domingo, 10 de abril de 2022

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS

Janela para meta climática ambiciosa está se fechando

O Globo

 A temperatura média global já aumentou 1,1 °C desde o século XIX. Tal alta é responsável por todas as mudanças perceptíveis no clima, como secas prolongadas, enchentes frequentes, queimadas maiores e degelo dos polos. Para limitar o aquecimento global ao patamar atual, seria necessário zerar as emissões de CO2 imediatamente, algo absolutamente inviável. Por isso a discussão é: quanto estamos dispostos a tolerar de alta na temperatura (e suas consequências)?

Olhando para o ano de 2100, temos a opção de ver a situação piorar pouco (1,5 °C), muito (entre 1,5 °C e 2 °C) ou demais (acima de 2 °C). O último relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas das Nações Unidas (IPCC), publicado na semana passada, estima que ainda dá para atingir o objetivo mais ambicioso, mas não há tempo a perder. Na ausência de uma queda drástica e rápida, perderemos já no final desta década a chance de chegar a 2100 com elevação média de 1,5 °C na temperatura, diz o estudo feito por 278 cientistas de 195 países.

Atingir essa meta exigiria que o mundo concordasse em cortar 43% dos poluentes até 2030 e em zerar as emissões de CO2 em 2050. Usinas elétricas movidas a carvão ou de gás deveriam fechar ou adotar a captura e o estoque de carbono. Deixar para zerar as emissões nos primeiros anos da década de 2070 significará concordar com uma alta média na temperatura global de 2 °C em 2100, o equivalente a descumprir o Acordo de Paris.

O relatório do IPCC reconhece que avanços vêm sendo feitos. O custo das tecnologias de fontes limpas de energia diminui ano a ano. Desde 2010, o preço de painéis solares e baterias para carros elétricos caiu mais de 80%. Turbinas usadas para produzir energia eólica também baratearam. Mas o ritmo de adesão às novas tecnologias ainda tem sido insuficiente.

Entre 2011 e 2020, governos e empresas investiram a cada dois anos uma média de US$ 632 bilhões em energia limpa. Estima-se que seria necessário no mínimo triplicar esse valor para garantir uma elevação de temperatura de 2°C. Limitar o aquecimento a 1,5 °C exigiria aumentar o patamar atual de investimento em 590%. O estudo do IPCC também ressalta a necessidade de remover o dióxido de carbono da atmosfera, com o plantio de árvores e a adoção de tecnologias de captura. Por isso mesmo é preocupante que o Brasil continue a quebrar recordes de desmatamento (neste ano, registrou o pior primeiro trimestre da série histórica).

O debate sobre aquecimento global geralmente leva governos, setor privado e indivíduos a fugir de suas responsabilidades. Muitos países divulgam metas agressivas, outros nem metas ambiciosas têm (o Brasil, demonstrando estar alheio à realidade do planeta, tornou oficial sua “pedalada climática”, alterando a base sobre a qual calcula a promessa de redução de emissões). Muitas empresas não passam do greenwashing (outras nem adotam políticas cosméticas). Muitas pessoas continuam com um estilo de vida do século XX (os mais abastados não investem em energia solar e continuam a andar de avião como se fosse movido por eletricidade de fonte renovável).

Mantida essa situação, o destino inexorável será o caos climático. Para reduzir o ritmo de aquecimento do planeta, todas as esferas da vida terão de passar por transformações. A mudança de atitude tem de acontecer logo.

Futuro da Europa está em jogo na disputa de Macron pela reeleição

O Globo

As eleições presidenciais francesas marcadas para hoje prometem emoção, sobretudo se o resultado confirmar para daqui a duas semanas o segundo turno entre o presidente Emmanuel Macron e Marine Le Pen, a líder do partido nacionalista de extrema direita Reunião Nacional. A vitória de Macron representaria a continuidade dos avanços que ele tem implementado. Se os eleitores decidirem colocar Marine no Palácio do Eliseu pelos próximos cinco anos, as consequências serão dramáticas não apenas para a França, mas para a Europa e para todo o planeta. Por ora, as pesquisas dão Macron na frente, mas a distância entre os dois, em torno de cinco pontos percentuais, tem caído.

O histórico de Macron é positivo interna e externamente. Quando assumiu, em 2017, ninguém achava viável a meta de baixar o desemprego para 7% (a taxa estava nos dois dígitos desde 2014). Com uma reforma trabalhista, o índice caiu aos atuais 7,4%. Na pandemia, Macron arriscou e acertou. Um terço dos franceses não acreditava que vacinas eram seguras. Ao implantar os passaportes vacinais, Macron garantiu imunização de 78,24% da população, nível superior ao da Alemanha. Com isso, a retomada da economia francesa foi mais rápida.

