segunda-feira, 3 de janeiro de 2022

O que pensa a mídia: Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS

Círculo vicioso

O Estado de S. Paulo.

A Constituição de 1988, que já nasceu extensa, tornou-se com o tempo ainda mais ampla e detalhista, o que acarreta novas demandas de alteração, fragilizando-a ainda mais

Grande número de emendas intensifica fenômeno da constitucionalização.

Mesmo os mais ardentes defensores da Constituição admitem: o texto produzido pela Assembleia Constituinte é muito extenso. No momento da promulgação, a Carta de 1988 tinha 245 artigos, além dos 70 artigos do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. Houve o chamado fenômeno da ampla constitucionalização. Muitos assuntos, que poderiam ser regulados pela legislação ordinária – ou mesmo serem deixados à livre disposição da sociedade –, ganharam assento constitucional.

Pode-se dizer que o tamanho da Constituição de 1988 foi uma escolha da sociedade. Para garantir a ampla proteção do indivíduo e uma determinada configuração do Estado, retirou-se da esfera legislativa ordinária uma série de temas, dando-lhes status constitucional. O art. 5.º, sobre direitos e garantias fundamentais, tem 78 incisos.

Em tese, a ampla constitucionalização deveria significar uma maior estabilidade do ordenamento jurídico, uma vez que mudanças constitucionais são mais difíceis de serem realizadas. Há rito próprio, com requisitos mais exigentes: aprovação em dois turnos por cada Casa Legislativa com quórum de três quintos.

No entanto, mais do que preservar a estabilidade da ordem jurídica ao longo do tempo, essa ampla constitucionalização produziu um efeito inverso: o enfraquecimento da Carta de 1988. Por tratar de muitos assuntos, muitas vezes num detalhamento excessivo, a Constituição tornou-se, desde a promulgação, objeto de muitas pressões para sua alteração. Com isso, ainda que existam condições específicas para alterar o texto, o Congresso aprovou muitas Emendas Constitucionais (ECS). A EC relativa ao não pagamento dos precatórios foi a 113.ª emenda promulgada!

É muita alteração sobre um texto cuja função é precisamente prover estabilidade. Por exemplo, o art. 37, XI, que dispõe sobre o teto da remuneração do funcionalismo público, teve quatro versões ao longo desses anos.

Vale lembrar também que o grande número de emendas intensifica ainda mais o fenômeno da ampla constitucionalização. Quase sempre, as alterações levam a um aumento de assuntos e de detalhamento sobre o texto. Assim, a Constituição de 1988, que já nasceu extensa, tornou-se ao longo de tempo ainda mais ampla e detalhista, o que por sua vez acarreta novas demandas de alteração.

Recente levantamento do Estado mostrou que o número de Propostas de Emendas à Constituição (PECS) cresceu 190% na última década, considerando-se as iniciativas em tramitação na Câmara dos Deputados e no Senado. Ao todo, o Congresso tem hoje mais de 1.300 emendas passíveis de aprovação. Tem-se, assim, o círculo vicioso, prejudicial à força e estabilidade da Constituição: ao ampliar o texto, as emendas o fragilizam, o que demanda novas emendas, e assim vai.

A Constituição, que deveria ser causa de estabilidade e segurança jurídica, torna-se ela mesma fonte de instabilidade. Em vez de ser referência perene para a sociedade e o Judiciário, torna-se ela mesma o grande objeto de mudança. A centena de emendas promulgadas fala por si.

O fenômeno da crescente constitucionalização produz ainda outro efeito, especialmente sentido nos dias de hoje e que tende a crescer. Uma vez que a função do Supremo Tribunal Federal (STF) é defender a Constituição, a ampliação do texto constitucional conduz necessariamente a um aumento dos temas de competência da Corte.

Dar status constitucional a um tema significa colocá-lo sob a alçada do Supremo. Assim, mais do que uma usurpação de poder, a crescente interferência do STF nos mais variados temas e questões da sociedade é também resultado da atividade do próprio Legislativo, que continuamente insere na Constituição novos temas, e do Executivo, autor de muitas PECS.

