EDITORIAIS
Bolsonaro entra no ano eleitoral em má
posição
Valor Econômico
Nunca um incumbente esteve em situação tão
ruim quando tentou a reeleição a um ano antes do pleito
O presidente Jair Bolsonaro chega ao ano
final de seu mandato colhendo o que plantou: instituições desfazendo
diariamente decisões ilegais de seu governo, inquéritos para apurar fake news
em que o mandatário está envolvido e queda de popularidade. A mais recente
pesquisa Datafolha revela aspectos relevantes para um candidato à reeleição -
53% consideram o governo Bolsonaro ruim ou péssimo, 48% julgam que ele é o pior
presidente que o país já teve e 60% afirmam que nunca confiam no que ele diz.
O prestígio de Bolsonaro já começara a descer ladeira abaixo logo no início de seu governo, quando decidiu, ao lado de generais que presumiam entender de política, que não precisaria ter uma base de apoio no Congresso. Os legisladores aprovaram uma reforma já amadurecida anteriormente, a da previdência, e barraram todas as pautas conservadoras com que Bolsonaro anima a minoria radical que o admira nas redes sociais. Veio a pandemia e houve mais entendimento entre governo e Congresso diante da catástrofe. Mesmo assim, o protagonismo nunca foi do Planalto.
Bolsonaro fez - e ainda faz, 618 mil
vítimas depois - tudo o que pode para impedir que medidas para combater a
covid-19 fossem tomadas. Sua mais recente investida foi contra a vacinação das
crianças. A magnitude do auxílio emergencial usada para amparar 66 milhões de
pessoas que repentinamente ficaram sem fonte de renda colocou no limbo os atos
criminosos do presidente, enquanto governadores, prefeitos e serviços públicos
de saúde se encarregaram de fazer o que precisava ser feito contra a pandemia.
O ápice das investidas do presidente contra
as instituições ocorreu no 7 de Setembro, e, logo depois, foi contido pelo
Centrão, já de posse da Secretaria de Governo, da Casa Civil e do comando da
Câmara dos Deputados. A aliança foi selada à base de emendas do relator em
troca do afastamento da possibilidade de impeachment.
Quem achava que Bolsonaro com uma base
parlamentar de apoio abriria a rota menos acidentada para as reformas teve logo
de abandonar suas ilusões. As reformas foram deixadas de lado - em primeiro
lugar pelo próprio presidente da República, que nunca viu sua necessidade. A
reforma administrativa foi um exemplo claro: Bolsonaro topou até mexer neste
vespeiro, desde que os atuais funcionários ficassem fora dela.
O presidente escapou de consequências
legais sérias porque, a seu modo, e com custos para a nação, montou uma rede de
proteção. Além da Câmara, com Arthur Lira - que só viu a pilha de 142 pedidos
de impeachment crescer -, ele conta com a complacência da Procuradoria Geral da
República, que o auxiliou a arquivar a Lava-Jato, com modificações na cúpula da
Polícia Federal e, a partir de janeiro, com dois ministros indicados para o
Supremo Tribunal Federal.
Bolsonaro terceirizou o orçamento para o
Centrão, apenas requerendo privilégios para suas “bases”, os militares e
policiais. Do meio ambiente à saúde e educação, sua gestão oscilou entre a
omissão deliberada, a política ideológica destrutiva, a defesa de interesses
privados e, por fim, uma desumana incompetência. Os atos de governo são
felizmente desfeitos dia após dia. O STF, por exemplo, mandou o Executivo
recompor o Conama, devastado por Ricardo Salles, que eliminou na prática a
participação da sociedade civil no órgão.
Mesmo com dezenas de bilhões de dólares
entregues aos partidos que o apoiam no Congresso, Bolsonaro é o presidente com
a menor taxa de sucesso em três décadas. Em 2019, primeiro ano de
administração, quando o governo deveria estar no auge de seu prestígio, foram
aprovados apenas 30% dos projetos enviados ao Congresso. Na pandemia, foram
42,9% e neste ano, com emendas secretas e tudo, 29% (levantamento do Iesp).
