O Globo
Em 1967, Rubem Braga convocou o fotógrafo
Paulo Garcez para registrar os autores de sua Editora Sabiá. Lá estavam em sua
cobertura, logo no início da Rua Barão da Torre, além de Fernando Sabino, Paulo
Mendes Campos, Sérgio Porto (Stanislaw Ponte Preta), José Carlos de Oliveira,
Vinícius de Moraes e ainda Chico Buarque.
As fotos do encontro voltam à baila na capa
e nas páginas internas do livro “Os sabiás da crônica”, ideia da editora Maria
Amélia Mello levada a cabo pelo poeta Augusto Massi.
Maria Amélia é dessas figuras grávidas da
melhor literatura, capaz de distinguir a quilômetros um Romain Gary de um
Romain Rolland, responsável silenciosa por títulos capitais no mercado
brasileiro e amiga fraterna de Ferreira Gullar, com quem dividimos muitos
pratos numa cantina da Rua Fernando Mendes, em Copacabana.
Augusto Massi, poeta de boa cepa, esteve por trás da melhor fase da lendária Cosac Naify e sempre se envolve em projetos de redescoberta e escavações literárias. Além de ser querido por 11 em cada dez pessoas que contam no Brasil contemporâneo.
“Os sabiás da crônica” recorta a produção
dos autores que deram lampejo a um Brasil moderno, informado e empático com seu
povo. Em prosa criativa, apoiada em imagens requintadas e vazada por temas
substantivos, estavam a bordo da promessa de um país multifacetado, recém-urbanizado,
mas ainda ingênuo e bem-humorado.
Na cobertura de Rubem Braga, na roupa de
cronistas radicais, se encontravam dois dos mais fenomenais poetas do século
passado —Vinícius e Paulo Mendes Campos.
Assim como Mário Reis dá forma ao samba
urbano, e João Gilberto inventa a silabação brasileira no canto, Vinícius de
Moraes é quem ajuda a construir a imagem poética do Brasil nos poemas e nas
letras de suas canções.
Sua parceria com Tom Jobim, curta, mas definitiva
para a modernidade, é equivalente às obras de Machado e Guimarães Rosa, aos
jardins e gramados de Burle Marx, à inteligência estratégica de Pelé e aos
tipos populares de Chico Anysio. Junto às telas de Di Cavalcanti.
Paulo Mendes Campos é o poeta discreto,
poeta de sonoridades carregadas de sensualidade rítmica, dos espaços abertos e
da cumplicidade imagética com seus pares. Seu poema evocativo “Ode a Federico
Garcia Lorca” está por certo entre os cinco mais bem escritos no Brasil do
século passado. Sem esquecer que também foi o tempo de Drummond, João Cabral,
Oswald e Gullar.
(Vou esconder Chico Buarque e Sousândrade
para não complicar minhas contas.)
Lembro-me de minhas tardes no apartamento
da Rua Carlos Góes quando deixava Paulinho Mendes Campos falar de seus poetas e
autores preferidos. Num desses dias, ele estava satisfeito porque Oscar
Niemeyer havia escrito um artigo em que resgatava Joaquim Cardozo. “Oscar,
quando deixa de lado suas implicâncias, fica ótimo”, me disse. O arquiteto e o
poeta que era calculista haviam trabalhado juntos em muitos projetos e, me
parece, carregavam algumas rusgas. Apesar de Cardozo haver viabilizado no
concreto os desenhos de Oscar, sempre esculturais. Mas ali se falava dos versos
do pernambucano Joaquim Cardozo — “Ele é ótimo. Ainda bem que Oscar soube
superar”.
Noutra tarde, Paulinho ficou bom tempo
falando de Joseph Conrad, o marinheiro polonês que revolucionou a literatura
escrevendo em inglês — com “Coração das trevas” e “Nostromo”. Ali percebi o
intelectual de gabinete, de corte urbano, babando pelas aventuras de um
intelectual prático, que bebe a vida nas costas da morte. Conrad rodou o mundo
em navios, conheceu portos sujos e tempestades de pesadelo, deparou com tipos
verdadeiramente malvados e carentes, onde a navalha faz as vezes de diálogo. O
mineiro Paulinho olhava o mar do calçadão.
Lembro-me de uma tarde em que cheguei
atrasado (isso nunca me acontece), e Paulinho havia saído. A empregada me
deixou entrar e permaneci na sala querendo que ele voltasse logo. Em frente a
sua poltrona, na mesinha ao lado, estava aberta uma edição dos poemas completos
de Auden. Nós amamos Auden e Yeats.
Fiquei ali naquela poltrona quase uma hora,
lendo Auden diante da parede cheia de quadros, respirando o silêncio, até perceber
que Paulinho não voltaria tão cedo e que já anoitecera.
A espera me levou a escrever um poema
chamado “Paulo Mendes Campos”, que foi parar em primeiro livro, “Dobrando
esquinas”, depois de o próprio haver melhorado meus versos onde dizia sobre sua
ausência naquela tarde no Leblon.
Mas essa história fica para depois.
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