Editoriais
WhatsApp precisa resistir à investida de
Jair Bolsonaro
O Globo
O presidente Jair Bolsonaro afirmou que
procuraria representantes do WhatsApp no Brasil para tratar do acordo firmado
entre a empresa e o Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Tal acordo adiou o
lançamento, para depois das eleições de outubro, de uma função que permite
ampliar o alcance das mensagens no aplicativo. “Se ele [o WhatsApp] pode fazer
um acordo com o TSE, pode fazer comigo também. Por que não?”, disse Bolsonaro.
O raciocínio do presidente não tem nexo. O Executivo é parte interessada no
pleito de outubro, pois Bolsonaro busca a reeleição e deveria respeitar à risca
todas as regras estabelecidas para o pleito — da vedação à campanha antecipada
às medidas tomadas para coibir a desinformação.
Os bolsonaristas obviamente não inventaram a disseminação de mentiras, nem detêm monopólio sobre elas, mas a memória da campanha de 2018 está fresca demais para esquecer quem mais abusou desse instrumento de manipulação. Não se ouviu crítica ao acordo do TSE com o WhatsApp vinda da oposição. É papel da Corte tomar iniciativas para garantir uma campanha tranquila e uma votação justa — e isso significa conter a enxurrada de fake news que já circula nos aplicativos de mensagem, em especial nas redes bolsonaristas. Como é mera ilusão esperar comedimento do presidente, os executivos responsáveis pelo WhatsApp no Brasil terão de resistir à pressão.
Batizado “comunidades”, o novo recurso
prevê a aglutinação de grupos, multiplicando a velocidade de difusão das
mensagens. A novidade, segundo a empresa, foi pensada para facilitar a
comunicação em locais como escolas. Um diretor conseguiria enviar a mesma
mensagem a pais de alunos de todas as classes. A empresa também estuda permitir
grupos com mais participantes (hoje eles são limitados a 256). Seria o sonho de
consumo das milícias propagadoras de fake news, que migraram para o Telegram
justamente em virtude dos grupos ilimitados.
O WhatsApp afirma que, como forma de
compensação à ampliação dos grupos, limitará os destinatários das mensagens
reencaminhadas (os atuais cinco cairiam para um único a cada reencaminhamento).
Seria um avanço, mas tentativas desse tipo para mitigar o estrago são
cosméticas e provavelmente se revelarão inócuas. O histórico do WhatsApp no
controle dos excessos é vexaminoso. Em vez de um meio de comunicação privado
individual como se autodefine, o “zap” se tornou uma ferramenta de propaganda.
A implantação das “comunidades” de tamanho
ilimitado antes de outubro representaria nada menos que uma afronta à
democracia. Mas, ainda que seja implementada depois das eleições, como prevê o
acordo com o TSE, seria problemática porque não deixaria de favorecer os
propagadores de desinformação. É escandaloso que, com tudo o que já se sabe
sobre o assunto, o país ainda se veja refém dos humores das gigantes digitais
para combater a desinformação. Esse tipo de regulação é dever do Estado, não
deve caber à iniciativa das próprias empresas.
É justamente para evitar tais armadilhas
que a Câmara deveria ter aprovado a urgência para a votação do Projeto de Lei
das Fake News. Em razão da rejeição — com apoio da base governista —,
provavelmente não haverá tempo para sua aprovação antes das eleições. Diante da
omissão do Legislativo, o Judiciário mais uma vez se vê forçado a zelar pela
paz nas eleições.
Inflação recorde não é única causa da queda
na popularidade de Biden
O Globo
Não são boas as perspectivas para o
presidente americano Joe Biden nas eleições deste ano, que em novembro
renovarão a Câmara, um terço do Senado e 36 governos estaduais. Sua aprovação
anda na casa dos 42% e, na semana passada, de quatro pesquisas nacionais, três
apresentaram os piores resultados para Biden desde o início do governo. Com
aprovação abaixo de 45%, Gerald Ford, Jimmy Carter e Donald Trump não se
reelegeram. O cenário mais provável é os democratas perderem o controle do
Senado — onde só têm maioria graças ao voto de desempate da vice, Kamala Harris
— e enfrentarem dificuldades enormes para manter o da Câmara.
