O Globo
Há dois dias, no nosso quadro diário na
CBN, Rodrigo Bocardi me pergunta: o que Jair Bolsonaro ganha com o caos que
promove na vacinação, ou ao sair de férias pela segunda semana consecutiva
enquanto a Bahia se afoga em chuvas?
A pergunta diz respeito à lógica eleitoral
mais básica, estratégica mesmo. Pesquisas, conversas com aliados, uma passada
rápida nas redes sociais, qualquer termômetro poderia mostrar ao capitão que a
balbúrdia que ele fomenta em seu próprio governo, dia após dia, ano a ano, só
acaba por minar suas próprias chances eleitorais. Pelo menos um substrato
positivo em tanto retrocesso, diga-se.
O Brasil tem adesão histórica à vacinação,
que se confirmou na pandemia de Covid-19. Os ataques nonsense perpetrados pelo
presidente às vacinas não levaram a que as pessoas deixassem de se vacinar.
Só a vacinação, como diz até seu ministro da Economia, Paulo Guedes, permitirá que se inicie alguma tentativa de recuperação econômica — ademais profundamente comprometida pelas outras barbeiragens feitas pelo governo, como a implosão da responsabilidade fiscal.
Ainda assim, a verborragia de Bolsonaro
contra a vacina segue a todo vapor, agora impedindo a imunização de crianças,
chegando ao absurdo de usar a própria filha de 11 anos em seu discurso
negacionista, negando a ela com orgulho a oportunidade de ser protegida contra
o vírus.
De novo: o que ele ganha com isso? A
resposta é: nada. Mas parece ser da sua natureza, algo que nenhum cálculo
eleitoral é capaz de conter.
Como não se emenda e não se toca, Bolsonaro
chegará a 2022 como essa bomba-relógio que, a despeito de todo o legado,
tentará de tudo para se reeleger. Espera fidelizar os pouco mais de 20% que, as
pesquisas mostram, seguem fiéis a ele — a ponto de impulsionar uma hashtag
chamando de “orgulho do Brasil” alguém cuja obra, apenas no período entre Natal
e Ano-Novo, se resume a andar de jet ski enquanto milhares de cidadãos por ele
governados não têm casa para onde voltar.
Para sair dos já convertidos e chegar a um
patamar que lhe garanta a passagem ao segundo turno, salve-se quem puder. Por
isso não adianta Paulo Guedes mandar mensagens ao chefe e aos colegas clamando
por algum freio de gastos num momento em que a pressão por reajustes de
servidores tende a chegar ao nível máximo. Bolsonaro já deixou claro, entre uma
folga e outra, que, por ele, concederia aumento a todas as categorias do
funcionalismo. Então, o ministro que se prepare, porque a comporta vai de fato
estourar.
Não há surpresa no comportamento do
presidente, embora ele sempre esteja subindo um degrau em termos de atitudes
incompatíveis com o cargo. Daí por que aqueles que, como a senadora Simone
Tebet, dizem que jamais seria possível imaginar governo tão ruim devem fazer
uma reflexão à luz da História desse personagem que o Brasil achou por bem
eleger em 2018.
Em sua extensa carreira como deputado,
depois de uma curta e indigna passagem como militar, Bolsonaro nunca fez
questão de esconder o que era: um representante dos interesses corporativistas
e do reacionarismo mais explícito, avesso às questões de gestão pública, a não
ser aquelas ligadas aos grupos de interesse que ele representa (fabricantes de
armas, latifundiários, garimpeiros, madeireiros).
O interesse público nunca foi pauta do
parlamentar Bolsonaro, que envidou todos os esforços apenas em suas eleições,
nas dos filhos e até na da mulher. Construiu vasto patrimônio à custa desses
mandatos.
Eleito afrontando a lógica, a ciência, o
decoro do cargo e o bom senso, Bolsonaro deve achar que se reelegerá assim — e
segue. Se ganhará algo com isso, cabe ao eleitor responder no ano que vem.
2 comentários:
Vera, pelo que implora o caos? Pela ordem! Ele quer ser o clarim que acorda os granadeiros.
Por quem o caos implora? Pela ordem! Ele quer ser o clarim.
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