A campanha eleitoral mal está começando e tudo ainda pode acontecer. O ponto de partida do presidente, porém, é muito desfavorável. Pesquisa Datafolha (13 a 16-12) mostrou que Bolsonaro esteve adiante de seu maior rival, o ex-presidente Lula, disparado à frente, apenas como presidente que mais pensa em Deus antes de tomar decisões e o que mais defende os ricos (56%). Ele terá de reconquistar 4 de cada 10 eleitores que o apoiaram em 2018 e bateram em retirada. O Auxílio Brasil deve ter efeitos a seu favor, mas nunca um incumbente esteve em situação tão ruim quando tentou a reeleição a um ano antes do pleito. E a capacidade de Bolsonaro se reiventar é zero.
Trator paulistano
Folha de S. Paulo
Experiente no mundo legislativo, Nunes
avança com rapidez em pautas espinhosas
Com menos de oito meses à frente da maior e
mais rica cidade do país, Ricardo Nunes (MDB) chega ao final de 2021 à vontade
na cadeira de prefeito de São Paulo.
Até então uma incógnita para a maioria dos
paulistanos, e ainda hoje desconhecido por muitos, Nunes foi alçado ao cargo em
maio último após a morte precoce do prefeito Bruno Covas (PSDB).
Repete uma sina na política recente da
metrópole: ser governada por vices. Foi assim em 2006 com Gilberto Kassab
(PSD), após a saída de José Serra (PSDB) para disputar o governo paulista, e
com o próprio Covas, que assumiu a prefeitura em 2018, no lugar do também
tucano João Doria.
Uma vez no cargo, Nunes manteve o estilo
discreto e evitou mudanças bruscas. Conciliador, conservou a maior parte da
equipe, deu sequência aos planos de Covas e reuniu mais acertos do que erros na
condução da pandemia.
Nessa curta jornada, seu maior trunfo
parece ser o bom trânsito na Câmara Municipal. Vereador por oito anos, o
emedebista conhece o caminho das pedras na Casa e se vale da estratégica
aliança com o presidente Milton Leite (DEM) para aprovar propostas de interesse
da administração.
Nesse quesito, Nunes exibe performance de
causar inveja a demais alcaides. Impressiona a profusão de projetos aprovados
no Legislativo, e mais ainda a velocidade com que são apreciados. Tamanha
celeridade motiva críticas da combalida oposição.
De fato, temas espinhosos como a nova
reforma previdenciária e a controversa prorrogação de contratos sem licitação
passaram, respectivamente, em menos de dois meses e em apenas quatro dias.
O primeiro, entre outros pontos, acaba com
a isenção dos aposentados que recebem acima do salário mínimo. Covas precisou
de um ano para concluir a sua reforma; Doria e Fernando Haddad (PT) capitularam
diante do ônus político.
Nunes assegurou também a anuência do
Legislativo para um rumoroso aumento de salários, incluindo indicados
políticos, e a cessão do Campo de Marte à União em troca do fim da dívida
municipal com o governo federal.
O cenário para 2022, ao menos sob o aspecto
financeiro, é auspicioso. Se o acordo do Campo de Marte for avalizado pela
Justiça, sobrarão R$ 3 bilhões a mais no caixa para alavancar investimentos.
Pauta que costuma provocar calafrios, o
possível aumento da tarifa de ônibus poderá até ser contornado com o uso de
parte desse valor para ampliar os subsídios aos empresários —manobra que trará
alívio a Nunes e seus aliados, especialmente em ano eleitoral.
Dois biólogos
Folha de S. Paulo
Amazônia preservada deve muito aos
naturalistas Thomas Lovejoy e Edward Wilson
O ano termina com dupla notícia ruim para a
preservação da natureza: morreram os mais importantes biólogos na defesa da
biodiversidade, Thomas Lovejoy e Edward O.
Wilson. A Amazônia, floresta tropical mais conservada do planeta,
deve muito aos dois naturalistas.
Lovejoy tinha 80 anos, 56 deles dedicados à
floresta amazônica do Brasil, principalmente. Aportou aqui em 1965 para
pesquisas de doutorado na Universidade Yale e nunca mais se distanciou.
Foi sua a iniciativa do Projeto de Dinâmica
Biológica de Fragmentos Florestais, em 1979, prolífica parceria com o Instituto
Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), em Manaus. Em 2013 o projeto mudou de
nome e se tornou o Centro de Biodiversidade da Amazônia.
