EDITORIAIS
Divisão na oposição a Bolsonaro terá
consequência na urna em 2022
O Globo
Faltando um ano para as eleições em que 145
milhões de brasileiros irão às urnas escolher presidente, governadores,
senadores e deputados federais, estaduais e distritais, as forças políticas
contrárias ao presidente Jair Bolsonaro seguem divididas. No último sábado, em
ato contra o governo organizado pelo PT e por outras siglas de esquerda, 71%
dos 662 entrevistados na Avenida Paulista pelo Monitor do Debate Político no
Meio Digital, da USP, afirmaram que jamais participariam de manifestação com o
Movimento Brasil Livre (MBL), organizador dos protestos contra Bolsonaro no dia
12 de setembro. Metade dos entrevistados disse o mesmo sobre o DEM, 42% a
respeito do PSDB e 24% do PDT.
O pré-candidato pedetista, Ciro Gomes,
chegou a ser agredido na manifestação. Atiraram uma garrafa na direção dele e
arremessaram pedaços de madeira no carro que o transportava. A reação da
liderança petista foi lastimável. Depois que Ciro propôs uma “trégua de Natal”
na esquerda, a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, tentou culpar a vítima pelas
agressões. “Até agora é ele quem tem atacado a gente”, disse. Só depois
acrescentou que “o PT nunca estimulou” a violência.
A manifestação se tornou um ensaio da
campanha do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A estratégia petista para
2022 depende do isolamento tanto de Ciro quanto dos partidos da centro-direita
antibolsonarista. Não é à toa que, entre os entrevistados, 43% afirmaram que
esquerda e direita deveriam fazer manifestações separadas.
Em pesquisa na manifestação da centro-direita em setembro, 78% disseram que direita e esquerda deveriam fazer protestos conjuntos. A rejeição à aproximação foi menor: 38% disseram que não participariam de protestos com o PT, 33% com a CUT e o mesmo percentual com o MTST. Novamente, isso reflete a estratégia dos candidatos associados à terceira via entre Lula e Bolsonaro, que só têm chance se promoverem uma união que ultrapasse o próprio círculo político. Não é casual que, no ato da centro-direita, 85% tenham dito ser necessária uma ampla aliança para o impeachment de Bolsonaro, ante 66% no da esquerda.
Nos Estados Unidos, um dos motivos que
levaram à vitória do Partido Democrata contra Donald Trump foi a união entre
esquerda e centro. Quando sobreveio a necessidade de salvar a democracia, todos
se uniram em torno da candidatura agregadora de Joe Biden. No Brasil, os
petistas acreditam que, para vencer com Lula, não precisam sequer acenar a um
candidato da própria esquerda, como Ciro, muito menos àqueles que defenderam o
impeachment de Dilma Rousseff e sempre atacaram o PT pela corrupção
desmascarada pela Operação Lava-Jato.
É uma aposta compreensível diante do favoritismo de Lula nas pesquisas, mas só as urnas dirão se o brasileiro esqueceu mesmo as mazelas petistas. O próximo ano promete uma campanha dura. Desprezar aliados potenciais no segundo turno, mesmo quando a causa comum é óbvia — a democracia —, poderá cobrar um preço alto adiante. A política não perdoa soberba.
Apagão das redes sociais expõe os riscos do
Facebook
O Globo
Desde que foi lançado, em 2004, o Facebook
só fez crescer. Engoliu Instagram e WhatsApp, virou um conglomerado de redes
sociais, alcançou avaliação trilionária na Bolsa e, ao mesmo tempo, passou a
ser acusado de práticas anticompetitivas, de ser um veículo para a propagação
de desinformação e de ameaça à democracia.
Seu poder planetário ficou óbvio quando as
três plataformas passaram mais de cinco horas fora do ar em razão de erros
internos. Todos os que confiam e dependem delas para sobreviver ficaram na mão:
vendedores e compradores, professores e alunos, médicos e pacientes, executivos
e equipes, pais e filhos, amigos e namorados ficaram atônitos, atarantados,
impotentes. O apagão que atingiu parte expressiva dos 2,8 bilhões de usuários
diários — só no WhatsApp são trocados mais de 100 bilhões de mensagens todo dia
— suscitou também uma avalanche de memes traduzindo, com humor, o lado mais
pernicioso dessa dependência: o vício.