No front externo, Macron vem falando há anos sobre a necessidade de a União Europeia (UE) aumentar os gastos militares e a coesão entre suas Forças Armadas. Em 2017, defendeu a “autonomia estratégica” da Europa. A invasão da Ucrânia lhe deu razão. Antes de os tanques russos entrarem em marcha, Macron foi a Moscou encontrar Vladimir Putin para tentar uma saída diplomática. O esforço foi em vão, mas mostrou quem era o líder europeu de maior estatura naquele momento em que o continente se via órfão da liderança de décadas da alemã Angela Merkel.

Se reeleito, Macron promete mais mudanças. Numa França com expectativa de vida de 82 anos, quer aumentar a idade de aposentadoria de 62 para 65 anos. Entre os países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), apenas Itália e Grécia gastam um percentual maior do PIB com Previdência. Embora justa, é uma medida obviamente impopular. Marine, numa atitude populista, fala em manter o limite atual e até em reduzi-lo a 60 anos para quem começou a trabalhar antes dos 20. Ela tem sido habilidosa ao concentrar sua campanha na inflação e ao reforçar a percepção popular de que Macron é elitista e arrogante.

O populismo na Previdência seria um dos menores males de um eventual governo Marine. São conhecidas sua visão eurocética, sua postura contra imigrantes (em especial muçulmanos), seu revisionismo do papel francês na Segunda Guerra e suas ligações com Putin. Sua ascensão certamente encorajaria a extrema direita noutros países. A França, a Europa e o mundo ficariam melhores com a vitória de Macron.

De roubos e robôs

Folha de S. Paulo

Além da tragédia na educação, MEC concentra escândalos no governo Bolsonaro

É falácia flagrante a propaganda de que Jair Bolsonaro (PL) acabou com a roubalheira no governo, e o Ministério da Educação está aí para dar indícios seguidos disso. Computadores, pastores, ônibus, robótica —não faltam escândalos a sugerir que a corrupção passa longe da erradicação prometida.

Nunca se esclareceu, a começar, quem encomendou a licitação de 2019, primeiro ano de Bolsonaro, para a compra de computadores no valor de R$ 3 bilhões. Em boa hora abortada, vez que a uma única escola de 255 alunos seriam alocados 30 mil equipamentos.

No foco de suspeita estava o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), vinculado ao MEC. Sob o comando do centrão, o fundo volta à berlinda com a aquisição de centenas de kits de robótica para localidades alagoanas por R$ 26 milhões. O odor de negociata a emanar da transação é forte.

Antes de mais nada, o preço, tudo indica superfaturado. Os melhores similares no mercado não chegam a R$ 10 mil; o FNDE paga R$ 14 mil por unidade, conforme reportagem publicada pela Folha.

Em seguida vem o privilégio implícito a Alagoas. De R$ 39 milhões do fundo destinados em 2021 à rubrica equipamentos e mobiliário (na qual se enquadram os kits), R$ 31 milhões (79%) terminaram carreados ao estado nordestino.

Não há de ser coincidência desmotivada que Alagoas seja também origem do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), prócer do centrão que mercadeja as chamadas emendas do relator ao Orçamento. Não bastasse, a empresa contemplada, Megalic, pertence ao pai do vereador de Maceió João Catunda, aliado de Lira.

Este jornal visitou algumas escolas e constatou a precariedade usual da educação pública: paredes descascadas, banheiros sem água, salas de aula insuficientes para todas as séries —além de prédios inacabados por força de verbas do FNDE que não chegam. Faltam até computadores, sem os quais kits de robótica ficarão ociosos.

Apenas dois dias antes da provável fraude vir à tona o Tribunal de Contas da União havia suspendido licitação bilionária do MEC para adquirir 3.850 ônibus com aparente sobrepreço, caso revelado pelo jornal O Estado de S. Paulo. Dez dias antes, cumpre recordar, o ministro Milton Ribeiro perdera o cargo por condicionar verbas à intermediação de pastores.

Em mais uma inverdade, o presidente alega ter identificado e suspendido falcatruas iminentes, quando em realidade as evitadas só o foram após apuração da imprensa. Fato incontestável: em seu governo o MEC capturado por ideólogos se tornou também antro de negócios nebulosos, todos patrocinando a tragédia educacional.

