O Globo
A extrema direita jamais escondeu sua
pulsão pela morte. Tampouco seu maior instrumento — a violência física.
Em um só exemplo, o que Putin faz contra os
ucranianos.
Parte do universo religioso tem seu quinhão
de inferno em seu acasalamento oportunista com o discurso direitista. De padres
a pastores, principalmente, há um apadrinhamento — bênção? — ao ódio, à cizânia
e inconformismo autoritário diante de seu mundo idealizado.
Papa Francisco começa a punir padres pedófilos, eliminando as “más ovelhas” de seu rebanho, mas no Brasil se invoca a figura da intolerância religiosa quando se tenta investigar os pastores do MEC.
A religião soa como um biombo para a ocultação de esqueletos. Na Rússia, o arcebispo da Igreja Ortodoxa, em nome da Virgem Maria, apoia a fratricida invasão da Ucrânia empreendida por Putin. Enxerga na luta um corpo a corpo contra a alegada decadência do Ocidente, estampada principalmente pelas paradas gays. Tá. Por isso, tudo bem matar crianças em orfanatos e idosos em asilos e doentes em hospitais... O arcebispo russo já colhe ventos contrários dos ortodoxos ucranianos e de outras regiões. “O Patriarca de Moscou não está engajado na teologia, mas simplesmente interessado em apoiar a ideologia de Estado”, atestou o arcebispo Volodymyr Melnichuk, em Udine, na Itália.
Vamos ficar mais perto. No Brasil, o
discurso bozofrênico da violência encontra apoio nos pastores da situação.
Adulados pelas prebendas, como isenções de impostos, não se tem notícia de que
tais religiosos se oponham ao liberou geral da circulação de armas legislado
pelo governo federal. Difícil imaginar que Jesus Cristo, tão lembrado nas
palavras de ordem dos pastores, apoiasse o armamento indiscriminado da
população. E mais. Em plena pandemia, ainda tentaram manter seus templos
abertos, em busca de um rebanho doador de dízimos. Como se diz, isso seria
coisa de um bom cristão?
A vingança divina veio rápida. O ministro
André Mendonça, acusado de traição e cobrado pelos evangélicos por seu voto de
condenação ao deputado Daniel Silveira, deu nome aos bois. “Como cristão, não
creio tenha sido chamado para endossar comportamentos que incitam atos de
violência contra pessoas determinadas; e [b] como jurista, a avalizar graves
ameaças físicas contra quem quer que seja. Há formas e formas de se fazerem as
coisas”, tuitou o ministro evangélico, que chegou ao cargo apoiado por
parceiros de crença.
Mendonça, em poucos caracteres, largou
Malafaia e grupo pendurados na brocha. Ao contrário de muitos pastores, deixou
explícito não apoiar o instrumento da violência como ferramenta de conversão ou
método de convencimento ideológico. Porque as ameaças do deputado não podem ser
confundidas com defesa de tese acadêmica ou estribilho de samba. São, perdigoto
sobre perdigoto, perigosas ameaças à civilização contemporânea — aquela baseada
em tolerância e respeito ao semelhante.
O caminho trilhado pelo parlamentar bombado
abre espaço para algo semelhante à defesa da invasão russa na Ucrânia (não é
que ela é apoiada pelos bozominions?) ou a uma repetição da Inquisição Católica
em sua perseguição aos dissidentes do credo. Um cheiro de morte surge escondido
entre tais gritos de aleluia.
Pela primeira vez na Era Bozofrênica, se
escuta um apelo contrário à pulsão de morte ecoado de dentro do templo
direitista. É cedo ainda para dizer, mas não deixa de ser uma bonança o
ministro evangélico votar contra o incentivo à violência física (não é figura
de retórica: o deputado clamou que os juízes do STF fossem agredidos). Não apenas
ao se posicionar na Corte, como principalmente ao se defender dos ataques dos
próceres evangélicos, cujas declarações pós-julgamento colocam a ideologia
acima de qualquer ensejo teológico.
É luta política com verniz religioso. Nada
cristão. O deputado não traz um conteúdo revolucionário, como os sicários ou
zelotes, inimigos dos domínios romanos, para ser fielmente defendido pelos
políticos da bancada evangélica.
O voto e a justificativa do ministro
Mendonça sugerem haver uma discordância entre as denominações terrivelmente
evangélicas. Dissenso que mostra a diferença de interpretação nos instrumentos
de luta — não à liberdade de violência e ao livre-arbítrio do incentivo ao
ódio.
Começa a haver de fato uma demarcação de
terreno entre os fiéis cristãos e os aproveitadores do templo? Nada indica que
haja verdadeiramente um racha entre a extrema direita, com seu discurso de
constante clivagem, e a pregação política de parte dos pastores. Mas o tuitado
ataque de consciência do ministro Mendonça, que lembrou outras maneiras de
“fazer as coisas”, se posiciona de maneira contundente à opção pela
incivilidade pregada por Silveira e apoiada pelo pensamento miliciano.
Talvez os milagres existam.
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