Por coincidência, ocorreu no dia seguinte a
revelações feitas por uma ex-funcionária e na véspera de seu depoimento no
Senado americano. Frances Haugen, engenheira eletricista e da computação que
trabalhou por quase dois anos no Facebook, contou no domingo ao programa “60
minutes” ter sido a informante de uma série de reportagens do Wall Street
Journal sobre o Facebook. O Journal revelou não apenas tudo aquilo que já
sabíamos sobre o vício, a desinformação e o desrespeito à privacidade — mas
também comprovou que a empresa sempre ignorou tais riscos, pondo seus
interesses acima da saúde pública e da democracia.
Com acesso ao vasto acervo de documentos
internos fornecidos por Haugen, ficou claro que o Facebook sabia que o
Instagram prejudicava a saúde mental de adolescentes e nada fez. Que sabia da
desinformação e nada fez. Que relaxou as regras sobre o discurso político no
exato momento em que radicais trumpistas tramavam a invasão do Capitólio em
janeiro.
Ontem no Senado, Haugen demonstrou como o
Facebook tem seguido à risca o manual criado pelas empresas de tabaco, quando
mentiam e enganavam para esconder os efeitos nocivos da nicotina (depois
copiado pela indústria de combustíveis fósseis para tentar se desviar da
responsabilidade pelo aquecimento global). Para se defender da acusação dos
efeitos negativos do Instagram em adolescentes, a empresa chegou a pôr em
dúvida os achados de seus próprios pesquisadores.
Nada muito diferente da tentativa de
desviar a atenção depois que o escândalo Cambridge Analytica escancarou o uso
dos dados de cidadãos para os fins mais deletérios. As revelações de Haugen se
somam a um prontuário extenso, que inclui a aposta na polarização como forma de
viciar a audiência, a reincidência na disseminação de desinformação para manter
o “engajamento”, a tentativa de manipular o sentimento do público e as acusações
de práticas monopolistas endossadas pela Câmara dos Representantes.
Há anos, autoridades americanas têm
permitido que Mark Zuckerberg se safe com pedidos de desculpas desajeitados. O
Congresso já passou a mão na cabeça dele várias vezes. Não dá para passar mais
uma. No Brasil também é preciso que as redes sociais sejam submetidas a
regulação mais dura, como a proposta no Projeto de Lei das Fake News que
tramita na Câmara.
Por mais competição
Folha de S. Paulo
Google fracassou ao concorrer com Facebook,
mas barreira em mensagens é menor
A
queda das plataformas do Facebook por mais de sete horas expôs a
dependência gigantesca de pessoas de todo o planeta em relação aos aplicativos
do grupo.
O alcance dos serviços da empresa
californiana impressiona por qualquer parâmetro. Estima-se que 2,7 bilhões de
pessoas, cerca de um terço da população mundial, faça uso de algum dos três
programas que saíram do ar nesta semana: Facebook, Instagram e WhatsApp. O
tempo que cada usuário dedica a esses aplicativos mostra-se significativo, na
casa de horas diárias, em muitos países.
Não é saudável que tanta gente esteja
sujeita a tamanho problema por causa de um incidente interno de uma companhia.
A situação mais complicada é a da rede
social chamada Facebook, criada em 2004 por Mark Zuckerberg.
Fica evidente que há pouco o que a
população de qualquer país possa fazer de pronto em uma situação como essa.
Trata-se de monopólio de magnitude mundial, e não existe nada à disposição das
pessoas para substituí-lo de pronto.
Mesmo o Google, outro gigante digital,
falhou ao tentar criar sua própria rede social, o Google+.
O caminho, nesse caso, passa por melhor
regulação, notadamente sobre os ainda pouco transparentes mecanismos de
publicidade da rede e de uso dos dados de cada usuário —no fim das contas, a
maneira pela qual os internautas remuneram o serviço supostamente gratuito da
plataforma. É uma saída que pode favorecer a competição a médio prazo.
Já em relação ao WhatsApp, a queda desta
semana demonstra que há oportunidade para o fortalecimento de opções ao
aplicativo.
Tecnológica e financeiramente, a barreira
de entrada é bem menor, e já existem opções disponíveis no mercado, como demonstrou
o influxo de usuários no Telegram durante o apagão de agora.
