EDITORIAIS
Círculo vicioso
O Estado de S. Paulo.
A Constituição de 1988, que já nasceu
extensa, tornou-se com o tempo ainda mais ampla e detalhista, o que acarreta
novas demandas de alteração, fragilizando-a ainda mais
Grande número de emendas intensifica fenômeno da constitucionalização.
Mesmo os mais ardentes defensores da
Constituição admitem: o texto produzido pela Assembleia Constituinte é muito
extenso. No momento da promulgação, a Carta de 1988 tinha 245 artigos, além dos
70 artigos do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. Houve o chamado
fenômeno da ampla constitucionalização. Muitos assuntos, que poderiam ser
regulados pela legislação ordinária – ou mesmo serem deixados à livre
disposição da sociedade –, ganharam assento constitucional.
Pode-se dizer que o tamanho da Constituição
de 1988 foi uma escolha da sociedade. Para garantir a ampla proteção do
indivíduo e uma determinada configuração do Estado, retirou-se da esfera
legislativa ordinária uma série de temas, dando-lhes status constitucional. O
art. 5.º, sobre direitos e garantias fundamentais, tem 78 incisos.
Em tese, a ampla constitucionalização
deveria significar uma maior estabilidade do ordenamento jurídico, uma vez que
mudanças constitucionais são mais difíceis de serem realizadas. Há rito
próprio, com requisitos mais exigentes: aprovação em dois turnos por cada Casa
Legislativa com quórum de três quintos.
No entanto, mais do que preservar a estabilidade da ordem jurídica ao longo do tempo, essa ampla constitucionalização produziu um efeito inverso: o enfraquecimento da Carta de 1988. Por tratar de muitos assuntos, muitas vezes num detalhamento excessivo, a Constituição tornou-se, desde a promulgação, objeto de muitas pressões para sua alteração. Com isso, ainda que existam condições específicas para alterar o texto, o Congresso aprovou muitas Emendas Constitucionais (ECS). A EC relativa ao não pagamento dos precatórios foi a 113.ª emenda promulgada!
É muita alteração sobre um texto cuja
função é precisamente prover estabilidade. Por exemplo, o art. 37, XI, que
dispõe sobre o teto da remuneração do funcionalismo público, teve quatro
versões ao longo desses anos.
Vale lembrar também que o grande número de
emendas intensifica ainda mais o fenômeno da ampla constitucionalização. Quase
sempre, as alterações levam a um aumento de assuntos e de detalhamento sobre o
texto. Assim, a Constituição de 1988, que já nasceu extensa, tornou-se ao longo
de tempo ainda mais ampla e detalhista, o que por sua vez acarreta novas
demandas de alteração.
Recente levantamento do Estado mostrou que
o número de Propostas de Emendas à Constituição (PECS) cresceu 190% na última
década, considerando-se as iniciativas em tramitação na Câmara dos Deputados e
no Senado. Ao todo, o Congresso tem hoje mais de 1.300 emendas passíveis de
aprovação. Tem-se, assim, o círculo vicioso, prejudicial à força e estabilidade
da Constituição: ao ampliar o texto, as emendas o fragilizam, o que demanda
novas emendas, e assim vai.
A Constituição, que deveria ser causa de
estabilidade e segurança jurídica, torna-se ela mesma fonte de instabilidade.
Em vez de ser referência perene para a sociedade e o Judiciário, torna-se ela
mesma o grande objeto de mudança. A centena de emendas promulgadas fala por si.
O fenômeno da crescente
constitucionalização produz ainda outro efeito, especialmente sentido nos dias
de hoje e que tende a crescer. Uma vez que a função do Supremo Tribunal Federal
(STF) é defender a Constituição, a ampliação do texto constitucional conduz
necessariamente a um aumento dos temas de competência da Corte.
Dar status constitucional a um tema
significa colocá-lo sob a alçada do Supremo. Assim, mais do que uma usurpação
de poder, a crescente interferência do STF nos mais variados temas e questões
da sociedade é também resultado da atividade do próprio Legislativo, que
continuamente insere na Constituição novos temas, e do Executivo, autor de
muitas PECS.