Suprema insignificância

Folha de S. Paulo

Dinheiro público é desperdiçado com casos de furtos que chegam às altas cortes

Condenação a quatro meses de reclusão pelo furto de um pedaço de bacon e um creme facial em um supermercado de Joinville (SC); prisão de um morador de rua pela tentativa de furto de dois sacos de lixo em Ibaté (SP); detenção de desempregada de 19 anos que furtou duas peças de queijo no valor de cerca de R$ 40 em Minas Gerais.

Esses são alguns dos milhares de casos de delitos não violentos envolvendo comida e itens de necessidade, como produtos de higiene pessoal, que chegaram às mais altas cortes do Judiciário brasileiro, o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça.

No STF, foram de 3.100 processos do gênero desde 2010; no STJ, desde 2008, tramitaram 2.255.

Trata-se de litígios em que há a aplicação do chamado princípio de insignificância, ou de bagatela. Em razão da lesividade da conduta ser mínima e não haver dano efetivo ou potencial ao patrimônio da vítima, casos como esses deveriam ter sido solucionados na primeira instância ou nem sequer ter chegado a atrair a atenção da lei penal.

Em vez disso, o elevado número de casos nas duas altas cortes revela que autoridades policiais, judiciais e do Ministério Público das instâncias inferiores continuam a desperdiçar dinheiro do contribuinte —imagina-se que valores muito superiores ao do objeto do crime— para processar e condenar pessoas por bagatelas.

Não são exemplos apenas de punitivismo judicial. Nesses episódios, os juízes deixam de aplicar as diretrizes jurisprudenciais. Entre os critérios objetivos estabelecidos pelo STF e pelo STJ estão, além da baixa ofensividade e do pequeno dano, a ausência de periculosidade social da conduta e o reduzidíssimo grau de reprovabilidade.

Dados de habeas corpus concedidos durante a pandemia mostram que mesmo o STF tem resistido a pressões para soltar presos acusados de crimes não violentos, aqui considerados não somente os furtos insignificantes. No STJ, também há casos problemáticos.

Em outubro de 2021, a ministra Rosa Weber, do Supremo, reverteu deliberação do STJ que negou habeas corpus a um homem que havia furtado arroz no valor de R$ 61,35.

Acrescente-se que, dado o agravamento do desemprego e da pobreza nos últimos anos, é plausível que tenha havido aumento considerável dos crimes famélicos. É situação em que a compaixão e a racionalidade indicam uma mesma conduta aos tribunais.

Como a Federação protege o País

O Estado de S. Paulo

Sem a atuação de governadores e prefeitos, os efeitos da pandemia seriam muito mais drásticos. A Federação impediu que o País ficasse à mercê de Bolsonaro

Desde o primeiro semestre de 2020, o presidente Jair Bolsonaro responsabiliza governadores e prefeitos pelas consequências sociais e econômicas da pandemia. No dia 2 de abril, ao ser questionado em Brasília por uma pessoa desempregada, o presidente voltou a usar a tática. “Quem tirou teu emprego não fui eu. Eu não fechei nada, nenhum botequim. Quem fechou foi o governador”, disse.

A desculpa bolsonarista revela, em primeiro lugar, um profundo desconhecimento sobre o que é a Federação. A existência dos três níveis federativos – União, Estados e municípios – não autoriza o governo federal a não fazer nada. A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), assegurando, no início da pandemia, o poder de governadores e prefeitos para editar medidas de proteção sanitária, reconheceu a competência comum das três esferas federativas a respeito da saúde pública, tal como prevista no art. 23 da Constituição.

Em nenhum momento, o Supremo disse que o governo federal podia ficar alheio à pandemia. A decisão do STF apenas preservou as atribuições constitucionais de cada esfera federativa, lembrando que o poder estatal não está concentrado no governo federal e que, portanto, o Palácio do Planalto não podia impor seu negacionismo às administrações estaduais e municipais.

Ao contrário do que o presidente e seus fanáticos seguidores querem fazer parecer, foi a atuação dos outros entes federativos – dos Estados e municípios –, com pleno respaldo na Constituição, que permitiu que o País enfrentasse as dramáticas circunstâncias sanitárias, sociais e econômicas dos últimos dois anos. Nunca é demais lembrar que, se dependesse de Jair Bolsonaro, que sempre minimizou a gravidade da covid – era apenas uma “gripezinha”, usada pela oposição para desestabilizar seu governo –, não haveria vacina nem orientação para uso de máscaras. Ou seja, caso a única esfera de poder público fosse aquela regida por Bolsonaro, o número de mortes teria sido muito maior e não existiria agora a menor possibilidade de retomada da economia ou de qualquer outra atividade.