É o mais antigo programa de estudos sobre o
efeito da fragmentação de florestas chuvosas. Nos talhões minuciosamente
monitorados colheram-se os dados de centenas de mestrados e doutorados,
resultando na publicação de mais de 700 artigos científicos.
O vocábulo "biodiversidade" não
se encontra por acaso no nome do centro. Lovejoy cunhou com Eliott Norse, nos
anos 1980, o conceito de diversidade biológica (riqueza de espécies) como
patrimônio natural a ser preservado, rede de relações ecossistêmicas
resultantes de milhões de anos de evolução.
A bacia amazônica, com 7 milhões de km²
(mais de 4 milhões de km² no Brasil), reúne a maior concentração de plantas,
animais e microrganismos do planeta. A floresta abriga ainda gigantesco estoque
de carbono, e sua destruição acelerada se tornou tema de proa no debate mundial
sobre mudança climática —em boa medida, pelos esforços de Lovejoy
Edward Wilson, morto aos 92, teve o mérito
de contrair a noção acadêmica numa só palavra, que ganharia o mundo e as
manchetes: biodiversidade. Consagrou-a com o livro "A Diversidade da
Vida", lançado no mesmo ano em que se realizava no Brasil a cúpula mundial
do ambiente Eco-92.
O especialista em formigas escreveu belas
páginas sobre sua experiência na floresta amazônica e decerto a tinha em mente
ao propor preservar 50% de cada ecossistema da Terra.
A degradação da região nos leva ao limiar
de um colapso do bioma conhecido como "dieback" (um outro conceito
capitaneado por Lovejoy), espiral de ressecamento da floresta que a tornaria
parecida com uma savana. Para honrar seu legado e o de Wilson, compete a nós
impedir que isso ocorra.
O Brasil não é como Bolsonaro
O Estado de S. Paulo.
A falta de um governo digno do nome teve efeito positivo na solidariedade.
O governo do presidente Jair Bolsonaro se
ausentou do enfrentamento de quase todos os problemas que afligiram os
brasileiros ao longo deste ano particularmente difícil. Não raras vezes, o
próprio presidente foi a fonte das atribulações.
Há duas razões para esse comportamento: a
baixa estatura moral e intelectual de Bolsonaro para exercer a Presidência e
sua notória inapetência para o trabalho. O resultado de três décadas de irrelevante
vida pública revela que
Bolsonaro nunca gostou do batente. A
ascensão à Presidência não parece têlo feito mudar de ideia.
Mas, por paradoxal que possa parecer, a
ausência de um governo digno do nome em momentos tão críticos teve o efeito
positivo de lançar luz sobre a solidariedade entre os cidadãos. Em 2021, os
brasileiros deram mostras inequívocas de que os laços de fraternidade que os
unem estão mais fortes do que nunca. É como se os cidadãos percebessem que,
diante de um governo tão ruim, tivessem de contar apenas uns com os outros.
Evidentemente, por mais valorosa que seja, a solidariedade não dá conta de
tudo. O apagão governamental produziu desastres. Mas foi graças ao altruísmo de
muitos cidadãos que alguns problemas puderam ser ao menos mitigados.
Tome-se como exemplo mais recente a
tragédia das chuvas que mataram dezenas e desabrigaram milhares de baianos
neste fim de ano. Como se fosse um burocrata qualquer, que assina meia dúzia de
papéis e dá seu trabalho como concluído, Bolsonaro se limitou a despachar para
a Bahia o ministro da Cidadania, João Roma, e a editar uma medida provisória
que cria um crédito extraordinário de R$ 200 milhões para reconstrução da
infraestrutura rodoviária destruída pelas chuvas no Estado. Depois, partiu para
uma semana de ócio nas praias de Santa Catarina – a imagem do dolce far niente
do presidente em contraste com o terrível padecimento dos baianos é de causar
engulhos. A ajuda concreta aos baianos que perderam tudo o que tinham tem
vindo, principalmente, da solidariedade de seus concidadãos em todo o País e de
ações pontuais de empresas privadas, principalmente supermercados, que têm
enviado alimentos aos desabrigados.