A explicação canônica para a queda na
popularidade é a inflação de 8,5%, que os americanos não viam desde 1981. A
perda de poder aquisitivo é péssimo cabo eleitoral, mesmo que a economia
ostente o invejável desemprego de 3,9%, reflexo da forte recuperação com o
arrefecimento da pandemia. A inflação, porém, não explica tudo. Biden tem
cometido diversos erros na condução do governo.
Seu primeiro grande revés foi a retirada
catastrófica do Afeganistão no ano passado. O Taliban aproveitou para
reconquistar o país, e o mundo testemunhou cenas caóticas. Um homem-bomba
chegou a matar 13 militares americanos no aeroporto de Cabul. Foi um ponto de inflexão
na imagem do presidente, que, até aquele momento, ainda desfrutava as vantagens
naturais da comparação com Trump.
O outro grande desafio para o governo Biden
no front externo surgiu na Ucrânia. Os americanos aprovaram seu apoio decidido
aos ucranianos no enfrentamento da agressão russa, mas Biden comprometeu-se —
acertadamente — a não envolver o país na guerra. Em razão disso, não recebe o
bônus de popularidade que a a população costuma dar a todo presidente em guerra
(como foi o caso de George W. Bush depois do 11 de Setembro).
No campo interno, Biden aprovou no
Congresso, com apoio de republicanos, um pacote de US$ 1 trilhão de
investimentos na castigada infraestrutura americana. Mas o ambicioso programa
social “Build Back Better” (algo como “Refazer Melhor”), que destinaria US$ 1,7
trilhão com o objetivo de gerar empregos para recriar “a espinha dorsal do
país, a classe média” (transferindo impostos sobre grandes corporações e dos
mais ricos), não convenceu nem mesmo os democratas. A iniciativa inspirada em
Roosevelt enfrenta resistências óbvias pelo temor de expansionismo fiscal num
momento de inflação em alta.
Além desse revés legislativo em escala
nacional, Biden também enfrenta o recrudescimento da guerra cultural que tem
vitimado a agenda democrata em vários estados. Republicanos têm registrado
avanços em temas como aborto, ensino sobre racismo, na persistência das
acusações de fraude em 2020 e no aparelhamento de organismos eleitorais. O
espectro de Donald Trump continua pairando sobre 2024.
A saga da Eletrobras
Folha de S. Paulo
Batalha política em torno da privatização
da empresa não parece encerrada no TCU
A desestatização da Eletrobras segue como
um exemplo do que não fazer quando o governo se propõe a transferir o controle
de uma empresa para investidores privados. O processo foi contaminado por
interesses políticos no Congresso e agora não
parece livre deles no Tribunal de Contas da União.
É esperado que o TCU acompanhe e fiscalize o
uso de recursos do Orçamento, o que inclui observar a lisura das privatizações.
Essa atribuição, prevista em lei, é cumprida mediante análises de um corpo
técnico que está entre os mais qualificados do serviço público.
O trâmite já está na segunda etapa, e o
tribunal deve se pronunciar sobre o preço da ação para a venda em Bolsa de
Valores. Ocorrido na quarta-feira (20), o julgamento do tema foi suspenso após
debate sobre qual seria o prazo adequado para o pedido de vista apresentado
—60, 20 ou 7 dias.
Optou-se pelo período intermediário, que
ainda assim se afigura acima do necessário para uma decisão dessa natureza.
É razoável imaginar que o ambiente
estivesse crispado por declarações, atabalhoadas como de costume, do ministro
Paulo Guedes, da Economia —que fez crítica pública a supostos telefonemas do
ex-presidente e hoje presidenciável Luiz Inácio Lula da Silva (PT) a ministros
do TCU para barrar ou prejudicar a privatização.
Fato é que as resistências à venda da
estatal —por razões ideológicas, corporativistas ou decorrentes de fisiologismo
político— são bem mais amplas que as petistas, como se viu na tramitação da
proposta na Câmara e no Senado.