Esse quadro mostra que a realidade federativa não é, como às vezes equivocadamente se pensa, um elemento complicador da atuação estatal. Ao distribuir o poder em três níveis, a Federação tem um profundo caráter democrático, aproximando o cidadão dos órgãos decisórios. Também possibilita maior eficiência do poder público. Com a existência de Estados e municípios, a atuação estatal pode respeitar as especificidades de cada realidade local e atender às suas concretas necessidades.

Na desculpa de Bolsonaro, observa-se ainda uma confusão sobre o funcionamento da sociedade e da própria economia. Não há atividade econômica possível se uma doença mortal, transmissível por vírus, contamina massivamente a população e, enquanto isso, o poder público simplesmente cruza os braços.

Não é por acaso que a maior oposição a Jair Bolsonaro durante a pandemia não veio do PT ou de algum político de esquerda, e sim do governo do Estado de São Paulo. Com um trabalho constante para reduzir os danos da covid – de forma muito especial, os esforços para disponibilizar, o mais rápido possível, a vacina para a população –, a administração estadual paulista mostrou, com fatos, a possibilidade de o poder público enfrentar, de forma responsável e efetiva, a pandemia. São Paulo mostrou que havia outros caminhos além das omissões e confusões do governo federal.

Tem-se, assim, o exato oposto do que diz Bolsonaro. Não fosse a Federação, fornecendo os meios para que a população não ficasse inteiramente à mercê do Palácio do Planalto durante a pandemia, a situação seria hoje muito mais grave.

Com seu desgoverno e seu negacionismo, Jair Bolsonaro evidencia, por contraste, a importância da descentralização do poder. A União não manda sozinha. Há outros entes federativos, com suas respectivas competências – e isso é uma proteção para o País. Afinal, a democracia é um regime de poderes limitados.

Ao luto, a covid juntou mais pobreza

O Estado de S. Paulo

Estudo mostra que grande parte das vítimas no País era de pessoas em idade de trabalhar, razão pela qual as famílias perderam uma renda anual de R$ 16,5 bilhões

A expressiva queda do número de brasileiros mortos por dia em consequência da covid-19 alimenta uma sensação de alívio e tende a estimular a percepção de que as coisas voltam ao normal. Mas o fato de que diariamente centenas de brasileiros ainda morrem por causa da pandemia mostra um quadro muito longe da normalidade. E o fato de que a covid-19 já provocou a morte de mais de 650 mil pessoas no País não pode nos deixar esquecer da imensidade da dor de familiares e amigos das vítimas.

A essa dor, soma-se a perda material que muitas famílias tiveram e que terá implicações por muitos anos. Boa parte das pessoas mortas pela covid-19 estava em idade de trabalhar e respondia por parcela expressiva da renda familiar. Em um ano, a renda que deixou de ser obtida por causa da morte de um ou mais membros causada pela covid-19 é de R$ 16,5 bilhões, como mostrou reportagem do Estadão (31/3). É dinheiro que faltou para o sustento dessas famílias e para impulsionar a economia. A perda terá consequências duradouras. Quando, para essas famílias, a normalidade estará de volta, mesmo que a pandemia seja contida?

Graças à vacinação e às medidas de proteção adotadas pela grande maioria da população, o número de mortes pela covid-19 teve redução notável. Em abril do ano passado houve registros de mais de 4 mil mortes por dia; agora, a média móvel de vidas perdidas por dia está abaixo de 300. Apesar da redução, o número é muito alto e está longe de representar uma situação normal. A pandemia ainda mata – e muito.

O impacto dessas mortes na renda foi medido pelo Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV) com base em dados do IBGE sobre rendimento médio mensal por sexo e nível de instrução, combinados com o número de pessoas com 20 anos de idade ou mais mortas pela covid-19 entre março de 2020, quando a pandemia chegou ao Brasil, e março deste ano. Segundo o estudo, a massa de rendimentos médios mensais que deixou de ser paga na faixa de 20 a 69 anos de idade alcançou R$ 754,3 milhões. Na faixa acima dos 70 anos, a perda mensal foi de R$ 617 milhões e em um ano, de R$ 7,4 bilhões. A soma das perdas nas duas faixas etárias é de R$ 16,5 bilhões.

O estudo também estima quanto essas vítimas da covid-19 poderiam acrescentar à renda familiar durante o período ativo caso não tivessem sua vida interrompida pela pandemia. Considerando idade média ao morrer, expectativa média de vida e rendimento médio obtido na época da morte, a conclusão é que as pessoas com idade entre 20 e 69 anos mortas pela covid teriam capacidade para acrescentar até R$ 286 bilhões à renda familiar se não tivessem perecido em razão da doença.