Outro exemplo recente, este dado por uma
adolescente de 17 anos de Aracaju (SE), mostra que não é preciso chegar à idade
de Bolsonaro para saber o valor da solidariedade. Como mostrou uma reportagem
do Estado, a menina Lenice Ramos idealizou uma ação solidária para distribuir
absorventes para alunas carentes da rede pública de ensino. Praticamente
sozinha, Lenice conseguiu distribuir 192 mil absorventes a meninas que padecem
da chamada pobreza menstrual. Ao fazê-lo, demonstrou ter mais espírito público
e sensibilidade social que Bolsonaro, que em outubro vetou o financiamento
público à distribuição gratuita de absorventes a mulheres carentes. Uma
desumanidade. Poucos dias após o veto cruel, a ministra da Mulher, da Família e
dos Direitos Humanos, Damares Alves, prometeu encaminhar ao Congresso um
projeto de lei tratando do tema. Até agora não se leu uma linha sequer do tal
projeto.
Mas neste ano não houve exemplo maior de
união entre os brasileiros em prol do bem comum do que a que se viu no curso da
pandemia de covid-19. Os brasileiros, em sua grande maioria, ignoraram
olimpicamente a sabotagem do governo federal às medidas sanitárias para evitar
a disseminação do vírus. Fazendo ouvidos moucos para a campanha de Bolsonaro
contra a vacinação, os cidadãos acorreram em massa aos postos de saúde para
receber o imunizante tão logo foi possível. Não foi trivial o sacrifício
individual que muitos fizeram em nome do bem-estar coletivo.
Na raiz desse contraste entre governo e
sociedade está a incompreensão de Bolsonaro sobre o valor simbólico da
Presidência da República. Sabe-se que ele não é talhado para exercer a
liderança do País, mas nem sequer se esforça para interpretar o papel. Resgatar
o simbolismo de dignidade e espírito público que a Presidência encerra, pois,
será uma das muitas missões de quem vier a suceder-lhe.
O secretário otimista e a âncora
inexistente
O Estado de S. Paulo.
O Orçamento foi privatizado e o teto está
em frangalhos, mas o novo gestor do Tesouro fala em ancoragem de expectativas
Já furado, recalculado e tratado como
problema pelo ministro da Economia e pelo presidente da República, o teto de
gastos voltou a ser defendido em Brasília, desta vez pelo novo secretário do
Tesouro, Paulo Valle. “O fato é que o teto de gastos não acabou, não morreu”,
disse o secretário em entrevista ao Estado. Aprovado o Orçamento e garantida a
PEC dos Precatórios, há espaço, acrescentou, “para ancorar as expectativas”. Falta
mostrar onde está esse espaço. Expectativas são ancoradas – em relação às
contas públicas, à inflação e ao câmbio, para ficar em exemplos muito
conhecidos – quando há confiança nas autoridades, as políticas são claras e
mudanças de rumo são consideradas pouco prováveis. A fraqueza da Bolsa e a
instabilidade cambial, com o dólar oscilando neste fim de ano entre R$ 5,60 e
R$ 5,70, sugerem um quadro muito menos tranquilo.
O teto de gastos é “mortal”, disse o
presidente na sexta-feira passada, véspera do Natal, ao comentar as limitações
impostas pelas normas orçamentárias. “A questão do teto: realmente eu sei que é
equilíbrio de contas, um montão de coisa aí, mas é mortal. A questão do
servidor: você vê, o Orçamento está aí. Ninguém pode prometer nada, se não está
no Orçamento”, comentou Bolsonaro, em seu linguajar característico, deixando
transparecer um evidente desconforto em relação às normas fiscais.
Apesar desse desconforto, ele conseguiu
transmitir aos políticos e a seus auxiliares a decisão de conceder aumentos às
Polícias Federal, Rodoviária e Penal. “Foi uma decisão política”, explicou o
secretário do Tesouro, ressalvando, no entanto, a “linha do Ministério da
Economia”, favorável a “mais um ano sem reajuste salarial”. Mas a “linha do
Ministério” pouco ou nada significa para o presidente, quando ele decide gastar
ou conceder algum benefício em busca de alguma vantagem político-eleitoral.
Quando isso ocorre, cabe ao ministro e à sua equipe adaptar o Orçamento às
conveniências presidenciais. A solução será remanejar ou negociar o
remanejamento de gastos.