Esse cenário revela que não basta “fazer reformas”. É preciso pensá-las bem, de forma orgânica, tendo em conta também seus efeitos sistêmicos. A atividade legislativa não pode se converter num mero fazer, como se viu em 2021. É preciso estudo, planejamento, ponderação – ou seja, competência e responsabilidade.

Um Congresso distante da sociedade

O Estado de S. Paulo.

Fechado em pautas que privilegiam, antes de tudo, os interesses dos parlamentares, o Congresso não conta com o alto apreço dos eleitores

O apreço que a sociedade tem pelo trabalho de deputados e senadores nunca foi alto. Em maior ou menor grau, a depender da legislatura, o Congresso sempre foi mal avaliado. A bem da verdade, isso diz mais sobre a educação política dos eleitores e, consequentemente, a qualidade dos votos depositados nas urnas do que qualquer outra coisa. Afinal, nenhum deputado ou senador chegou ao Congresso forçando a porta de entrada.

Para compor essa imagem negativa que o conjunto dos parlamentares transmite à sociedade, também não se pode esquecer que a chamada “classe política” se esforça muito para deliberadamente piorar o que já é ruim, pois muitos políticos oportunistas, em tempo de eleição, exploram o descontentamento dos eleitores com o Congresso – percebido, em geral, como uma instituição distante dos reais problemas do País – para obter ganhos pessoais. Em boa medida, essa dissimulação ajudou a alçar alguém do gabarito de Jair Bolsonaro à Presidência da República.

Mas, ao final, os grandes responsáveis pela má imagem do Congresso aos olhos da maioria dos eleitores são, evidentemente, os próprios deputados e senadores que traem a confiança neles depositada ao orientarem seus mandatos por interesses antirrepublicanos. São suas escolhas como mandatários que definirão, individualmente, a percepção que seus constituintes têm de seu trabalho parlamentar e, no conjunto, a visão que a sociedade tem do Congresso. E a impressão que a atual legislatura transmite é a pior possível.

Uma pesquisa do Datafolha realizada entre os dias 13 e 16 de dezembro mostrou que apenas 10% dos brasileiros aprovam a atuação do Congresso. É o pior patamar de avaliação do Legislativo federal em três anos, quando, segundo o mesmo instituto, 22% dos pesquisados consideravam o trabalho do Congresso “ótimo ou bom” – porcentual não muito mais animador. Para 45% dos entrevistados na nova rodada da pesquisa, o trabalho dos parlamentares é “regular”. Para 41%, “ruim ou péssimo”. Outros 4% não souberam ou não quiseram responder.

A péssima avaliação da atual legislatura não é surpresa para ninguém, tanto para quem acompanha o dia a dia da política como para quem mais sofre as consequências diretas de um Congresso cada vez mais distante dos problemas que afligem milhões de brasileiros. A Câmara dos Deputados e o Senado, sob a presidência, respectivamente, de Arthur Lira (PP-AL) e Rodrigo Pacheco (PSD-MG), têm dado sucessivas mostras de alheamento, fechadas que estão, ambas as Casas, em pautas que privilegiam, antes de qualquer coisa, os interesses dos próprios parlamentares.

Assim como a esmagadora maioria dos eleitores é capaz de perceber que não há governo no País, como mostrou recente pesquisa realizada pelo Ipec, também não está alheia ao que se passa no outro canto da Praça dos Três Poderes. Os eleitores não estão alheios à tomada de assalto do Orçamento da União pelos parlamentares. Não estão alheios a um Congresso que, em meio à pior tragédia sanitária que já se abateu sobre o País, ainda cogita cortar recursos orçamentários do Ministério da Saúde para custeio de UTIS. Não escapa ao olhar crítico dos cidadãos o aumento ignominioso do montante destinado ao financiamento de partidos políticos e campanhas eleitorais enquanto projetos destinados a atacar mazelas renitentes do País seguem à míngua, como é o caso do projeto para zerar a fila dos beneficiários do Bolsa Família.