A perda de renda que a morte dessas pessoas causou é o efeito direto mais visível da pandemia sobre a situação material de suas famílias. Mas há outro, observado pelo coordenador do Núcleo de Contas Nacionais do Ibre/FGV, Claudio Considera. Além de sua capacidade de trabalho, essas pessoas transmitiam conhecimentos para as gerações seguintes. “Quantas pessoas deixaram de fazer seus trabalhos e deixaram de transmitir suas experiências?”, pergunta Considera.

Quanto à situação socioeconômica das vítimas da pandemia, há outro aspecto cruel. Em São Paulo, as famílias mais vulneráveis, moradoras de regiões com menos serviços urbanos, e os negros estão entre as principais vítimas da pandemia, de acordo com levantamento do Instituto Pólis, que estuda o impacto das políticas públicas. Há uma sobreposição de vulnerabilidades em determinadas áreas da cidade de São Paulo, diz a coordenadora-geral do Instituto, Danielle Klintowitz. Nessas áreas, juntam-se as piores condições de renda, as piores condições de moradia (maior número de pessoas por domicílio) e a maior concentração de negros.

A persistência de um número ainda alto de mortes por covid é consequência do atraso no início da vacinação e de seu boicote por bom tempo pelo presidente Jair Bolsonaro, que defendia o uso de medicamentos comprovadamente ineficazes para combater a doença.

Guedes, especialista em promessas

O Estado de S. Paulo

Ministro promete que, num segundo mandato de Bolsonaro, fará tudo o que prometeu, e não entregou, no primeiro como se, após mais de três anos no cargo em que fez muito pouco ou quase nada do que prometera, o ministro da Economia, Paulo Guedes, tivesse desistido de continuar pouco fazendo e decidido empurrar tudo para o ano que vem. Em pronunciamentos recentes, Guedes passou a dizer que as mudanças de que o País necessita, e que não andaram no atual governo, serão feitas no novo mandato presidencial. Até lá, em vez da reforma tributária, temos a concessão de benefícios permitidos por ganhos de arrecadação, em grande parte decorrentes da inflação – além de palavras e novas promessas.

Reforma do Estado para reduzir seu peso sobre a sociedade, reforma do sistema de imposto para modernizá-lo e torná-lo menos disfuncional, reforma administrativa para assegurar maior eficiência do serviço público, tudo isso ficou no discurso.

Da anunciada transferência de ativos da União para o setor privado, que poderia render até R$ 1 trilhão para o Tesouro Nacional em um ano, o governo só conseguiu vender uma estatal. A privatização dos Correios, antes uma prioridade absoluta, foi para a gaveta.

A carga tributária do ano passado – de 33,9% do PIB, a maior em pelo menos 12 anos – parece ser o símbolo irônico de um governo que prometia reduzir o tamanho do Estado. A reforma tributária não passou de propostas de pequenos remendos e até da recriação da perniciosa CPMF, nem assim avançou.

Para poder dizer que está reduzindo impostos mesmo sem a reforma tributária – pela qual nunca se empenhou verdadeiramente –, o ministro da Economia tem anunciado cortes de alguns tributos, como o IPI e o Imposto de Renda. Já falou, muito tardiamente, em corrigir a tabela do Imposto de Renda da Pessoa Física, agora promete reduzir o Imposto de Renda da Pessoa Jurídica, além de dar isenção desse tributo para estrangeiros que investirem no mercado de capitais brasileiro. Como a reforma tributária, algumas dessas mudanças, segundo Guedes, devem ficar para o ano que vem.

A iniciativa mais promissora de mudança do sistema de tributos, a PEC 110, agradava a parte do segmento empresarial, mas enfrentava forte resistência do setor de serviços. O adiamento da votação da proposta na Comissão de Constituição e Justiça do Senado é sinal de dificuldade para sua aprovação final.

Segue-se, assim, no caso dos tributos, o caminho que a chamada reforma administrativa trilhou. O relator do projeto na Câmara, Arthur Maia (União Brasil-BA), disse não ver possibilidades de o texto ser aprovado pelo plenário antes da eleição. Por mexer em direitos dos servidores, é um projeto que não será aprovado sem empenho do Executivo. Ficará para o ano que vem.

Pode ser que avancem a privatização da Eletrobras, se obtiver a tempo a aprovação do Tribunal de Contas da União, e algumas outras mudanças. O balanço final do governo, mesmo assim, será pobre.

Guedes parece conformado.

“Com Bolsonaro reeleito e o Congresso mais reformista, espera-se que as reformas acelerem”, disse o ministro há dias. Talvez ainda haja quem acredite nele.

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