Já no julgamento do TCU, causou estranheza
que o relator Aroldo Cedraz, em seu voto, tenha proposto uma mudança no
mecanismo que impede a tomada do controle da Eletrobras por um único acionista.
A alteração buscava permitir que a União pudesse reestatizar a empresa, caso
julgasse necessário.
O voto foi enviado aos ministros às 12h.
Três horas depois, já com a sessão em curso, Cedraz anunciou
que retiraria a proposição.
O dispositivo, de fato, mostrava-se mais
uma intervenção de legislador que de órgão regulador. Ratificado,
inviabilizaria a operação. É difícil acreditar que algum investidor pagaria
bilhões de reais por um ativo correndo o risco de, a qualquer tempo, ter de
devolvê-lo ao antigo controlador.
Como efeito prático do pedido de vista
apresentado pelo ministro Vital do Rêgo Filho, os meses de junho e julho passam
a ser apontados como os mais propícios para a venda da empresa. Atrasos maiores
tornarão a operação menos
provável quanto mais próxima das eleições gerais de outubro.
A despeito das obrigações impostas pelo
Congresso, que implicam custos para consumidores e contribuintes, a
privatização permanece desejável para ampliar a capacidade de investimento e
evitar que a empresa seja utilizada no empreguismo e clientelismo político.
25 anos depois
Folha de S. Paulo
Morte de Galdino foi marco no ativismo por
terras, hoje sob cerco de Bolsonaro
Em 20 de abril de 1997, Galdino Jesus dos
Santos, indígena pataxó hã-hã-hãe, dormia em um ponto de ônibus em Brasília
quando cinco homens, um deles menor de idade, atearam fogo em seu corpo. Então
com 45 anos, Galdino morreu num hospital no dia seguinte.
Galdino Pataxó fora a Brasília devido a
terras indígenas ilegalmente ocupadas no sul da Bahia. A morte brutal foi
o estopim
para o ativismo no local. Após o episódio, a aldeia retomou cinco fazendas.
Protestos ocorreram tanto na capital federal quanto na região.
Em disputa há décadas, o território teve os
títulos de propriedade de posseiros anulados por decisão do Supremo Tribunal
Federal em 2012, o que conferiu segurança, ao menos formal, às áreas
demarcadas. A despeito dessa ação, iniciada há 40 anos pela Fundação Nacional
do Índio (Funai), a violência contra os povos persiste.
De 2009 a 2019, a taxa de assassinato de
indígenas cresceu 22% no Brasil (de 15 para 18,3 por 100 mil habitantes), na
contramão da taxa de homicídios em geral, que recuou 20% no mesmo período (de
27,2 para 21,7), segundo o Atlas da Violência publicado em 2021.
Em números absolutos, foram 186 casos em
2019, ante 136 dez anos antes. Entre um e outro, houve um pico de 247 em 2017.
Por trás dos números, possivelmente
subnotificados, há um emaranhado de conflitos territoriais, em especial com
agricultores e garimpeiros, que também motivam toda sorte de assédios e
violências, além da perseguição a lideranças e movimentos sociais.
Atualmente, 13,8% do território nacional se
destina a áreas indígenas —o que é um dado alentador, mas longe de significar
uma questão pacificada. Dessas áreas, 98,3% se encontram na Amazônia.
Em setembro do ano passado, o Supremo
Tribunal Federal não chegou a concluir o julgamento da tese do marco temporal
para a demarcação de terras, pela qual os povos só teriam direito às regiões
que ocupavam em 1988, ano de promulgação da atual Constituição.
São tensões que só se agravam sob Jair Bolsonaro (PL), aliado do agronegócio arcaico e adepto da carcomida doutrina militar segundo a qual áreas indígenas representam ameaça à soberania nacional.
É preciso conhecer a história da ditadura
O Estado de S. Paulo
A revelação das gravações das sessões do STM entre 1975 e 1985 reitera a importância da pesquisa histórica sobre a ditadura militar. Há muito a ser conhecido e estudado
A recente divulgação, feita pela jornalista
Miriam Leitão, no jornal O Globo,
de gravações de sessões do Superior Tribunal Militar (STM) entre 1975 e 1985
revela a importância tanto da transparência no trato das coisas públicas como
do trabalho de pesquisa histórica sobre esse período ainda tão recente.