A palavra “precatório” pode não significar nada para a maioria dos brasileiros, mas estes sabem que o Congresso – com a cumplicidade de Bolsonaro – aprovou o calote das dívidas da União para abastecer de recursos os partidos políticos e parlamentares, além de financiar o populismo eleitoreiro do presidente da República.

Compor o Orçamento da União é o coração da atividade dos parlamentares. É fazer escolhas. E tanto a forma como a qualidade dessas escolhas definem o vigor de uma democracia representativa. Orçamento e democracia estão umbilicalmente ligados. Neste sentido, a democracia brasileira vai mal, e os eleitores parecem ter percebido.

'Sem motivo'

Folha de S. Paulo

Apagão de dados sobre desaparecidos encobre, tudo indica, casos de ação policial

Sob Jair Bolsonaro, o Ministério da Justiça ignorou no Plano Nacional de Segurança Pública e Defesa Social, válido até 2030, os desaparecimentos de pessoas em abordagens policiais. Vale dizer, o governo deixou de fazer qualquer exigência de produção de dados a esse respeito.

Não se trata, no entanto, de uma questão menor. Segundo dados dos ministérios públicos dos estados, 82 mil pessoas estão desaparecidas no país. Oficialmente, apenas 16 casos (0,02% do total) ocorreram em razão de prisões e apreensões por agentes públicos.

Há indícios, no entanto, de que a prática seja muito mais recorrente —e tornada invisível. Nos registros oficiais, nada menos que 86% dos episódios são classificados como "sem motivo aparente".

Cabe à pasta da Justiça, segundo uma legislação de 2019, coordenar a estruturação de um cadastro nacional de pessoas desaparecidas, o que ainda foi não realizado.

O sumiço de pessoas é um dos "problemas humanitários invisíveis", disse à Folha em 2018 o então diretor do Comitê Internacional da Cruz Vermelha na América Latina, Stephan Sakalian.

Em estudo publicado em julho deste ano, "Ainda? Essa é a Palavra que Mais Dói", a Cruz Vermelha detalha os severos impactos econômicos, sociais e mentais de desaparecimentos para as famílias.

Segundo o Anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 62,9 mil pessoas desapareceram em 2020, ano em que 6.416 foram mortas em decorrência de intervenções policiais —o triplo do registrado sete anos antes.

Diante de tal cenário, este jornal questionou os governos dos dez estados com mais mortos pela polícia sobre informações referentes a desaparecimentos associados a operações de segurança pública.

A conclusão inevitável é que o problema é largamente ignorado. Goiás, Paraná, Sergipe, Rio Grande do Norte e Ceará nem sequer responderam às perguntas. Rio, Bahia, São Paulo, Pará e Rio Grande do Sul relataram não ter os dados pormenorizados.

Reverter o cenário tenebroso requer coordenação nas três esferas de governo. Passa, necessariamente, por incluir a exigência de produção de dados pelo plano nacional. Demanda, ademais, que as forças estaduais invistam na investigação de casos e prestem contas de maneira transparente.

Por fim, cabe aos municípios, por meio de serviços de assistência social, desempenhar a tarefa de auxílio às famílias na procura de desaparecidos. Estas merecem, ao menos, a dignidade de não serem invisíveis ao poder público.

Mercado aberto

Folha de S. Paulo

Avanço do open banking favorece competição em um mercado ainda muito concentrado

Está em curso uma importante mudança no mercado financeiro nacional, com potencial para expandir a concorrência e a inovação em benefício do consumidor.

Em 15 de dezembro teve início a quarta etapa de implantação do chamado open banking, iniciativa capitaneada pelo Banco Central para ampliar a oferta de serviços a partir do compartilhamento de dados financeiros de clientes, sob sua autorização e controle.

A nova fase estende o programa a outros serviços, como seguros, câmbio, previdência e investimentos, com a denominação mais abrangente de open finance.

A essência da medida é que os clientes, pessoas físicas e jurídicas, poderão usar suas informações financeiras —e cada vez mais outras que se mostrem relevantes— para obterem melhores ofertas.

O uso desses dados, que antes na prática era restrito ao banco de relacionamento, reduz deficiências que limitam a concessão de crédito e encarecem serviços que dependem de boa análise de risco.