Esse cenário revela que não basta “fazer
reformas”. É preciso pensá-las bem, de forma orgânica, tendo em conta também
seus efeitos sistêmicos. A atividade legislativa não pode se converter num mero
fazer, como se viu em 2021. É preciso estudo, planejamento, ponderação – ou
seja, competência e responsabilidade.
Um Congresso distante da sociedade
O Estado de S. Paulo.
Fechado em pautas que privilegiam, antes de
tudo, os interesses dos parlamentares, o Congresso não conta com o alto apreço
dos eleitores
O apreço que a sociedade tem pelo trabalho
de deputados e senadores nunca foi alto. Em maior ou menor grau, a depender da
legislatura, o Congresso sempre foi mal avaliado. A bem da verdade, isso diz
mais sobre a educação política dos eleitores e, consequentemente, a qualidade
dos votos depositados nas urnas do que qualquer outra coisa. Afinal, nenhum
deputado ou senador chegou ao Congresso forçando a porta de entrada.
Para compor essa imagem negativa que o
conjunto dos parlamentares transmite à sociedade, também não se pode esquecer
que a chamada “classe política” se esforça muito para deliberadamente piorar o
que já é ruim, pois muitos políticos oportunistas, em tempo de eleição,
exploram o descontentamento dos eleitores com o Congresso – percebido, em geral,
como uma instituição distante dos reais problemas do País – para obter ganhos
pessoais. Em boa medida, essa dissimulação ajudou a alçar alguém do gabarito de
Jair Bolsonaro à Presidência da República.
Mas, ao final, os grandes responsáveis pela
má imagem do Congresso aos olhos da maioria dos eleitores são, evidentemente,
os próprios deputados e senadores que traem a confiança neles depositada ao
orientarem seus mandatos por interesses antirrepublicanos. São suas escolhas
como mandatários que definirão, individualmente, a percepção que seus
constituintes têm de seu trabalho parlamentar e, no conjunto, a visão que a
sociedade tem do Congresso. E a impressão que a atual legislatura transmite é a
pior possível.
Uma pesquisa do Datafolha realizada entre
os dias 13 e 16 de dezembro mostrou que apenas 10% dos brasileiros aprovam a
atuação do Congresso. É o pior patamar de avaliação do Legislativo federal em
três anos, quando, segundo o mesmo instituto, 22% dos pesquisados consideravam
o trabalho do Congresso “ótimo ou bom” – porcentual não muito mais animador.
Para 45% dos entrevistados na nova rodada da pesquisa, o trabalho dos
parlamentares é “regular”. Para 41%, “ruim ou péssimo”. Outros 4% não souberam
ou não quiseram responder.
A péssima avaliação da atual legislatura
não é surpresa para ninguém, tanto para quem acompanha o dia a dia da política
como para quem mais sofre as consequências diretas de um Congresso cada vez
mais distante dos problemas que afligem milhões de brasileiros. A Câmara dos
Deputados e o Senado, sob a presidência, respectivamente, de Arthur Lira
(PP-AL) e Rodrigo Pacheco (PSD-MG), têm dado sucessivas mostras de alheamento,
fechadas que estão, ambas as Casas, em pautas que privilegiam, antes de
qualquer coisa, os interesses dos próprios parlamentares.
Assim como a esmagadora maioria dos
eleitores é capaz de perceber que não há governo no País, como mostrou recente
pesquisa realizada pelo Ipec, também não está alheia ao que se passa no outro
canto da Praça dos Três Poderes. Os eleitores não estão alheios à tomada de
assalto do Orçamento da União pelos parlamentares. Não estão alheios a um
Congresso que, em meio à pior tragédia sanitária que já se abateu sobre o País,
ainda cogita cortar recursos orçamentários do Ministério da Saúde para custeio
de UTIS. Não escapa ao olhar crítico dos cidadãos o aumento ignominioso do
montante destinado ao financiamento de partidos políticos e campanhas
eleitorais enquanto projetos destinados a atacar mazelas renitentes do País
seguem à míngua, como é o caso do projeto para zerar a fila dos beneficiários
do Bolsa Família.
A palavra “precatório” pode não significar
nada para a maioria dos brasileiros, mas estes sabem que o Congresso – com a
cumplicidade de Bolsonaro – aprovou o calote das dívidas da União para abastecer
de recursos os partidos políticos e parlamentares, além de financiar o
populismo eleitoreiro do presidente da República.
