Valor Econômico
Toda essa incerteza foi causada pela
iniciativa do próprio governo de driblar o teto de gastos para turbinar o Bolsa
Família e outros gastos neste ano eleitoral
Os dados fiscais divulgados na reta final
de 2021 foram melhores do que o esperado, levando alguns analistas econômicos a
fazer a pergunta: houve exagero do mercado financeiro em temer um desastre das
contas públicas?
Quem olha as estatísticas mais recentes acha que sim. A União, Estados e municípios e respectivas estatais registraram em novembro um superávit primário de 0,15% do Produto Interno Bruto (PIB) pela primeira vez em sete anos, no resultado acumulado em 12 meses. É insuficiente para conter o aumento da dívida pública, mas agora o governo não está mais tomando dinheiro emprestado para bancar gastos primários. O ajuste é considerável: em 2020, o país havia registrado um déficit de 9,41% do PIB.
Praticamente ninguém acreditava que, em tão
pouco tempo, o resultado primário fosse virar para o lado positivo. Em fins de
2020, a aposta era que o Brasil fosse ter um déficit primário de 3% do PIB em
2021, segundo a pesquisa de expectativas de mercado Focus do Banco Central. Dá
para contar uma história positiva também do ponto de vista da dívida bruta do
governo geral. Em novembro, o indicador caiu impressionante 1,2 ponto
percentual do PIB, de 82,3% do PIB para 81,1% do PIB.
A partir de fins de julho, o país passou a
viver uma crise fiscal, que fez o dólar disparar, alimentando ainda mais a
inflação, que já vinha em tendência de alta. Os juros futuros também subiram
bastante, obrigando o Tesouro a reorientar os seus planos para a rolagem da
dívida bruta.
Toda essa incerteza foi causada pela
iniciativa do próprio governo de driblar o teto de gastos para turbinar o Bolsa
Família e outros gastos neste ano eleitoral. Mas chama a atenção como, em meio
a todas as turbulências, os dados foram se saindo melhores, mês a mês. Em
julho, o déficit primário acumulado em 12 meses ficou em 2,85% do PIB, e o
mercado achava que iria fechar o ano em 2% do PIB. Agora, os analistas
econômicos estão esperando um superávit entre 0,4% e 0,5% do PIB. Toda essa
melhora não impediu, porém, as turbulências do mercado.
Houve terrorismo fiscal? O pessimismo
fiscal não afetou apenas os economistas do mercado, mas também o BC. Desde a
pandemia, o Comitê de Política Monetária (Copom) já vinha destacando que o
risco fiscal era muito grande e poderia fazer a inflação superar o previsto. Em
novembro, no auge das turbulências causadas pelas discussões fiscais no
Congresso, o comitê deu um peso ainda maior para o risco de as contas públicas
saírem dos trilhos - como resposta, apertou mais os juros.
No mercado, os especialistas reconhecem as
surpresas positivas nos resultados fiscais correntes, mas não deixam de estar
preocupados com o futuro. “Consideramos que o resultado primário é muito
positivo, o primeiro superávit depois de sete anos de déficit”, disse em nota a
clientes o Banco Santander, cujo departamento econômico é chefiado pela
ex-secretária-executiva da Fazenda Ana Paula Vescovi. “No entanto, continuamos
a estimar os resultados para os próximos anos com cautela, sobretudo em razão
do aumento do resultado nominal e o possível efeito do processo de desinflação
nas receitas.”
A XP fez uma leitura semelhante,
reconhecendo o resultado melhor, mas apontando o cenário difícil daqui por
diante. “Os resultados mantiveram a tendência positiva observada ao longo do
ano”, diz a instituição, que tem como economista-chefe o ex-secretário de
Indústria e Comércio do Ministério da Fazenda Caio Megale. “Esperamos uma
deterioração fiscal em 2022, e que a atividade econômica perca fôlego e as
despesas aumentem.”
Um dos pontos que vem preocupando os
analistas econômicos mais recentemente é o forte aumento da despesa com os
juros da dívida pública, com a elevação dos juros básicos pelo BC para combater
as pressões inflacionárias. A taxa mensal de juros na dívida bruta chegou a
0,8% em novembro, o que equivale a 10% ao ano. Em junho, essa taxa estava em
0,5% por mês, ou 6,2% ao ano. A tendência é de aumento - o mercado espera que a
taxa Selic chegue a 11,75% ao ano. As despesas com juros estão em expansão. De
junho para cá, subiram de 3,51% do PIB para 4,86% do PIB. Mas ainda estão longe
de refletir integralmente o aperto monetário. Para este ano, o Focus indica uma
projeção de gasto de 6,3% do PIB com juros.
O resultado primário também deverá ter uma
deterioração em 2022, em virtude do drible feito pelo governo no teto de
gastos, da maior despesa prevista para Estados e municípios e da arrecadação
menos forte, com a esperada perda de vigor da atividade econômica. Hoje, o
consenso do mercado é de um déficit primário de cerca de 1% do PIB, segundo o
Focus.
Não é, porém, só a evolução mais imediata
dos indicadores fiscais que preocupa os economistas do mercado. O governo a ser
eleito neste ano deverá enfrentar uma bomba fiscal quando assumir o mandado, em
2023.
Boa parte do ajuste do ano passado foi
feito com a inflação, que corroeu despesas. Agora, ganham força as pressões
para reajustar os salários do funcionalismo. Se não ocorrer em 2022, os
candidatos devem prometer reajustes para 2023. Com a queda da inflação esperada
para este ano, a margem do governo para acomodar mais despesas dentro do teto
de gastos também é menos generosa.
A esse cenário mais adverso, soma-se a
destruição das instituições fiscais no governo Bolsonaro. E não apenas o teto
de gastos públicos, que os analistas dão como certo que deverá ser substituído
por outro mecanismo. O calote nos precatórios cria uma dívida paralela
crescente fora da contabilidade da dívida bruta.
OBanco Central recolheu R$ 10,1 bilhões do
mercado em novembro sob a forma de depósitos voluntários remunerados, os
primeiros grandes volumes já contratados. A forma como o excesso de dinheiro na
economia foi recolhido faz diferença nas estatísticas fiscais. Se tivesse usado
as operações compromissadas, a dívida bruta de novembro teria sido 0,1 ponto do
PIB maior.
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