Comprado em 2014 pelo Facebook, o WhatsApp
não é o aplicativo líder para troca de mensagens em muitos países. Nos EUA, há
uso muito forte do iMessage, da Apple, e do SMS das operadoras de telefonia,
ofertado sem custo adicional em pacotes de serviço. No Japão, o número um é o
aplicativo Line; na China, domina o WeChat.
A paralisação desta segunda (4) mostrou
também que há diferença quanto à necessidade de uma rede social e de um
aplicativo de mensagens —o transtorno causado pela ausência do segundo é maior.
Muitos negócios estabeleceram seu modelo de
atendimento aos clientes no ambiente do próprio WhatsApp. Tal dependência
econômica, que não é desejável, ficou escancarada nesta semana. Para outras
empresas do mundo da tecnologia, grandes ou pequenas, o episódio desnuda uma
oportunidade para criar concorrência no negócio de aplicativos de comunicação.
Terra, fogo, ar
Folha de S. Paulo
Atmosfera aquecida levanta nuvens de
poeira, insufla queimadas e assusta SP
Franca, Ribeirão
Preto, Barretos, Presidente Prudente, Araçatuba, Guaíra, Catanduva,
Santo Antônio do Aracanguá. Não foram poucas cidades do interior paulista
tomadas em dias recentes por um fenômeno literalmente aterrador —as tempestades
de pó conhecidas
como haboob (ou habub).
Ocorrência mais comum na vizinhança de
desertos, nuvens de partículas se precipitaram também sobre localidades de
outros quatro estados (Minas Gerais, Mato Grosso do Sul, Goiás e Maranhão),
como noticiou O Estado de S. Paulo.
Ainda que não seja inédito, não há registro
desse tipo de evento atmosférico com tal porte e abrangência no Brasil. A
estiagem no Sudeste e no Centro-Oeste tampouco conhece precedentes, sendo a
maior das últimas nove décadas.
Ela está na raiz do haboob, que não
existiria sem muito solo ressecado em exposição, à espera de chuvas para
plantio de cana-de-açúcar, por exemplo, cultura predominante na região paulista
afetada.
A seca contribuiu para intensificar
queimadas, que consumiram parte da vegetação e da palhada que permaneciam sobre
o terreno.
A ventania criou cenário de filme
apocalíptico com ao
menos cinco mortes. Duas vítimas sucumbiram na queda de parede e árvore; as
outras, que combatiam um incêndio, foram cercadas pelas chamas.
O vendaval nasceu de uma frente fria, com a
descida violenta de ar denso de camadas superiores da atmosfera em contato com
o ar aquecido próximo da superfície.
Tal combinação de fatores está em linha com
os eventos extremos previstos por climatologistas como consequência do contínuo
aquecimento da atmosfera. Um cenário temido aponta enfraquecimento do
transporte de umidade da Amazônia para o sul do continente, uma ameaça para a
pujante agricultura da região.
Ocorre, assim, uma sinergia deletéria entre
a destruição da floresta amazônica, origem ora arrefecida de boa parte das
chuvas, e a da mata atlântica e do cerrado que cobriam São Paulo, deixando a
terra nua em parte do ano. Mas há razão para algum alento.
Em três décadas, de 1990 a 2020, a cobertura vegetal do estado aumentou de 13,5% para 22,9%, segundo o Instituto Florestal. O que não se sabe é se tal avanço da regeneração, uma vez mantido e ampliado, poderá mitigar algo do impacto pior das mudanças climáticas.
Destruição ambiental ruma para Fernando de
Noronha
Valor Econômico
Dar um sinal verde para exploração
explicita visão estreita de burocratas ou ignorância das externalidades
Umas das formas de “passar a boiada” na
questão ambiental é autorizar leilões de petróleo e gás em áreas estratégicas
para o equilíbrio ecológico e conservação da biodiversidade como se fossem mais
do mesmo, licitações corriqueiras, para as quais um carimbo conjunto do
Ministério das Minas e Energia e Conselho Nacional de Política Energética
resolve a questão. O CNPE não viu “condições impeditivas” para que fossem
incluídas na 17ª rodada de licitações da Agência Nacional do Petróleo, amanhã,
a Bacia Potiguar, que inclui o Atol das Rocas e o Arquipélago de Fernando de
Noronha, considerados pela ONU patrimônios da humanidade. Por sua exuberância
natural e papel decisivo na manutenção de uma fantástica fauna e flora
marinhas, não deveriam ficar expostas a riscos óbvios. O governo de Jair
Bolsonaro, porém, é um ativo destruidor do ambiente.