Compor o Orçamento da União é o coração da
atividade dos parlamentares. É fazer escolhas. E tanto a forma como a qualidade
dessas escolhas definem o vigor de uma democracia representativa. Orçamento e
democracia estão umbilicalmente ligados. Neste sentido, a democracia brasileira
vai mal, e os eleitores parecem ter percebido.
'Sem motivo'
Folha de S. Paulo
Apagão de dados sobre desaparecidos encobre,
tudo indica, casos de ação policial
Sob Jair Bolsonaro, o Ministério da Justiça
ignorou no Plano Nacional de Segurança Pública e Defesa Social, válido até
2030, os desaparecimentos
de pessoas em abordagens policiais. Vale dizer, o governo deixou de fazer
qualquer exigência de produção de dados a esse respeito.
Não se trata, no entanto, de uma questão
menor. Segundo dados dos ministérios públicos dos estados, 82 mil pessoas estão
desaparecidas no país. Oficialmente, apenas 16 casos (0,02% do total) ocorreram
em razão de prisões e apreensões por agentes públicos.
Há indícios, no entanto, de que a prática
seja muito mais recorrente —e tornada invisível. Nos registros oficiais, nada
menos que 86% dos episódios são classificados como "sem motivo
aparente".
Cabe à pasta da Justiça, segundo uma
legislação de 2019, coordenar a estruturação de um cadastro nacional de pessoas
desaparecidas, o que ainda foi não realizado.
O sumiço de pessoas é um dos
"problemas humanitários invisíveis", disse à Folha em 2018 o então
diretor do Comitê Internacional da Cruz Vermelha na América Latina, Stephan
Sakalian.
Em estudo publicado em julho deste ano,
"Ainda? Essa é a Palavra que Mais Dói", a Cruz Vermelha detalha os
severos impactos econômicos, sociais e mentais de desaparecimentos para as
famílias.
Segundo o Anuário do Fórum Brasileiro de
Segurança Pública, 62,9 mil pessoas desapareceram em 2020, ano em que 6.416
foram mortas em decorrência de intervenções policiais —o triplo do registrado
sete anos antes.
Diante de tal cenário, este jornal
questionou os governos dos dez estados com mais mortos pela polícia sobre
informações referentes a desaparecimentos associados a operações de segurança
pública.
A conclusão inevitável é que o problema é
largamente ignorado. Goiás, Paraná, Sergipe, Rio Grande do Norte e Ceará nem
sequer responderam às perguntas. Rio, Bahia, São Paulo, Pará e Rio Grande do
Sul relataram não ter os dados pormenorizados.
Reverter o cenário tenebroso requer
coordenação nas três esferas de governo. Passa, necessariamente, por incluir a
exigência de produção de dados pelo plano nacional. Demanda, ademais, que as
forças estaduais invistam na investigação de casos e prestem contas de maneira
transparente.
Por fim, cabe aos municípios, por meio de
serviços de assistência social, desempenhar a tarefa de auxílio às famílias na
procura de desaparecidos. Estas merecem, ao menos, a dignidade de não serem
invisíveis ao poder público.
Mercado aberto
Folha de S. Paulo
Avanço do open banking favorece competição
em um mercado ainda muito concentrado
Está em curso uma importante mudança no
mercado financeiro nacional, com potencial para expandir a concorrência e a
inovação em benefício do consumidor.
Em 15 de dezembro teve início a quarta
etapa de implantação do chamado open banking, iniciativa capitaneada pelo Banco
Central para ampliar a oferta de serviços a partir do compartilhamento de dados
financeiros de clientes, sob sua autorização e controle.
A nova fase estende o programa a outros
serviços, como seguros, câmbio, previdência e investimentos, com a denominação
mais abrangente de open finance.
A essência da medida é que os clientes,
pessoas físicas e jurídicas, poderão usar suas informações financeiras —e cada
vez mais outras que se mostrem relevantes— para obterem melhores ofertas.
O uso desses dados, que antes na prática
era restrito ao banco de relacionamento, reduz deficiências que limitam a
concessão de crédito e encarecem serviços que dependem de boa análise de risco.