Uma empresa de tecnologia aplicada a finanças poderá conhecer o histórico e avaliar mais facilmente quem é bom pagador, o que deve levar a menores taxas. Poderá também oferecer seguros e investimentos de modo mais direcionado. Deixa de ser necessário um relacionamento prévio.

A concorrência é a força fundamental. Para tanto, impõe-se um sistema seguro e que possa servir de plataforma aberta para o desenvolvimento de novas aplicações.

Daí a implantação gradual, a partir do compartilhamento padronizado de dados entre instituições, inicialmente de serviços bancários como conta corrente e cartões. Com o advento do Pix, passou a funcionar um mecanismo instantâneo de pagamentos, que rapidamente se popularizou. Agora, entram os outros serviços financeiros.

Ainda persiste o grau elevado de concentração bancária —os cinco maiores bancos detêm quase 80% dos depósitos bancários, dominância que também existe em áreas como investimentos e previdência. Nos últimos anos, entretanto, surgiram novos participantes relevantes com grande acesso a capital e tecnologia.

Tal movimento salutar deve ser ampliado. O quadro está montado para que se consolide um novo ambiente, aberto a inovação e com maior acesso da população a serviços financeiros.

A segurança da informação e boa regulação quanto a seu uso são pontos críticos, assim como a adesão dos clientes, que logo descobrirão seu novo poder —dispor de seus dados em benefício próprio.

Prisão com base apenas em fotos é retrato da injustiça

O Globo

A absolvição, em junho, da acusação de roubo não aliviou o trauma do violoncelista Luiz Carlos da Costa Justino, morador de uma comunidade de Niterói, na Região Metropolitana do Rio. O jovem foi preso em setembro do ano passado durante abordagem policial, com base num reconhecimento fotográfico, prática que já deveria ter sido banida das delegacias. Embora alegando inocência — no momento do crime ele se apresentava com outros três músicos numa padaria —, passou cinco dias na cadeia. Foi solto depois de protestos da família e de colegas da Orquestra da Grota.

A história de Justino está longe de representar um caso isolado. Por falhas inadmissíveis, muitos inocentes são presos injustamente com base nos malfadados reconhecimentos fotográficos, por vezes com uso de imagens antigas, que não permitem identificar ninguém com segurança. Como mostrou reportagem do GLOBO, levantamento do Conselho Nacional das Defensoras e Defensores Públicos-Gerais (Condege) e da Defensoria Pública do Rio de Janeiro, feito em dez estados entre 2012 e 2020, revela que 90 pessoas foram encarceradas pela mesma prática, a maioria em presídios fluminenses. Desse total, 81% eram negras, como Justino.

Em muitos casos, praticamente inexiste investigação. Toma-se o depoimento da vítima e pede-se que aponte o suspeito num álbum de fotografias que sabe-se lá como foi feito. Defensores argumentam que seria necessário um reconhecimento formal, com a vítima indicando o suspeito misturado a outros cidadãos. “Em algumas situações, quando o investigador adota o reconhecimento por foto, acaba induzindo a testemunha a apontar qualquer suspeito. ‘Tenho essa foto aqui e ele está envolvido em diversos roubos’, diria o policial. A pessoa fica sugestionada a reconhecer”, afirma Lucia Helena Oliveira, coordenadora de Defesa Criminal da Defensoria Pública do Rio.

Registre-se que já existe movimentação para barrar a prática. Um projeto de lei que prevê modificações no reconhecimento de suspeitos (PL 676/2021) tramita no Senado. O tema é objeto de discussão também no Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que criou um grupo de trabalho para analisar a questão. Cortes superiores têm se manifestado contra a prisão baseada exclusivamente no reconhecimento fotográfico. Em novembro, ao julgar o caso de um homem acusado de roubo em São Paulo, com base apenas numa foto, o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), relator do processo, decidiu pela absolvição, devido à ausência de outras provas que o incriminassem. O julgamento foi interrompido por pedido de vista do ministro Ricardo Lewandowski.

