PT e PSB discutem 'casamento' até 2026 e há conversas também envolvendo PSOL, PCdoB, PV e Rede; partidos maiores miram aumento da bancada enquanto pequenos tentam escapar da cláusula de barreira
André Shalders e Julia Affonso / O Estado
de S. Paulo
BRASÍLIA — Nas últimas semanas,
partidos de esquerda passaram a discutir a possibilidade de criar federações
partidárias a partir de 2022. Diferentemente das coligações, as federações vão
muito além da disputa eleitoral: criam uma “fusão” temporária entre as siglas
envolvidas, que precisa durar pelo menos quatro anos. Para legendas menores,
como a Rede Sustentabilidade e o PCdoB, o objetivo da federação é escapar das
punições aplicáveis a quem não cumprir a chamada cláusula de barreira nas
próximas eleições. Já partidos com mais representação no Congresso, como o PT e
o PSB, veem no mecanismo uma possibilidade de obter mais cadeiras no
Legislativo.
As federações partidárias serão uma das novidades das disputas de 2022. Foram criadas pelo Congresso em setembro deste ano, e regulamentadas por uma resolução do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) publicada no último dia 14 de dezembro, sob a relatoria do presidente da Corte eleitoral, o ministro Luís Roberto Barroso. Assim como as coligações, a federação permite que os partidos atuem em conjunto no período eleitoral, inclusive somando os votos para conquistar mais vagas na Câmara e nas assembleias. Mas as semelhanças acabam por aí: a federação exige que as siglas continuem juntas, por, no mínimo, mais quatro anos.
Hoje, os partidos de esquerda somam 131 deputados federais, considerando as bancadas do PT (53 nomes), do PSB (31), do PC do B (8), do PSOL (9), do PDT (25), do PV (4) e da Rede (1). Por enquanto, a discussão mais avançada é sobre um bloco com PT, PSB, PC do B e PV; outra possibilidade é a união de PSOL, Rede e PCdoB. Dirigentes dessas legendas consideram que é possível alcançar o número de 200 deputados se o bloco incluir todas as siglas do campo, inclusive o PDT – que por enquanto está fora das conversas.
As projeções feitas pelos partidos
consideram, por um lado, que o conjunto das agremiações passaria a ocupar um
número maior das chamadas “sobras” partidárias, que são as cadeiras restantes
no Legislativo depois da divisão feita por meio do quociente eleitoral. Por
outro, há a ideia de que atuando em conjunto os partidos poderão concentrar
recursos (dos fundos Partidário e Eleitoral) nos candidatos com mais chance em
toda a coligação; e se beneficiar dos “puxadores de votos” em cada Estado.
Alguns políticos consideram também que há um “efeito psicológico” em reunir
todas as siglas em uma frente ampla contra o presidente Jair Bolsonaro (PL).
A disputa de 2022 será a primeira eleição
geral sem coligações para os cargos de deputado estadual e federal. O advogado
especialista em direito eleitoral Fernando Neisser explica que uma diferença
muito marcante em relação às coligações é que a federação implica em que as
partidos sejam consideradas uma legenda só em todas as instâncias do
Legislativo, inclusive assembleias estaduais e câmaras municipais. “É uma
liderança só; uma orientação só”, observa ele, que preside a comissão de direito
político e eleitoral do Instituto dos Advogados de São Paulo (IASP).
Para valer nas eleições de 2022, as
federações precisam ser formalizadas na Justiça Eleitoral até seis meses antes
da disputa, isto é, até 2 de abril do ano que vem. Ou seja: os partidos terão
de decidir se formarão ou não a federação antes das convenções partidárias, nas
quais as candidaturas são oficializadas. Em 2022, o período das convenções vai
de 20 de julho a 5 de agosto, conforme calendário aprovado pelo TSE na semana
passada. As candidaturas precisam ser registradas até o dia 5 de agosto.
“A aliança vale para o Brasil todo; e a
partir daí eles estarão juntos em todas as eleições. Tanto na eleição geral,
quanto nas nacionais dali a dois anos”, diz Neisser. “A Federação também tem
que ter um estatuto comum, registrado no TSE, e um programa político comum”,
afirma. “E se um partido sai da federação antes dos quatro anos, a punição é
muito dura. Fica sem dinheiro do Fundo Partidário e não pode entrar em outra
federação. Isso é para impedir que a federação seja usada como uma coligação
disfarçada”, afirma o advogado.