Com o petróleo em contagem regressiva para
deixar de ser uma das principais fontes de energia do planeta, o cuidado com
seus efeitos predatórios não deveria ser relaxado, mas no Brasil é o que
acontece. O governo brasileiro, mais preocupado em arrecadar recursos com outorgas,
royalties e impostos, nunca teve qualquer preocupação com a agenda ambiental. A
Amazônia já entrou na rota dos leilões de petróleo e gás, assim como a região
de Abrolhos. Agora foram incluídos os magníficos santuários do Atol das Rocas e
Fernando de Noronha.
Depois do desmonte da legislação, da
estrutura e dos quadros dos órgãos de vigilância e fiscalização ambiental, não
há obstáculos internos relevantes para que a liquidação do meio ambiente em
curso seja interrompida. A Amazônia segue em chamas, o Cerrado está sendo mais
intensamente destruído, a Mata Atlântica corre risco com as indagações do
Ministério da Economia ao do Ambiente. Tudo isso ocorre a apenas um mês da
CoP-26, a conferência mundial do clima, na qual os representantes oficiais
brasileiros irão dizer no exterior o contrário do que fazem todos os dias no
país.
Antes de chegar ao Planalto, Jair Bolsonaro
foi multado por pesca irregular em Angra dos Reis, e o fiscal que o atuou foi
punido quando o presidente assumiu, por Ricardo Salles, seu ajudante de ordens
no Ministério do Meio Ambiente, que praticamente destruiu. Para o presidente,
ambiente é uma inútil paisagem sem a presença de multidão de turistas.
Há 61 espécies ameaçadas de extinção na
bacia Potiguar e 23% criticamente em perigo, entre elas a baleia azul, o maior
animal do mundo. Se o leilão for realizado, elas correrão ainda mais riscos. O
mais evidente, o do vazamento de óleo - o atol e o arquipélago estão a 260 e
370 quilômetros, respectivamente, dos locais de exploração. Atividades sísmicas
na enorme rede submersa de montanhas são perturbadoras para a reprodução da
fauna marinha, assim como, de acordo com o alerta de ambientalistas, a presença
de espécies exóticas invasoras nos cascos dos navios e nas plataformas de
petróleo, que agem como as pragas na destruição das lavouras.
Dar um sinal verde para exploração perto de
áreas de gigantesco valor ambiental apenas explicita um visão estreita de
burocratas ou ignorância das externalidades que a exploração petrolífera
causará - a esta altura do conhecimento humano, hipóteses gloriosas. Antes de
licitação em regiões com este valor ambiental seria necessário obter a
Avaliação Ambiental de Áreas Sedimentares, que pode, porém, ser substituída por
uma avaliação conjunta do MME e do Meio Ambiente. Não parece ter sido o caso. O
ICMBio qualificou de “temerária” a oferta dos blocos.
Como em boa parte dos casos, não há
licenciamento ambiental prévio e o padrão “leiloar antes e licitar depois” joga
toda a pressão sobre os órgãos ambientais, como disse Izabella Teixeira,
ex-ministra do Meio Ambiente ao Valor (4-10).
No atual governo, quadros técnicos foram preteridos, os órgãos responsáveis
aparelhados por fanáticos e/ou ignorantes, e o presidente dificilmente será
contrariado em seus pedidos, por mais que sejam absurdos.
Restam dois caminhos. O primeiro, o da Justiça, já acionado. O outro é a pressão de acionistas. Há 9 petroleiras inscritas, gigantes como Shell, Total e Chevron, que dizem rezar pela cartilha ESG (governança, ambiente e sociedade). Estarão descumprindo esses princípios ao se associar a uma investida que tão claramente pode causar danos ambientais inestimáveis e irrecuperáveis. Se os cumprissem à risca, ficariam fora dessa disputa.
