. Em março,
quando aliados cobravam uma reação a governadores na pandemia, ele prometeu
fazer "o que o povo quiser" e sugeriu acionar as Forças Armadas. No
mês seguinte, repetiu a dose: "O Brasil está no limite. O pessoal fala que
eu devo tomar providências. Eu estou aguardando o povo dar uma
sinalização".
Agora, Bolsonaro aplica a mesma lógica na convocação das manifestações pró-governo do dia 7 de setembro, que têm o Supremo como alvo. Na sexta-feira (20), ele disse a seus apoiadores que o objetivo dos protestos é "ter uma fotografia para o mundo do que vocês querem". "Eu só posso fazer alguma coisa se vocês assim o desejarem", completou.
O presidente sabe que não há apoio
majoritário a suas aventuras golpistas, mas trabalha para fabricar essa imagem
artificialmente. Ainda que ele tivesse sucesso, nenhuma demonstração desse tipo
dá um salvo-conduto para desrespeitar decisões judiciais, atuar fora da lei ou
ignorar os contrapesos da democracia.
O presidente apresenta mais uma discussão enganosa. Em 1992, o peruano Alberto Fujimori teve 85% de aprovação à decisão de dissolver o Congresso e controlar o Judiciário. Nem por isso aquela manobra deixou de ser um golpe que inaugurou uma ditadura no país. Anos depois, ele foi condenado à prisão por crimes contra a humanidade e corrupção.
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