Equivoca-se quem acha que tudo já está esclarecido. Há muito a ser conhecido,
estudado e debatido sobre a ditadura militar. Um povo que ignora sua história
desconhece a si mesmo, além de ser presa fácil dos autoritários de plantão.
O acesso às gravações das sessões do STM
foi obtido depois de uma longa batalha judicial. Em 2006, a Corte militar negou
o pedido feito pelo pesquisador e advogado Fernando Fernandes, que, no
doutorado, havia estudado atas e discursos do STM. Em 2015, o plenário do
Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu pela liberação dos arquivos da Corte
militar relativos ao período da ditadura.
Os áudios foram entregues a Fernando
Fernandes em 2017. “A abertura desse arquivo é algo fundamental não só para
pesquisa de um historiador como eu, mas para milhares de pesquisas que podem
ser feitas sobre o regime de 64, sobre a atuação do STM, sobre a atuação dos
advogados, para se compreender melhor a história do Brasil”, disse Fernandes na
ocasião. Desde então, o historiador Carlos Fico, da Universidade Federal do Rio
de Janeiro (UFRJ), tem estudado e organizado o conteúdo dessas gravações.
Esse trabalho de pesquisa histórica é
imprescindível. Certamente, debruçar-se sobre o período da ditadura militar
traz incômodos para muita gente. Basta ver que o STM queria manter os áudios
secretos. Felizmente, o STF assegurou a publicidade. A população tem o direito
de saber como eram as sessões da Corte militar. Tem o direito de conhecer a
história de seu país.
Sempre importante, a pesquisa histórica
sobre a ditadura militar adquire especial relevância nos tempos atuais, em que
se verifica um esforço deliberado – verdadeira manobra política – de negar ou
minimizar as violências e agressões cometidas pelo regime militar. Há uma
flagrante manipulação dos fatos históricos, com consequências nefastas para a
cidadania e o exercício dos direitos políticos. Tal é a situação que há quem
não veja, por exemplo, incompatibilidade entre a defesa da liberdade de
expressão e a defesa do regime militar. Ora, na ditadura houve censura dos
meios de comunicação. No caso deste jornal, que nunca se submeteu às ordens do
regime sobre o que era proibido publicar, havia inclusive censores dentro da
Redação.
Outro evento histórico sobre o qual há
frequente manipulação é o Ato Institucional n.º 5 (AI-5). Considerado o “golpe
dentro do golpe”, o AI-5 conduziu o País a um sinistro período de arbítrio,
censura, repressão e cerceamento das liberdades civis e dos direitos
individuais. Ao longo de seus 11 anos de vigência, o ato de profundo
autoritarismo produziu muitos males que ainda hoje são sentidos. Foi uma
brutalidade do regime militar contra a população brasileira, mas há quem queira
defendê-lo ou, mesmo, ventilar a possibilidade de uma reedição em suposta
“defesa do País” contra inimigos imaginários. O negacionismo histórico não é
mera falha acadêmica, mas substrato para velhas e novas arbitrariedades.
Cabe advertir, ao mesmo tempo, que a defesa
da pesquisa histórica não guarda relação com a pretensão de alguns de rever a
Lei da Anistia. São coisas distintas, em âmbitos distintos. Há muito a ser
conhecido, estudado e debatido sobre a edição dessa lei, suas circunstâncias e
seus pressupostos. Mas o conhecimento mais aprofundado e rigoroso do que foi o
regime militar – tarefa necessária para a sociedade brasileira – não é motivo
para rediscutir a validade jurídica da Lei da Anistia. Tal pretensão seria
ignorar os fatos históricos, numa releitura rasa sobre o que uma anistia
significa e que bens ela protege, além de desmerecer as instituições
democráticas pós-1988. O STF reconheceu, em 2010, a validade e legitimidade da
Lei da Anistia. Conhecer a história, sim; reescrevê-la, negando os fatos, não.