O que importa é o caráter
O Estado de S. Paulo
É descabida a pretensão de limitar a trajetória pública de uma pessoa em razão de sua orientação sexual. Na vida pública, o que se exige é competência e honestidade
“Todos são iguais perante a lei, sem distinção
de qualquer natureza”, estabelece a Constituição de 1988, reconhecendo
expressamente um dos fundamentos da República: o princípio da igualdade. Onde
há discriminação não há verdadeira República, não há Estado Democrático de
Direito.
Tudo isso pode parecer óbvio, mas ainda há
muito a aprimorar, tanto na atuação do Estado como na própria compreensão da
sociedade a respeito do princípio da igualdade. Não cabem discriminações, mas o
fato é que ainda existem muitas discriminações, explícitas ou veladas.
Os tempos avançam, antigas batalhas por
reconhecimento e igualdade ganham visibilidade, as novas gerações expressam
novas percepções e sensibilidades. Mas ainda persistem preconceitos que ferem o
princípio da igualdade de todos perante a lei. Circunstâncias pessoais, como
cor da pele, religião ou orientação sexual, que não deveriam ter relevância
pública – não são critérios aptos a diferenciar pessoas na vida pública e,
portanto, são a rigor um “não assunto” –, continuam sendo usadas para diminuir,
ridicularizar e estigmatizar determinados grupos e indivíduos.
Na semana passada, ao rebater na CPI da
Pandemia um comentário preconceituoso publicado em uma rede social, o senador
Fabiano Contarato (Rede-ES) recordou um aspecto fundamental da vida em
sociedade. “Eu aprendi que a orientação sexual não define o caráter, que a cor
da pele não define o caráter, que o poder aquisitivo não define o caráter”,
disse.
Primeiro senador a assumir publicamente a
homossexualidade, Fabiano Contarato fez uma vigorosa defesa do princípio da
igualdade e da não discriminação. “Eu sonho com o dia em que eu não vou ser
julgado por minha orientação sexual. Sonho com o dia em que meus filhos não
serão julgados por ser negros. Eu sonho com um dia em que minha irmã não vai ser
julgada por ser mulher e que o meu pai não será julgado por ser idoso”,
afirmou.
É inteiramente descabida num Estado
Democrático de Direito a pretensão de limitar a trajetória pública de uma
pessoa em razão de sua orientação sexual. Infelizmente, mesmo que isso não seja
dito explicitamente, ainda se constata uma confusão entre a esfera pública e a
esfera privada, com a tentativa de desqualificar pessoas para determinados
cargos públicos ou privados em razão de sua conduta sexual privada ou mesmo de
sua compreensão sobre a própria sexualidade.
São, portanto, especialmente significativas
– e corajosas – atitudes como a do senador Fabiano Contarato e a do governador
do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB-RS), assumindo sua homossexualidade.
“Neste Brasil, com pouca integridade neste momento, a gente precisa debater o
que se é, para que fique claro e não se tenha nada a esconder. Eu sou gay, e
sou um governador gay. Não sou um ‘gay governador’, tanto quanto (Barack) Obama nos Estados Unidos
não foi um ‘negro presidente’. Foi um presidente negro. E tenho orgulho disso”,
disse Eduardo Leite, em entrevista à TV Globo no mês de julho.
Na ocasião, apareceram muitas manifestações
de apoio ao governador do Rio Grande do Sul, mas também surgiram críticas de
diversas posições ideológicas e sob os mais variados motivos. Repetimos: a
rigor, num regime republicano, declarações como a de Eduardo Leite não deveriam
ter a menor relevância na esfera pública. Todos são iguais perante a lei.
Viver em sociedade significa conviver com a
diferença, com a pluralidade de ideias, com a diversidade de concepções morais.
Numa República, ninguém deve ser privado de direitos em razão de sua etnia, de
sua orientação sexual, de suas escolhas religiosas ou de suas preferências
filosóficas. Como também ninguém deve ser privado de almejar determinados
cargos, públicos ou privados, em razão de suas circunstâncias pessoais, como se
o interesse público exigisse um patamar de invisibilidade a determinadas
pessoas ou grupos.
Na vida pública, o que se exige é
competência e honestidade. Mais caráter e menos preconceito fariam muito bem ao
País.
Verba para quem mais precisa
O Estado de S. Paulo
Por que os critérios de investimentos do PPA 2022-2025 não foram adotados antes?