O ministro da Economia, Paulo Guedes, até
se permite manifestar desconforto, quando o presidente Jair Bolsonaro anuncia
alguma decisão incompatível com a programação das finanças públicas. Mas
nenhuma objeção produzirá efeito, se o presidente estiver empenhado em seguir
sua inclinação. Tem sido assim desde o início do mandato presidencial, em 2019,
e nada permite imaginar algo diferente a partir de agora. Ao contrário: com a
intensificação do jogo eleitoral, os interesses presidenciais deverão moldar
mais amplamente o funcionamento de cada setor do Executivo.
A tal ancoragem das expectativas ficará
ainda mais dependente, portanto, dos objetivos pessoais do presidente e de suas
ações na busca de votos. Já é estranho falar de expectativas ancoradas quando o
Executivo recorre a truques para ampliar suas possibilidades de gastos.
Um desses truques é um calote. Esta é uma
palavra perfeita para designar o reescalonamento dos precatórios, dívidas
sacramentadas por decisão judicial. Depois de esperar durante anos o
reconhecimento de seus direitos, credores do Tesouro ainda terão de suportar o
atraso dos pagamentos. Outra jogada oportunista foi a alteração do critério de
fixação do teto. A referência original era a inflação dos 12 meses até junho do
ano de elaboração do Orçamento. Pelo novo critério, a referência é o
ano-calendário anterior ao da vigência orçamentária. Com a inflação crescente,
a mudança de critério produziu um teto mais alto.
Essas jogadas serviram para subordinar o
Orçamento, formalmente, às conveniências do Executivo. Mas o escândalo
continuou, com a apropriação de verbas pelo presidente e por parlamentares
beneficiados pelo orçamento secreto. Assim se privatizaram bilhões de reais,
distribuídos de forma opaca, em evidente violação dos princípios de publicidade
e de respeito ao dinheiro público. Mas o secretário do Tesouro fala de uma
possível ancoragem de expectativas, como se isso fosse possível com esse
presidente e seus aliados.
Brasileiros derrotam negacionismo com
adesão à vacinação
O Globo
Depois da ridícula pantomima do ministro
Marcelo Queiroga — sugerindo exigência de receita médica e impondo uma
inusitada consulta pública para a vacinação infantil contra a Covid-19 —, ficou
claro que o Ministério da Saúde indicará a imunização para crianças entre 5 e
11 anos, seguindo a recomendação da Anvisa e de outras autoridades no mundo
todo. Menos mal. O teatro de Queiroga não terá passado de mais um rapapé em
deferência ao negacionismo antivacina do presidente Jair Bolsonaro,
irresponsável a ponto de recusar vacinar a própria filha contra uma doença que
tem matado uma criança a cada dois dias no Brasil.
Felizmente, a população e os governos
locais dão de ombros aos arroubos de Bolsonaro. O brasileiro aderiu em massa à
vacinação e certamente não deixará de levar as crianças aos postos de saúde.
Tal contraste transformou o Brasil em exemplo num mundo em que o negacionismo é
preocupante.
No fim de novembro, quando a quarta onda de
Covid-19 se agravava na Europa, a revista alemã Der Spiegel fez um paralelo
entre o caos que tomava conta da Alemanha e o avanço da vacinação no Brasil.
Neste mês o Washington Post publicou reportagem de página inteira sobre a
cidade de São Paulo, considerada caso exemplar por ter vacinado 100% da
população adulta.
Ambas as publicações reconhecem que o
cenário positivo por aqui decorre da estrutura universal do SUS, que chega às
localidades mais remotas, da infraestrutura da Saúde e da disposição dos
brasileiros em se vacinar. Nunca se duvidou da capacidade do Brasil nessa área.
Criado nos anos 1970, o Programa Nacional de Imunizações (PNI) adquiriu
experiência notável e se tornou referência mundial. Graças a ele, o país
erradicou ou controlou doenças como sarampo ou meningite. Mas essa estrutura
competente ficou ociosa porque não havia doses suficientes para a demanda, já
que o governo desprezara as ofertas que recebera. O antecessor de Queiroga,
Eduardo Pazuello, chegou a dizer que não entendia a ânsia pelas vacinas. Só ele
não entendia.