É preciso acabar com essa prática nefasta. Não faz sentido prender alguém, muito menos condenar, com base em indícios capengas, como o reconhecimento fotográfico, quando é o único elemento de que a polícia dispõe. Com o avanço tecnológico, existem muitos meios de investigar crimes, desde que se queira fazê-lo. Não se pode deixar que a inépcia em apurar determinados delitos, optando pelo caminho mais fácil, acabe por punir inocentes, quase sempre com o mesmo perfil: pobres e negros. Como no caso do violoncelista, nem o reconhecimento do erro pela Justiça resolve a questão. O dano já terá sido feito. Justino diz que a maior mágoa é que ninguém lhe pediu sequer desculpas.

Estado do Rio faz bem em retomar obras do MIS na Praia de Copacabana

O Globo

É acertada a decisão do governo fluminense de enfim retomar as obras do Museu da Imagem e do Som (MIS), na Praia de Copacabana, paradas desde 2016, quando o estado mergulhou numa das maiores crises financeiras de sua história. Em setembro, o governo do Rio lançou os editais de licitação para a conclusão do prédio, que deverá custar R$ 52 milhões. Os trabalhos recomeçaram em dezembro. A previsão é que o novo MIS fique pronto até o fim deste ano e comece a funcionar no início de 2023.

Manter a obra parada seria um erro. Primeiro, porque cerca de 70% dos trabalhos já tinham sido executados. A estrutura está praticamente pronta, faltando obras internas, instalações elétrica e hidráulica e acabamento. Depois de cinco anos de paralisação, o risco de o material se deteriorar é grande. Segundo, porque não terminá-la representaria prejuízo enorme, já que foram investidos R$ 79 milhões em verbas públicas e R$ 118 milhões em recursos privados.

Não se trata de uma obra qualquer. O projeto, parceria da secretaria estadual de Cultura, do Ministério do Turismo e da Fundação Roberto Marinho, é de autoria do escritório americano de arquitetura Diller Scofidio + Renfro, o mesmo que projetou a High Line, em Nova York. Foi escolhido por meio de um concurso internacional realizado em 2009. Embora o edifício não esteja concluído, já é possível avistar da Avenida Atlântica as linhas arrojadas do novo museu. Os autores dizem ter se inspirado nos desenhos geométricos do calçadão da Atlântica.

Construído no terreno onde existiu a Boate Help, o prédio terá oito andares e uma área de 9.800 metros quadrados. Uma das características marcantes é a rampa que começa no calçadão de Copacabana e dá acesso aos andares, permitindo desfrutar a vista exuberante da orla a partir do Posto 6. O novo MIS, que receberá mais de 300 mil documentos — hoje guardados em instalações na Praça Quinze e na Lapa —, além do acervo do Museu Carmen Miranda, no Parque do Flamengo, deverá ter restaurante panorâmico, cinema a céu aberto, cafeteria e livraria.

A obra, iniciada em 2011, deveria ter ficado pronta em dezembro de 2014. Devido a uma série de contratempos, foi adiada para 2016 — a intenção era inaugurá-la antes da Olimpíada — , mas, diante da crônica falta de recursos durante a quase falência do estado, acabou paralisada.

Não há dúvida de que o novo MIS tem tudo para ser um novo marco arquitetônico e turístico do Rio e do próprio país, como o Museu do Amanhã, projetado por Santiago Calatrava para a Praça Mauá, âncora do renascimento do Porto. Mais que um museu, promete ser um ponto de encontro ligado à arte e à cultura, com vista para uma das praias mais famosas do mundo. Não concluir projeto tão singular seria um contrassenso. A escolha parece óbvia: dar aos brasileiros mais um espaço de cultura, turismo e lazer, terminando o que está quase pronto, ou perpetuar mais um esqueleto de concreto como tantos país afora.