Pela primeira vez, a Prefeitura de São
Paulo adotará critérios sociais regionalizados para definir a alocação de
investimentos na capital paulista. O Plano Plurianual (PPA) 2022-2025,
desenvolvido em parceria com a Fundação Tide Setúbal e a Rede Nossa São Paulo,
prevê que a alocação de R$ 5 bilhões em investimentos nos próximos quatro anos
será definida de acordo com as condições socioeconômicas de cada uma das 32
subprefeituras, tais como acesso a rede de esgoto e água tratada, índice de
emprego da população local e renda das famílias.
Ou seja, bairros periféricos mais carentes
receberão mais recursos do que bairros centrais, mais bem atendidos por
políticas públicas. Mais do que inteligente, a ideia para elaboração do PPA
2022-2025 é de uma obviedade tão ululante que, inevitavelmente, leva a pensar
por que, até agora, a profunda desigualdade entre os bairros da metrópole não
era levada em consideração, ao menos não com este grau de importância, na
definição dos critérios de investimentos da Prefeitura.
Cada subprefeitura recebeu uma pontuação
definida pela ponderação de três variáveis com pesos diferentes:
vulnerabilidade social (60%), infraestrutura urbana (30%) e demografia (10%). O
resultado estabeleceu um ranking de subprefeituras, das mais carentes para as
mais assistidas. De acordo com esse ranking, Capela do Socorro, M’Boi Mirim,
Campo Limpo, São Mateus e Itaquera receberão, somados, R$ 1,515 bilhão, ou 30%
do total de investimentos da Prefeitura no quadriênio 2022-2025. Já para
Pinheiros, Vila Mariana, Santo Amaro, Lapa e Santana/Tucuruvi estão previstos
apenas 5% dos recursos (R$ 253,2 milhões).
Se, como se espera, o plano for levado a
cabo tal como concebido, as periferias da cidade receberão muito mais atenção
da Prefeitura do que áreas centrais da cidade, já bem servidas. Além de ser um
justo pleito de organizações da sociedade civil há 30 anos, a redução das
desigualdades por meio de políticas públicas, em última análise, se coaduna com
uma das mais importantes missões do Estado.
Na apresentação do PPA 2022-2025, o
prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB), afirmou que, “diante da ampla
diversidade e pluralidade do território paulistano, a execução de ações do
governo se torna complexa e demanda uma ferramenta de combate aos
desequilíbrios intrarregionais de forma sistemática”. Por sua vez, a secretária
executiva de Planejamento, Vivian Satiro, que esteve à frente da elaboração do
plano, enfatizou que “o lema deste PPA é a redução das desigualdades” e que, ao
montá-lo, a Prefeitura procurou “integrar pastas e planos de governo e de
metas, além (de incluir objetivos)
da Agenda 2030 da ONU”, da qual o Brasil é signatário. “Sabemos aonde queremos
chegar e quem queremos priorizar”, afirmou a secretária.
É primordial que a Prefeitura estabeleça
critérios muito claros e, sobretudo, justos para definição dos investimentos
municipais. Contudo, é importante lembrar que uma coisa é ter recursos
disponíveis para investimento e alocá-los de forma inteligente. Outra, muito
diferente, é ter bons projetos executivos. São muitas e diversas as carências
regionais nas áreas de saneamento, educação, saúde e lazer. Identificar bem as
áreas que mais precisam da Prefeitura é apenas o primeiro passo para a
implementação de boas políticas públicas.
O PPA 2022-2025 é fruto de uma cooperação
técnica firmada entre a Prefeitura, a Fundação Tide Setúbal e a Rede Nossa São
Paulo em julho passado. O plano teve como base projetos semelhantes já
desenvolvidos pelas prefeituras de Buenos Aires e Paris. Depois de São Paulo, a
maior cidade da América Latina, é bastante provável que o modelo de parceria
seja adotado em outras cidades do Brasil, como o Rio de Janeiro.
Historicamente, o Brasil figura nas piores
posições dos rankings de desigualdade no mundo. Planos bem construídos como o
PPA 2022-2025, quando realizados de acordo com seus propósitos originários, têm
o condão de reduzir a desigualdade em toda uma cidade. Se efetivamente
bem-sucedidos, podem servir de modelo para ajudar a enfrentar essa vergonhosa
chaga em todo o País.