Uma empresa de tecnologia aplicada a
finanças poderá conhecer o histórico e avaliar mais facilmente quem é bom
pagador, o que deve levar a menores taxas. Poderá também oferecer seguros e
investimentos de modo mais direcionado. Deixa de ser necessário um
relacionamento prévio.
A concorrência é a força fundamental. Para
tanto, impõe-se um sistema seguro e que possa servir de plataforma aberta para
o desenvolvimento de novas aplicações.
Daí a implantação gradual, a partir do
compartilhamento padronizado de dados entre instituições, inicialmente de
serviços bancários como conta corrente e cartões. Com o advento do Pix, passou
a funcionar um mecanismo instantâneo de pagamentos, que rapidamente se
popularizou. Agora, entram os outros serviços financeiros.
Ainda persiste o grau elevado de
concentração bancária —os cinco maiores bancos detêm quase 80% dos depósitos
bancários, dominância que também existe em áreas como investimentos e
previdência. Nos últimos anos, entretanto, surgiram novos participantes
relevantes com grande acesso a capital e tecnologia.
Tal movimento salutar deve ser ampliado. O
quadro está montado para que se consolide um novo ambiente, aberto a inovação e
com maior acesso da população a serviços financeiros.
A segurança da informação e boa regulação quanto a seu uso são pontos críticos, assim como a adesão dos clientes, que logo descobrirão seu novo poder —dispor de seus dados em benefício próprio.
Prisão com base apenas em fotos é retrato
da injustiça
O Globo
A absolvição, em junho, da acusação de
roubo não aliviou o trauma do violoncelista Luiz Carlos da Costa Justino,
morador de uma comunidade de Niterói, na Região Metropolitana do Rio. O jovem
foi preso em setembro do ano passado durante abordagem policial, com base num
reconhecimento fotográfico, prática que já deveria ter sido banida das
delegacias. Embora alegando inocência — no momento do crime ele se apresentava
com outros três músicos numa padaria —, passou cinco dias na cadeia. Foi solto
depois de protestos da família e de colegas da Orquestra da Grota.
A história de Justino está longe de
representar um caso isolado. Por falhas inadmissíveis, muitos inocentes são
presos injustamente com base nos malfadados reconhecimentos fotográficos, por
vezes com uso de imagens antigas, que não permitem identificar ninguém com
segurança. Como mostrou reportagem do GLOBO, levantamento do Conselho Nacional
das Defensoras e Defensores Públicos-Gerais (Condege) e da Defensoria Pública
do Rio de Janeiro, feito em dez estados entre 2012 e 2020, revela que 90
pessoas foram encarceradas pela mesma prática, a maioria em presídios
fluminenses. Desse total, 81% eram negras, como Justino.
Em muitos casos, praticamente inexiste
investigação. Toma-se o depoimento da vítima e pede-se que aponte o suspeito
num álbum de fotografias que sabe-se lá como foi feito. Defensores argumentam
que seria necessário um reconhecimento formal, com a vítima indicando o
suspeito misturado a outros cidadãos. “Em algumas situações, quando o
investigador adota o reconhecimento por foto, acaba induzindo a testemunha a
apontar qualquer suspeito. ‘Tenho essa foto aqui e ele está envolvido em
diversos roubos’, diria o policial. A pessoa fica sugestionada a reconhecer”,
afirma Lucia Helena Oliveira, coordenadora de Defesa Criminal da Defensoria
Pública do Rio.
Registre-se que já existe movimentação para
barrar a prática. Um projeto de lei que prevê modificações no reconhecimento de
suspeitos (PL 676/2021) tramita no Senado. O tema é objeto de discussão também
no Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que criou um grupo de trabalho para
analisar a questão. Cortes superiores têm se manifestado contra a prisão
baseada exclusivamente no reconhecimento fotográfico. Em novembro, ao julgar o
caso de um homem acusado de roubo em São Paulo, com base apenas numa foto, o
ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), relator do processo,
decidiu pela absolvição, devido à ausência de outras provas que o incriminassem.
O julgamento foi interrompido por pedido de vista do ministro Ricardo
Lewandowski.
É preciso acabar com essa prática nefasta.