Cláusula de barreira. Para partidos
com bancadas pequenas no Congresso, como a Rede e o PV, a federação é uma forma
de escapar das punições da chamada “cláusula de barreira”, uma regra segundo a
qual só partidos com um determinado desempenho nas eleições terão acesso a
dinheiro do Fundo Partidário e tempo de rádio e TV. Em 2022, o requisito é
conseguir pelo menos 2% dos votos para a Câmara dos Deputados em todo o País,
ou eleger o mínimo de 11 deputados federais em pelo menos nove Estados –
desempenho muito superior ao destes partidos em 2018.
Líder da bancada do PT na Câmara, o
deputado Bohn Gass (RS)
afirma que a formação de uma federação de esquerda permitirá a apresentação de
um programa de ao menos quatro anos, com identificação programática. “Vamos
despersonalizar a política, tratando de compromissos mais coletivos”, diz ele.
“Ao mesmo tempo tem uma questão prática, formal, que é o fato de cada partido,
individualmente, ter as suas sobras. Somadas, elas dão condições de a gente ter
mais parlamentares”, afirma.
Ele evita fazer estimativas de números, mas
diz que uma das vantagens da federação é ocupar um espaço maior nas cadeiras da
Câmara que vão para as chamadas “sobras”, isto é, os assentos remanescentes
depois que a divisão das vagas é feita entre os partidos que alcançaram
quociente eleitoral. Este é o número de votos exigidos para que um partido
obtenha uma vaga numa eleição proporcional. Em outubro deste ano, o Congresso
aprovou uma lei que muda os critérios de distribuição das “sobras”, excluindo
da divisão os partidos que não obtiveram um número mínimo de votos.
O cálculo não é tão simples. “Imagine que
você tem três partidos (num determinado Estado) e cada um tenha conquistado
votos o suficiente para eleger 1,3 deputado. Se eles estiverem juntos (numa
federação), isto significa que eles contam como um partido só, com 3,6
deputados. Terão três cadeiras e uma sobra. Na hora de comparar com a sobra dos
outros partidos, a chance dessa federação ocupar a cadeira 'da sobra' é
maior", detalha o advogado Fernando Neisser.
O presidente nacional do PSB, Carlos
Siqueira, diz que há “amplíssima maioria” na bancada socialista no Congresso
pela formação da federação com o PT – também há maioria entre os presidentes
estaduais do PSB, e a proposta em discussão entre os dois partidos foi
formulada pelos socialistas. “Tudo indica que estamos encaminhando no sentido
de formar (a federação). Achamos que as perspectivas são boas”, disse ao Estadão o
presidente do PSB, Carlos Siqueira.
Além do PT, as negociações são para o grupo incluir, a princípio, o PCdoB e o
PV.
Em dezembro, o Diretório Nacional do PT
autorizou a Executiva do partido a negociar os termos da federação com o
comando do PSB. Ao final de uma reunião de quase dez horas, 72 integrantes do
Diretório petista se pronunciaram a favor de uma resolução que permite o início
das negociações formais. Outras duas propostas contrárias à federação tiveram,
juntas, 10 votos. A partir de agora, as negociações serão conduzidas pela
presidente do PT, a deputada Gleisi Hoffmann (PR);
pelo vice, o deputado José Guimarães (CE);
e pelo secretário-geral, o também deputado Paulo Teixeira (SP).
Ao fim, o Diretório Nacional terá de aprovar novamente a federação.
Uma decisão parecida já tinha sido tomada
na semana passada pela Executiva Nacional do PSOL, que aprovou a abertura de
conversas com os partidos Rede Sustentabilidade e PCdoB para analisar a
possibilidade de formar uma federação. Ao Estadão, dias antes da reunião,
o presidente do PSOL, Juliano
Medeiros, afirmou que a Rede tem “muita identidade” com as posições
de sua sigla sobre questões ambientais. “O PCdoB é um tradicional partido de
esquerda que também vê no diálogo com o PSOL uma possibilidade”, disse. “São
sondagens informais até agora, mas ambas no sentido positivo de mostrar
interesse em federar com o PSOL.”
Em nota, após a decisão da Executiva, o
PSOL informou que a bancada do partido na Câmara “apoiou o projeto que cria as
federações partidárias”. “Reconhecemos que essa é uma medida democrática diante
das novas restrições da legislação eleitoral. Consideramos que as federações
permitem, ainda, o enfrentamento da cláusula de barreira, medida
antidemocrática criada para asfixiar os partidos ideológicos com a
justificativa de combater a “pulverização” do sistema partidário brasileiro”,
afirmou a sigla.
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