O mercado de carbono no Brasil
O Estado de S. Paulo
Às vésperas da COP-26, é oportuno buscar avançar a regulação dos créditos de carbono
Como noticiou o Estado, um grupo de deputados
está se articulando para levar ao plenário neste mês um projeto que traça as
diretrizes do mercado de redução de emissões de gases de efeito estufa. A
iniciativa é importante não apenas por introduzir no Brasil uma das mais
eficientes ferramentas de combate às mudanças climáticas – os créditos de
carbono –, mas também porque, às vésperas da Conferência do Clima da ONU
(COP-26) em Glasgow, no início de novembro, ela ajudaria a apagar o incêndio,
deflagrado pelo antiambientalismo do presidente da República, que está
carbonizando a reputação do País e ameaçando as suas exportações.
A premissa é que os impactos causados pelas
empresas emissoras têm um custo para a sociedade que precisa ser incluído nos
custos da produção. O peso desse custo é um incentivo à busca de soluções
sustentáveis. O mercado de carbono parte do estabelecimento de um teto de
emissões a certos setores produtivos, tipicamente as indústrias, dentro do qual
as empresas compram direitos de emissão.
Uma fábrica, por exemplo, que emita 100 mil
toneladas, mas tenha direito a emitir 80 mil, tem de tomar medidas para reduzir
20 mil toneladas. Mas, se outra empresa já investiu em novas tecnologias e
emite 20 toneladas a menos em relação à sua cota, pode convertê-las em créditos
e vendê-los a outra empresa, que assim compensa o seu excesso.
Outra opção são os chamados “offsets”.
Nesse caso, as empresas compensam seus excessos com créditos de fontes não
reguladas por um teto, como a agropecuária. Ou então investindo o equivalente
no reflorestamento. Usualmente essa opção é limitada, para incentivar as
indústrias a investirem em inovações tecnológicas. No caso do Brasil ela é
pertinente, em razão de sua extensa produção agrícola e do fato de que metade
de suas emissões decorre do desmatamento ilegal.
Segundo o autor do projeto, o
vice-presidente da Câmara, Marcelo Ramos, ele deveria ser aprovado ainda em
outubro a fim de oferecer aos signatários do Acordo de Paris soluções concretas
além de promessas. O artigo 6 do Acordo, que prevê as regras para um mercado
internacional de carbono, é o seu único dispositivo importante ainda não regulamentado
e estará no centro das negociações em Glasgow.
Membros do governo argumentam que seria
melhor esperar a conclusão da COP 26 para introduzir a regulação no Brasil. O
argumento não se sustenta. Independentemente de um mercado internacional (que
permitirá transações entre fronteiras), o mundo já conta com pelo menos 28
iniciativas implementadas por países como China e EUA, ou a União Europeia. Os
primeiros modelos remontam ao Protocolo de Kyoto, de 1997, e no Brasil a
questão está em discussão desde 2013. De resto, o projeto prevê um período de
transição de dois anos para as devidas regulamentações. Seria tempo suficiente
para eventuais adequações a um regulamento global.
Isso não significa que o projeto deva ser
aprovado a qualquer custo. Os parlamentares e a sociedade civil deverão avaliar
questões complexas, como os setores a serem regulados, o cálculo de suas cotas
e do valor dos créditos ou os sistemas de mensuração e fiscalização das
emissões. Mas se há uma pauta que merece urgência é essa.
Não é uma solução para o problema ambiental mais grave do País e o que mais alarma a comunidade internacional: o desmatamento. Mas a esse respeito o Legislativo já fez o que de mais importante podia fazer, o Código Florestal de 2012, e pode apenas pressionar politicamente o Executivo a executá-lo. Já uma lei que regule o mercado de carbono é uma inovação em linha com as melhores práticas internacionais. De resto, se aprovada uma regulação global, o Brasil tem um alto potencial de gerar créditos internacionais, e a nova lei adiantaria as condições para isso. Mais importante: o Congresso é por excelência o órgão representativo da população, e todas as pesquisas de opinião e manifestos de entidades da sociedade civil comprovam que a população quer mais responsabilidade ambiental e mecanismos para pô-la em prática.
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