Não faz sentido prender alguém, muito menos condenar, com base em indícios
capengas, como o reconhecimento fotográfico, quando é o único elemento de que a
polícia dispõe. Com o avanço tecnológico, existem muitos meios de investigar
crimes, desde que se queira fazê-lo. Não se pode deixar que a inépcia em apurar
determinados delitos, optando pelo caminho mais fácil, acabe por punir
inocentes, quase sempre com o mesmo perfil: pobres e negros. Como no caso do
violoncelista, nem o reconhecimento do erro pela Justiça resolve a questão. O
dano já terá sido feito. Justino diz que a maior mágoa é que ninguém lhe pediu
sequer desculpas.
Estado do Rio faz bem em retomar obras do
MIS na Praia de Copacabana
O Globo
É acertada a decisão do governo fluminense
de enfim retomar as obras do Museu da Imagem e do Som (MIS), na Praia de
Copacabana, paradas desde 2016, quando o estado mergulhou numa das maiores
crises financeiras de sua história. Em setembro, o governo do Rio lançou os
editais de licitação para a conclusão do prédio, que deverá custar R$ 52
milhões. Os trabalhos recomeçaram em dezembro. A previsão é que o novo MIS
fique pronto até o fim deste ano e comece a funcionar no início de 2023.
Manter a obra parada seria um erro.
Primeiro, porque cerca de 70% dos trabalhos já tinham sido executados. A
estrutura está praticamente pronta, faltando obras internas, instalações
elétrica e hidráulica e acabamento. Depois de cinco anos de paralisação, o
risco de o material se deteriorar é grande. Segundo, porque não terminá-la
representaria prejuízo enorme, já que foram investidos R$ 79 milhões em verbas
públicas e R$ 118 milhões em recursos privados.
Não se trata de uma obra qualquer. O
projeto, parceria da secretaria estadual de Cultura, do Ministério do Turismo e
da Fundação Roberto Marinho, é de autoria do escritório americano de
arquitetura Diller Scofidio + Renfro, o mesmo que projetou a High Line, em Nova
York. Foi escolhido por meio de um concurso internacional realizado em 2009.
Embora o edifício não esteja concluído, já é possível avistar da Avenida
Atlântica as linhas arrojadas do novo museu. Os autores dizem ter se inspirado
nos desenhos geométricos do calçadão da Atlântica.
Construído no terreno onde existiu a Boate
Help, o prédio terá oito andares e uma área de 9.800 metros quadrados. Uma das
características marcantes é a rampa que começa no calçadão de Copacabana e dá
acesso aos andares, permitindo desfrutar a vista exuberante da orla a partir do
Posto 6. O novo MIS, que receberá mais de 300 mil documentos — hoje guardados
em instalações na Praça Quinze e na Lapa —, além do acervo do Museu Carmen
Miranda, no Parque do Flamengo, deverá ter restaurante panorâmico, cinema a céu
aberto, cafeteria e livraria.
A obra, iniciada em 2011, deveria ter
ficado pronta em dezembro de 2014. Devido a uma série de contratempos, foi
adiada para 2016 — a intenção era inaugurá-la antes da Olimpíada — , mas,
diante da crônica falta de recursos durante a quase falência do estado, acabou
paralisada.
Não há dúvida de que o novo MIS tem tudo
para ser um novo marco arquitetônico e turístico do Rio e do próprio país, como
o Museu do Amanhã, projetado por Santiago Calatrava para a Praça Mauá, âncora
do renascimento do Porto. Mais que um museu, promete ser um ponto de encontro
ligado à arte e à cultura, com vista para uma das praias mais famosas do mundo.
Não concluir projeto tão singular seria um contrassenso. A escolha parece
óbvia: dar aos brasileiros mais um espaço de cultura, turismo e lazer,
terminando o que está quase pronto, ou perpetuar mais um esqueleto de concreto
como tantos país afora.
Ano começa com ameaças da elite dos
servidores públicos
Valor Econômico
O movimento do funcionalismo, impulsionado
por uma jogada eleitoreira do presidente da República, vai na contramão dos
esforços para evitar a indexação da economia
O brasileiro começa o ano de 2022 com mais
uma lamentável notícia produzida em Brasília: empresas e pessoas físicas, que
enfrentam diariamente o enorme emaranhado burocrático imposto pelo Estado para
produzir, trabalhar e acessar serviços públicos, conviverão com mais uma ameaça
de paralisações do funcionalismo.