À espera do juiz das garantias
O Estado de S. Paulo
A bem-vinda novidade no direito penal foi aprovada há mais de dois anos, mas a vontade de um único ministro do STF continua a impedir que seja implementada
Faz mais de dois anos que o Congresso
aprovou um importante avanço para a legislação penal brasileira: a criação do
chamado juiz das garantias. O que era para ser uma notícia boa, porém, até hoje
não saiu do papel. Pior, jogou luz sobre uma disfuncionalidade, ou abuso, do
Poder Judiciário: a possibilidade de que ministros do Supremo Tribunal Federal
(STF) adiem decisões por prazo indeterminado, impedindo a plena entrada em
vigor de medidas devidamente aprovadas pelo Poder Legislativo e sancionadas
pelo presidente da República.
A figura do juiz das garantias é exemplo
flagrante disso. Sua criação veio em boa hora, inserida pela Câmara na votação
do chamado “pacote anticrime”, em 2019. Na linha do que já é realidade em
países europeus e latino-americanos, os parlamentares incorporaram ao direito
penal brasileiro essa novidade capaz de assegurar maior imparcialidade à
Justiça: em vez de um único juiz, como hoje, os processos criminais passariam a
ter dois magistrados atuando em etapas distintas.
O juiz das garantias ficaria encarregado de
toda a fase da investigação, sendo o responsável por quebras de sigilo fiscal,
bancário e telefônico, decretação de prisão provisória, mandados de busca e
apreensão, prorrogação de inquéritos e aceitação, ou não, da denúncia. A partir
daí, cessaria a função do juiz das garantias, entrando em cena o segundo juiz,
a quem caberia o julgamento dos réus e a sentença. Delitos de menor potencial
ofensivo ficariam de fora do novo modelo judicial.
Uma liminar do atual presidente do STF,
ministro Luiz Fux, entretanto, suspendeu a vigência da nova medida por tempo
indeterminado. A decisão individual de Fux, assinada em 22 de janeiro de 2020,
completou dois anos e três meses na sexta-feira passada, o que extrapola
qualquer limite razoável. Mais espantoso ainda é que não se sabe quando o caso
terá um desfecho, pois a liminar vale até que o plenário do Supremo tome a
decisão final. Como presidente do STF, contudo, Fux não incluiu o caso na pauta
de julgamentos deste primeiro semestre.
O tema divide opiniões no meio jurídico:
enquanto a OAB manifestou-se favoravelmente ao juiz das garantias, associações
de magistrados e do Ministério Público são contra. Uma das objeções é referente
ao prazo exíguo previsto na medida, de apenas um mês, para a implementação do
novo modelo. Outra aponta a necessidade de mais recursos, alegando a
inconstitucionalidade da criação de despesas sem previsão orçamentária. Há
preocupação também com a situação de 40% das comarcas, que contam com um único
juiz. Em maior ou menor grau, são alegações pertinentes, mas todas passíveis de
pronta solução.
Há divergências no próprio Supremo: em
janeiro de 2020, o então presidente do STF, ministro Dias Toffoli, concedeu uma
liminar adiando por 180 dias a implementação do juiz das garantias. O ministro
acatou o argumento quanto à necessidade de maior prazo, mas entendeu que não
haveria necessidade de criação de cargos. Na semana seguinte, porém, Fux, então
vice-presidente do Supremo e relator da matéria, concedeu liminar por prazo indeterminado
em ação movida pela Associação Nacional dos Membros do Ministério Público.
Sejam quais forem os motivos alegados, não
há justificativa aceitável para a demora de Fux em pautar a votação da sua
liminar no plenário do STF. O princípio da separação dos Poderes, antídoto para
a concentração do poder em uma única autoridade ou órgão público, confere
papéis distintos ao Judiciário e ao Legislativo. O que aqui se reivindica não é
que o Supremo abra mão de seu papel constitucional de julgar. Pelo contrário.
Se o Supremo entender que a nova lei é inconstitucional, que assim seja − e sua
decisão deverá ser cumprida. Mas não compete ao Supremo legislar nem impedir
que uma norma entre em vigor sem uma justificativa juridicamente sólida. A
criação de leis é uma tarefa do Congresso Nacional, cuja atuação não pode ser
tolhida indefinidamente por ação ou omissão do STF, muito menos de um único
ministro do STF.