Ano começa com ameaças da elite dos servidores públicos

Valor Econômico

O movimento do funcionalismo, impulsionado por uma jogada eleitoreira do presidente da República, vai na contramão dos esforços para evitar a indexação da economia

O brasileiro começa o ano de 2022 com mais uma lamentável notícia produzida em Brasília: empresas e pessoas físicas, que enfrentam diariamente o enorme emaranhado burocrático imposto pelo Estado para produzir, trabalhar e acessar serviços públicos, conviverão com mais uma ameaça de paralisações do funcionalismo.

O movimento deve ter início já em janeiro. Na semana passada, o Fórum Nacional Permanente de Carreiras Típicas de Estado (Fonacate) aprovou um calendário de mobilização em defesa de um reajuste salarial. As duas primeiras semanas do mês que se inicia servirão para as corporações levarem demandas às autoridades competentes, enquanto pressionam a equipe econômica e convocam as assembleias de cada categoria. Neste meio tempo, servidores em funções de confiança devem continuar entregando os cargos. Paralisações são esperadas, até que eles deliberem sobre uma possível greve geral a partir de fevereiro.

A mobilização não é desprezível. Tal entidade reúne 37 instituições associativas e sindicais de carreiras típicas de Estado, como do Banco Central (BC), Tesouro Nacional, Receita Federal, analistas de comércio exterior e diplomatas. Juntas, representam cerca de 200 mil servidores públicos, os quais formam o que pode se considerar a elite do funcionalismo público. Não bastasse, servidores do Judiciário e magistrados também começam a se movimentar no mesmo sentido.

É preciso reconhecer: em parte, a insatisfação desse seleto grupo é legítima. Trata-se de uma resposta à sinalização, feita pelo próprio presidente Jair Bolsonaro, de que apenas carreiras policiais, base eleitoral do chefe do Executivo, receberão aumento neste ano. O Congresso Nacional aprovou o Orçamento de 2022 com a previsão de R$ 1,7 bilhão para reajustes, mas sem especificar quais carreiras seriam contempladas. Decidiu não entrar na polêmica.

A conta, contudo, inevitavelmente recairá sobre a sociedade como um todo. Ao jornal “O Globo”, por exemplo, um representante dos auditores fiscais da Receita Federal disse que a operação-padrão da categoria no porto de Santos, o maior da América Latina, deve resultar em uma perda de R$ 125 milhões por dia na arrecadação com impostos do comércio exterior. Do ponto de vista de quem empreende, a informação mais chocante é que o tempo para a liberação de contêineres de importação pode passar a ser de 24 a 48 horas. O trâmite costuma ocorrer em uma hora.

Além da insatisfação com o tratamento dado pelo presidente aos policiais, as categorias que agora se mobilizam também reclamam da falta de uma política remuneratória do governo federal. Elas argumentam que grande parte dos servidores federais está com remuneração congelada desde 2017, acumulando, desde então, perdas inflacionárias medidas pelo IPCA de 27,2%. Ignoram o fato de que o governo federal precisou ampliar gastos para combater a pandemia e seus efeitos na economia, num momento em que os servidores permaneceram protegidos por uma estabilidade que não alcançou os demais trabalhadores que estão fora do serviço público. Isso não é pouca coisa num país em que ainda há aproximadamente 13 milhões de trabalhadores em busca de um emprego e, segundo Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua, feita pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a renda média atingiu o menor nível (R$ 2.449) de toda a série histórica iniciada em 2012.

Deve-se recordar ainda que as corporações deixaram outro legado negativo para o ano que se inicia, ao terem sido bem-sucedidas em suas investidas para frear a tramitação da reforma administrativa no Congresso Nacional. A proposta de emenda constitucional começou com um texto elogiável, mas devido às pressões acabou ganhando um formato inaceitável: em vez de corrigir injustiças, a proposta mantinha privilégios. Em outras palavras, aumentava a capacidade do setor público brasileiro de gerar desigualdades.

Neste sentido, deve-se dar atenção aos alertas da equipe econômica de que o pleito do funcionalismo traz consigo um risco inflacionário que não deve ser desprezado, até porque existe o receio de que o mesmo ocorra nos Estados. O movimento do funcionalismo, impulsionado por uma jogada eleitoreira do presidente da República, vai na contramão dos necessários esforços para evitar a indexação da economia.

 

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