O movimento deve ter início já em janeiro.
Na semana passada, o Fórum Nacional Permanente de Carreiras Típicas de Estado
(Fonacate) aprovou um calendário de mobilização em defesa de um reajuste
salarial. As duas primeiras semanas do mês que se inicia servirão para as corporações
levarem demandas às autoridades competentes, enquanto pressionam a equipe
econômica e convocam as assembleias de cada categoria. Neste meio tempo,
servidores em funções de confiança devem continuar entregando os cargos.
Paralisações são esperadas, até que eles deliberem sobre uma possível greve
geral a partir de fevereiro.
A mobilização não é desprezível. Tal
entidade reúne 37 instituições associativas e sindicais de carreiras típicas de
Estado, como do Banco Central (BC), Tesouro Nacional, Receita Federal,
analistas de comércio exterior e diplomatas. Juntas, representam cerca de 200
mil servidores públicos, os quais formam o que pode se considerar a elite do
funcionalismo público. Não bastasse, servidores do Judiciário e magistrados
também começam a se movimentar no mesmo sentido.
É preciso reconhecer: em parte, a
insatisfação desse seleto grupo é legítima. Trata-se de uma resposta à
sinalização, feita pelo próprio presidente Jair Bolsonaro, de que apenas
carreiras policiais, base eleitoral do chefe do Executivo, receberão aumento
neste ano. O Congresso Nacional aprovou o Orçamento de 2022 com a previsão de
R$ 1,7 bilhão para reajustes, mas sem especificar quais carreiras seriam
contempladas. Decidiu não entrar na polêmica.
A conta, contudo, inevitavelmente recairá
sobre a sociedade como um todo. Ao jornal “O Globo”, por exemplo, um
representante dos auditores fiscais da Receita Federal disse que a
operação-padrão da categoria no porto de Santos, o maior da América Latina,
deve resultar em uma perda de R$ 125 milhões por dia na arrecadação com
impostos do comércio exterior. Do ponto de vista de quem empreende, a
informação mais chocante é que o tempo para a liberação de contêineres de
importação pode passar a ser de 24 a 48 horas. O trâmite costuma ocorrer em uma
hora.
Além da insatisfação com o tratamento dado
pelo presidente aos policiais, as categorias que agora se mobilizam também
reclamam da falta de uma política remuneratória do governo federal. Elas
argumentam que grande parte dos servidores federais está com remuneração
congelada desde 2017, acumulando, desde então, perdas inflacionárias medidas
pelo IPCA de 27,2%. Ignoram o fato de que o governo federal precisou ampliar
gastos para combater a pandemia e seus efeitos na economia, num momento em que os
servidores permaneceram protegidos por uma estabilidade que não alcançou os
demais trabalhadores que estão fora do serviço público. Isso não é pouca coisa
num país em que ainda há aproximadamente 13 milhões de trabalhadores em busca
de um emprego e, segundo Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad)
Contínua, feita pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a
renda média atingiu o menor nível (R$ 2.449) de toda a série histórica iniciada
em 2012.
Deve-se recordar ainda que as corporações
deixaram outro legado negativo para o ano que se inicia, ao terem sido
bem-sucedidas em suas investidas para frear a tramitação da reforma
administrativa no Congresso Nacional. A proposta de emenda constitucional
começou com um texto elogiável, mas devido às pressões acabou ganhando um
formato inaceitável: em vez de corrigir injustiças, a proposta mantinha
privilégios. Em outras palavras, aumentava a capacidade do setor público
brasileiro de gerar desigualdades.
Neste sentido, deve-se dar atenção aos
alertas da equipe econômica de que o pleito do funcionalismo traz consigo um
risco inflacionário que não deve ser desprezado, até porque existe o receio de
que o mesmo ocorra nos Estados. O movimento do funcionalismo, impulsionado por
uma jogada eleitoreira do presidente da República, vai na contramão dos
necessários esforços para evitar a indexação da economia.
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