Dívida, inflação e estagnação
O Estado de S. Paulo
Quatro em dez pessoas com direito ao saque especial do FGTS pretendem usar o dinheiro para limpar o nome
Quatro em dez pessoas com direito ao saque
especial do FGTS pretendem usar o dinheiro extra para limpar o nome e recuperar
o acesso ao crédito, segundo pesquisa do Instituto Opinion Box em parceria com
a Serasa Experian. Mais da metade desse grupo – 26% dos pesquisados – deverá
liquidar contas de água, luz e gás, itens essenciais ao dia a dia das famílias.
Ao decidir medidas desse tipo, facilitando a obtenção de recursos especiais, o
objetivo das autoridades é normalmente estimular o consumo e repor em movimento
a economia estagnada. Neste caso, o primeiro efeito notável será a reparação
parcial dos danos causados aos consumidores, principalmente aos mais pobres,
pela combinação do alto desemprego, do aumento de preços e da forte elevação
dos juros.
Sem vigor nos últimos dez anos e sem rumo
nos últimos três, a economia tem sido incapaz de proporcionar emprego à força
de trabalho disponível. Além disso, grande parte da ocupação ocorre na
informalidade e com remuneração tão baixa quanto insegura. Mais do que um
recurso para elevar o padrão de consumo e a qualidade de vida, endividar-se
passou a representar, para milhões de famílias, um meio de sobrevivência.
Em março, 77,5% das famílias consultadas indicaram ter dívidas
a vencer, segundo pesquisa da Confederação Nacional do Comércio de Bens,
Serviços e Turismo (CNC). Foi a maior porcentagem registrada em 12
anos, isto é, desde o início do levantamento. Também foi recorde, para esse
período, a parcela das famílias com débitos em atraso (27,8%). As endividadas
eram 67,3% um ano antes. As inadimplentes, 24,4%. Também aumentou nesse período
– de 10,5% para 10,8% – a fatia daquelas sem condições de pagar os débitos já
em atraso.
O endividamento e a inadimplência
aumentaram nos dois grandes grupos de renda, até 10 salários mínimos mensais e
acima desse nível. No caso das contas em atraso, a expansão, em um ano, foi de
12,2% para 13,2% das famílias com ganho mensal superior a 10 mínimos e de 27,2%
para 31,1% daquelas da faixa inferior.
A pesquisa mostra também uma piora da
percepção do endividamento. As contas a pagar, dentro ou fora do prazo,
pressionam fortemente os orçamentos. Em março, 30% dos ganhos estavam
comprometidos com dívidas. Para 20,9% das famílias endividadas, esses
compromissos correspondiam a mais de 50% da renda, o maior porcentual desde
agosto do ano passado.
Os otimistas podem apostar em melhoras
desse quadro, mas hoje há poucos sinais positivos. O Fundo Monetário
Internacional aumentou a projeção de crescimento econômico do Brasil em 2022,
mas a mudança foi de 0,3%, taxa estimada em janeiro, para 0,8%. Bancos também
elevaram suas previsões, mas seis das nove registradas pelo Estadão na quarta-feira
são inferiores a 1%. Só duas correspondem a 1% e uma a 1,5%. A taxa oficial de
inflação chegou a 11,3% nos 12 meses até março, e qualquer baixa deverá ser
muito gradual. Os juros devem continuar em alta, para conter os preços, e
também isso dificultará a redução do endividamento e da inadimplência.
Brasil tem enorme potencial para liderar
“negócios verdes”
Valor Econômico
O Brasil tem enorme potencial para
desempenhar o papel de protagonista no mercado de negócios na área ambiental. O
impulso para o desenvolvimento desse mercado está nas políticas públicas,
formuladas tanto no âmbito da União, Estados e municípios, que já começam a
fomentar a realização de negócios nessa área.
A Lei 14.119, aprovada em 2021, instituiu a
Política Nacional do Pagamento por serviços Ambientais (PSA). Por meio dessa
legislação, foram criados mecanismos de incentivos e premiações - financeiros e
não financeiros - para compensar atividades individuais ou coletivas que favoreçam
a manutenção, a recuperação ou a melhoria de serviços voltados para os vários
ecossistemas existentes no país.
