Valor Econômico
Saneamento, novo marco das ferrovias, fim
de era no pré-sal
Retrospectivas costumam ser compilações de
personagens, episódios, frases marcantes de um ano. Sem delongas, eis três
tendências econômicas com origem em fatos ocorridos em 2021, mas que não se
encerram com a virada de calendário e terão desdobramentos relevantes ao longo
do restante de década.
1) Saneamento: tornou-se a estrela dos
leilões de infraestrutura, com estreantes no mercado e investidores estrangeiros
capitalizando empresas já bem posicionadas. Questionamentos sobre a viabilidade
do modelo envelheceram rapidamente. O Supremo Tribunal Federal (STF) afastou
incertezas jurídicas.
O leilão de três blocos da Cedae (RJ), em abril, foi o pontapé inicial da transformação. Um bloco remanescente está sendo licitado hoje e recebeu pelo menos duas propostas Houve certames bem- sucedidos no Espírito Santo e na região metropolitana de Maceió.
Lembra a história de que as empresas
privadas iam querer só o filé e deixar para trás o osso? Basta uma estruturação
correta dos projetos para viabilizar a chegada dos serviços em áreas mais
carentes. Mesmo com baixa densidade populacional, o Amapá atraiu R$ 3 bilhões
em investimentos e quase R$ 2 bilhões em outorgas, trazendo para o saneamento a
Equatorial, bastante conhecida no setor elétrico. Quando alguém disser que
municípios menores serão esquecidos, convirá resgatar o caso de Alagoas. Dois
blocos - um no agreste e no sertão, outro na zona da mata e no litoral - foram
arrematados com êxito.
É apenas a primeira de três ondas de
investimentos. A segunda deve chegar no pós- 2022, quando termina o prazo dado
às estatais de água e esgoto para comprovarem capacidade econômica para
universalizar os serviços. Quem não conseguir perde os contratos e abrem-se
concorrências. Companhias estaduais no Pará, Piauí, em Rondônia e Santa
Catarina correm risco. A terceira onda virá em 2027/2028, quando empresas que
passaram pelo primeiro sarrafo precisarão demonstrar cumprimento das metas de
qualidade estipuladas. Se não, devem ter concessões cassadas.
Na infraestrutura, boas oportunidades de
negócios para investidores privados são sempre bem-vindas. Mas nunca se deve
perder o foco do principal: melhorar serviços, de forma palpável, para a
população. Há razões para acreditar numa baía de Guanabara limpa - assim como
na recuperação de muitos rios fétidos que cruzam capitais - até o início da
próxima década.
2) Ferrovias: a modernização e a ampliação
da malha nacional, irrisória para o tamanho do país, estavam calcadas em dois
pilares. Um era o investimento público (Norte-Sul e Fiol), com repasse à
iniciativa privada na reta final de execução. Não há mais espaço para isso.
Outro é a prorrogação antecipada de concessões perto de vencer, em troca de
exigências bilionárias, o que viabiliza obras como a duplicação de trechos da
Malha Paulista e a construção da Fico (entre Goiás e Mato Grosso).
São avanços que derivam de um planejamento
iniciado em 2015. Infraestrutura é assim mesmo: dá mais certo quando as
estratégias privilegiam o longo prazo, viram política de Estado, e não de
governo, sem uma guinada a cada quatro anos. No entanto, a janela de grandes
investimentos aberta com as renovações antecipadas se fechará depois de algum
tempo.
A Lei 14.273, sancionada no dia 23 de
dezembro, é o “game changer”. O projeto original foi apresentado em 2018 e
precisou de uma legislatura quase inteira, além do empurrão dado por medida
provisória de teor semelhante, para andar. A partir de agora, ferrovias poderão
ser construídas pelo regime de autorização, com mais liberdade regulatória e
sem a necessidade dos exaustivos trâmites de um leilão organizado pelo governo.
Em menos de quatro meses, desde a publicação
da MP, foram apresentados 64 requerimentos de novas ferrovias. O Ministério da
Infraestrutura anunciou que haverá cerca de R$ 180 bilhões em investimentos
privados. Essa estimativa é irrelevante. Serve aos propósitos de inflar
divulgações oficiais, mas muitos pedidos do setor privado são excludentes entre
si ou têm viabilidade para lá de contestável. Devem virar ferrovias de papel.
Não importa. Se um terço disso for adiante, excluindo tudo o que não tiver pé
nem cabeça, será suficiente para termos o maior chacoalhão em décadas na
logística brasileira.
3) Pré-sal: a era dos bônus de assinatura
bilionários em leilões do petróleo pode ter terminado com a venda de Sépia e
Atapu, os dois últimos blocos dos volumes excedentes da cessão onerosa, na
bacia de Santos. Eles vão render R$ 11,1 bilhões na assinatura dos contratos.
São áreas já em fase de produção e com reservas fartas, com uma alta
produtividade dos poços, o que reduz a emissão de carbono por barril. Isso
explica o interesse de grandes petroleiras, como Total e Shell, pela exploração
na costa brasileira.
De agora em diante, o quadro fica mais
desafiador. O estoque de áreas nobres no pré-sal chega perto do fim. Em vez de
rodadas convencionais, daqui para frente o governo pretende ter uma “oferta
permanente”, espécie de cardápio com ativos disponíveis continuamente às
petroleiras que manifestarem interesse.
O que poderia converter-se em novas
fronteiras exploratórias, na margem equatorial, esbarra em sensibilidades
ambientais. A 17ª rodada de licitações de blocos pelo regime de concessão teve
o menor número de participantes e áreas arrematadas nas disputas do gênero até
hoje. Empresas preferiram manter distância de arquipélagos como Fernando de
Noronha e Atol das Rocas. A foz do rio Amazonas, onde muitos veem potencial de
descobertas semelhantes às que prometem mudar a cara da vizinha Guiana, deverá
permanecer intocado.
O pré-sal já representa 70% da produção.
Saem de cena os leilões pomposos, entra a fase mais aguda de exploração. Os
cofres da União serão recheados com fortunas em participações governamentais.
Sépia e Atapu, por exemplo, vão gerar R$ 300 bilhões ao longo de sua vida útil
em royalties, impostos e barris pertencentes à estatal PPSA.
A mudança de tempos, porém, coloca em
evidência o futuro da Petrobras. Ela deveria mesmo concentrar seus
investimentos e capital humano em sugar o pré- sal até a última gota, enquanto
o petróleo continua sendo a maior commodity do planeta, ou seria o caso de
acelerar sua transição energética e preparar-se para a economia verde? Como
poderá valer mais daqui a 20 ou 30 anos? Teria que agir como indutora do
desenvolvimento em setores supostamente estratégicos ou isso significaria uma
armadilha para monopólios e corrupção?
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