Em julho deste ano, o Datafolha mostrava
que 94% dos brasileiros ou tinham se vacinado ou estavam dispostos a se
vacinar. Ainda estamos longe disso. Mas os números da vacinação são animadores.
Mais de 75% já tomaram a primeira dose, 67% completaram o esquema vacinal e
quase 12% receberam a dose de reforço. Embora esses índices ainda sejam
insuficientes para proteger a população diante do avanço da nova variante
Ômicron, provocaram impacto nos indicadores. Em que pese o apagão de dados do
Ministério da Saúde, o país que chegou a registrar mais de 4 mil mortes num
único dia hoje soma ao redor de cem.
Isso não significa que a epidemia esteja
controlada. Cenários positivos podem se deteriorar rapidamente, como se viu na
Europa e nos Estados Unidos. A vacinação também é desigual. Enquanto Rio e São
Paulo vacinaram quase todos os adultos, Amapá, Roraima e Acre estão muito
abaixo da média. Estudos sugerem que duas doses apenas não bastam para deter a
Ômicron. É necessário o reforço ou uma vacina específica, ainda em
desenvolvimento. Por enquanto há poucos casos da Ômicron no país, mas eles não
tardarão a subir. Não adianta tergiversar: é vacinar, vacinar e vacinar. É
louvável o caminho percorrido — mérito dos brasileiros —, mas não dá para
relaxar.
Longe das cadeias globais, a indústria
continuará a definhar
O Globo
Uma das perguntas que ainda pairam sobre a
economia mundial é: haverá uma grande transferência de unidades fabris da China
para Estados Unidos, Europa e áreas nas suas proximidades? Embora a dúvida
persista, uma coisa parece certa: mesmo na eventualidade de algo desse tipo
acontecer, o Brasil estará fora da lista de possíveis beneficiados.
As causas são conhecidas. O Brasil é um
baluarte para ideias comprovadamente erradas sobre desenvolvimento econômico.
Mudar essa realidade pode ser um caminho para atrair novos investimentos se as
empresas decidirem sair da Ásia. Mas, mesmo que multinacionais americanas e
europeias decidam ficar onde estão, o Brasil sem dúvida teria a ganhar com um
ambiente de negócios mais competitivo.
Algumas forças alimentam a hipótese de uma
debandada da China. A pandemia do coronavírus e o posterior nó nas redes de
logística globais deixaram claro quanto a dependência de poucos fornecedores
pode, em situações de emergência, causar problemas. Cerca de 60% dos
antibióticos importados pelo Japão vêm da China, país responsável por metade da
produção global de máscaras, para citar apenas dois itens. Há centenas de
outros.
Antes mesmo da Covid-19, Estados Unidos e
China caminhavam para o que analistas têm chamado de “desacoplamento”. Algumas empresas
já tiraram operações da Ásia, mas outras tantas reforçaram seus investimentos
por lá. É cedo para ter uma imagem desanuviada que dê o quadro real da
situação.
A manufatura há muito se organizou em
cadeias globais de valor, com produção fragmentada em vários países. Nossa
posição nessa corrida é nos últimos pelotões. A defasada política industrial
brasileira, baseada em tarifas de importação elevadas, incentiva empresas
estrangeiras a montar fábricas aqui apenas para explorar o mercado interno, não
para exportar produtos de ponta a países ricos. Em vez de se especializar,
ocupando nichos nas cadeias globais, a indústria brasileira arrogou-se a missão
de fazer quase tudo sozinha. Com isso, condenou o país a produtos mais caros,
tecnologicamente menos avançados — e cavou sua própria cova.
Enfrentar os lobbies locais que lucram com essa situação e promover a abertura da economia não garantirá um lugar de destaque em cadeias industriais globais. Economias como a mexicana estão muito à frente, sem falar na questão da proximidade geográfica com o mercado americano. Tampouco equivalerá a uma passagem sem escalas para o Primeiro Mundo — vários outros fatores interferem na expansão do PIB. Mas será, com certeza, um passo para sair do atraso em que a indústria brasileira está. A maior especialidade das lideranças industriais é elencar um sem-número de desculpas para que o governo as mantenha protegidas de qualquer competição. Hora de trocar o disco.
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