Em março, o Ministério do Meio Ambiente
lançou o Programa Nacional de Redução de Metano de Resíduos Orgânicos (Metano
Zero), arcabouço de incentivos formulados a partir da Lei 14.119. O PSA é
instrumento que pode facilitar a implantação, pelo setor privado, da chamada
agenda global ESG (sigla em inglês para governança corporativa, social e
ambiental).
ESG é um movimento internacional, cuja abordagem
é avaliar até que ponto empresas trabalham em prol de objetivos sociais que vão
além do objetivo de maximizar lucros para seus acionistas. Trata-se de agenda
ampla, que não focaliza somente a inadiável questão ambiental, mas também outro
impostergável mazela da maioria das sociedades, a necessidade de redução das
desigualdades sociais.
O pano de fundo do PSA e de outras
políticas oficiais na área ambiental é a adesão do Brasil ao esforço global
celebrado na COP26, ao lado de cerca de uma centena de países, para a redução
em 30%, até 2030, das emissões de gás metano. O parâmetro é o volume de
emissões feito em 2020. O esforço está em convergência com a necessidade de as
economias se desenvolverem de forma sustentável, com base na cooperação internacional
de financiamento, incentivos, desoneração, capacitação, desenvolvimento,
transferência e difusão de novas tecnologias e de processos.
No Brasil, há enorme espaço para o
desenvolvimento de “negócios verdes” a partir de dois vetores: o aproveitamento
energético e o uso, como combustível na forma de biogás e biometano, de
resíduos ou produtos orgânicos. O destaque está nos resíduos sólidos urbanos e
agrícolas, provenientes, por exemplo, de aterros sanitários, da produção de
cana-de-açúcar e de atividades como a suinocultura e a avicultura.
Estima-se que o Brasil tem capacidade para
aproveitar cerca de 120 milhões de metros cúbicos de biometano por dia, a
partir da exploração de resíduos orgânicos. Trata-se de volume maior que o da
produção diária de gás explorada atualmente na camada pré-sal. É, também, é
quatro vezes maior que o gás ofertado pelo gasoduto Brasil-Bolívia. Este
potencial energético já vem sendo chamado por especialistas de “Pré-Sal Verde”.
No Congresso Nacional, são examinadas
outras propostas para estimular negócios na área ambiental. Uma delas cria o
Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões (PL 2148/15). Outro propõe a
certificação de créditos de carbono para empreendimentos de geração de energia
por fontes alternativas (PL 290/20). Para dar agilidade à tramitação desses
projetos, a Câmara dos Deputados criou comissão especial para examinar o
conjunto de proposições voltadas para o fomento ao desenvolvimento do mercado
de carbono.
Ainda na linha “Who cares Wins” (ganha quem
se importa) outro Programa de PSA recém-lançado pela cidade de São Paulo
promove a implementação da Agenda 2030, possibilitando aos cidadãos que
conservem ou que venham a recuperar suas propriedades rurais que sejam
remunerados pelo Fundo Especial de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável
(Fema), que já conta com verba de R$ 2,7 milhões para recompensa das
transações.
Nessa mesma linha de atuação, o governo do
Estado de São Paulo baixou neste ano decreto que cria o Programa Refloresta-SP.
Seu objetivo é fomentar a delimitação, demarcação e recuperação de matas
ciliares e de outros tipos de fragmentos florestais no Estado. A expectativa,
em São Paulo, é recuperar 1,5 milhão de hectares de vegetação nativa até 2050,
com foco em áreas que não são de restauração obrigatória e não se encontram
ocupadas por atividades econômicas.
Para além dos efeitos de mitigação das mudanças climáticas, da conservação da biodiversidade, da ampliação da cobertura natural de baixo índice de vegetação nativa e de melhorias na área de recursos hídricos, as iniciativas têm potencial para gerar efeitos positivos no estímulo à bioeconomia, à geração de emprego e renda, ao desenvolvimento econômico e social sustentável.
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