Folha de S. Paulo
Tendência à precarização talvez venha a ser
reforçada por mudanças causadas pela epidemia
Os rendimentos do trabalho,
"salários", não
eram tão baixos desde 2012 –desde
que se tem um registro comparável nas estatísticas do IBGE. Em 2022 vão
continuar assim tão baixos, afora milagres. Será uma década de pobreza.
Um motivo dessa pobreza é o fato de que os novos postos de trabalho são ruins: de baixa qualificação, pagam pouco, são inseguros. Esse quadro piorou na recessão de 2015-2016, mas já vinha de antes, indicam estudos de economistas. Na epidemia, a situação deve ter se agravado.
Temos problemas crônicos. Um sintoma do mal
é o crescimento médio de 1,4% ano da economia depois da recessão, em 2017, 2018
e 2019. Em 2021, o país vai recuperar o que perdeu em 2020, mas não o que
deixou de crescer no ano um da epidemia (mesmo naquele ritmo de quase nada, de
1,4% ao ano). Em 2022, a previsão é de crescimento menor do que 1,4%, se houver
algum avanço.
Nesse ambiente, é muito improvável alguma
recuperação do rendimento médio dos "salários". A inflação deve ficar
em 5% no ano que vem. Ou seja, apenas para não perder da inflação (para
não recuar outra vez, em termos reais), o rendimento médio do trabalho teria de
crescer esses 5% no ano que vem. Neste 2021, até outubro, a queda foi de 2% em
relação a 2020 (no rendimento habitualmente recebido, em termos nominais, sem
descontar a inflação). Descontando a carestia, a
perda foi de 11%, segundo dados divulgados nesta terça-feira
(28) pelo IBGE.
Ou seja, é muito difícil que em 2022 a
estagnação dos salários não faça 10 anos de idade. Na melhor das hipóteses, o
PIB mal vai andar e a taxa de
desemprego será similar. Mesmo neste ano de 2021, de perspectivas de
início melhores, houve frustração bem inesperada de crescimento. A economia não
reagiu bem à reabertura e à vacinação. Sim, inflação em alta, o choque do
morticínio de março a julho e a desordem causada pelo governo acabaram por
arruinar o resto de esperança. Mas não parece ter sido apenas esse o problema.
Desde a recessão, a proporção de pessoas
que trabalha em empresas privadas com carteira assinada caiu. Desde então ficou
parada em nível baixo (passou de 40% do total dos ocupados em 2014 para a casa
dos 36% em 2018 e por aí ficou). Aumentou o número de trabalhadores "por
conta própria" (que podem ser qualquer coisa, do autônomo mais remediado
com CNPJ ao ambulante totalmente precário).
A tendência à precarização ou o recurso a
variantes de trabalho "por conta" talvez venha a ser reforçada por
mudanças causadas pela epidemia (automação, home office etc.). É uma hipótese,
ainda não sabemos. De menos incerto é que esses trabalhadores "por
conta" não são montes de consultores ou prestadores de serviços
sofisticados. A larga maioria é, francamente, bico mesmo.
Os trabalhadores "por conta própria
com CNPJ" ganham 38% mais, em média, do que assalariados com CLT; os
"por conta própria sem CNPJ" ganham 38% menos. Mas os "por
conta" formalizados, aqueles com CNPJ, são apenas um quarto do total da
massa dos trabalhadores "por conta".
Em suma, o ano que vem será difícil para o
trabalho outra vez, mas não apenas por problemas de conjuntura. A baixa da
qualidade do emprego vem desde antes da recessão, piorou depois de 2015-2016 e,
pelos indícios mais gerais, a partir de 2019 ficou na mesma, ruim, sujeita
ainda a chuvas e a trovoadas da tendência à automação e de outros processos de
enxugamento de trabalho mais qualificado.
Se em 2023 não tivermos um governo disposto
e capaz de fazer uma reviravolta grande e rápida, muito além do que imaginam
estereótipos de esquerda e direita, estaremos muito lascados.
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