Valor Econômico
Como Lula atrairá os arrependidos de votar
em Bolsonaro?
Uma das características mais marcantes da
eleição deste ano é a definição de voto antecipada por boa parte dos eleitores.
De acordo com o último Datafolha, que foi a campo em 22 e 23 de março, 67% dos
entrevistados afirmam que já estão totalmente decididos sobre o seu voto para
presidente em outubro deste ano. A diferença em relação a 2018 é gritante:
faltando menos de um mês para o primeiro turno, apenas 55% dos eleitores haviam
definido seu candidato no pleito que elegeu Jair Bolsonaro.
A principal explicação para essa consolidação precoce das escolhas eleitorais deve-se ao fato, único até aqui em nossa história, de termos uma disputa centrada entre um presidente em busca de reeleição, de um lado, e um ex-presidente querendo uma volta triunfal ao poder, de outro. E como nada indica que surgirá um terceiro nome que seja capaz de romper esse antagonismo, 80% dos eleitores de Bolsonaro e 78% dos adeptos de Lula afirmam que não mudam de opinião de jeito nenhum até outubro.
As muitas pesquisas publicadas nas últimas
semanas indicam Lula estabilizado na liderança, enquanto Bolsonaro cresce
lenta, porém continuamente, impulsionado por uma série de fatores: a saída de
Sergio Moro da disputa, o uso do bilionário Orçamento secreto para consolidar
apoios regionais e levar obras ao interior do Norte e do Nordeste, a ampliação
do número de beneficiários e do valor do Auxílio Brasil, a vida retornando ao
seu normal à medida em que o pior da pandemia parece ter ficado para trás...
Muitos apoiadores de Lula argumentam que a
ascensão de Bolsonaro não é sustentável, tendo em vista a grave situação
econômica do país. Inflação em alta, desemprego elevado, crescimento anêmico e
superendividamento das famílias são males que afligem o bolso do eleitor e
cobrarão caro da popularidade de Bolsonaro quando o cidadão entrar na cabine de
votação.
Mas muitos não se deram conta ainda de que
os ventos parecem ter parado de soprar contra Bolsonaro. As chuvas de verão
encheram os reservatórios e permitiram ao governo retirar a sobretaxa nas
contas de energia elétrica. Com o “fim” da pandemia, serviços como bares,
restaurantes e toda a cadeia do lazer e do turismo, que são intensivos em mão
de obra, voltaram a funcionar normalmente, impulsionando o emprego. No campo da
inflação, a queda na taxa de câmbio e uma possível normalização da guerra na
Ucrânia aliviam a pressão sobre os preços dos combustíveis e dos alimentos.
Daqui a alguns meses, quando a campanha
esquentar, Bolsonaro terá não apenas números menos ruins para apresentar, como
já tem pronta a justificativa para os eleitores: a pandemia e a guerra
impediram que ele entregasse os resultados econômicos prometidos em 2018.
Na busca por mais um mandato, parece claro
que Bolsonaro investirá pesadamente, nos próximos meses, em reconquistar a
confiança de quem votou nele em 2018, mas se decepcionou ou até mesmo se
arrependeu devido à gestão do atual presidente.
Comparando-se as intenções espontâneas de
voto na véspera do primeiro turno da eleição passada com a leitura do Datafolha
no fim de março passado, Jair Bolsonaro encolheu de 32% para 23%, enquanto seus
adversários petistas subiram de 22% em 2018 (soma de menções a Haddad,
“candidato do Lula” e “candidato do PT”) para os 30% de Lula atualmente.
Decompondo essas diferenças por segmentos,
podemos perceber que a intenção de voto em Bolsonaro caiu mais fortemente entre
os homens (10 pontos), os mais jovens (14 pontos na faixa de 16 a 24 anos e 12
pontos entre 25 e 34 anos), no grupo de quem possui ensino superior (15 pontos
a menos) e na faixa de renda mais alta (entre 12 e 13 pontos no segmento com
renda superior a 5 salários-mínimos). Em termos regionais, as áreas em que
Bolsonaro perdeu mais prestígio foram no Sudeste e no Centro-Oeste/Norte (13
pontos percentuais em cada) e também no Sul (10 pontos). De modo geral, também
é esse o perfil de quem admite mudar de voto até outubro.
Bolsonaro conhece a fórmula para trazer
novamente para o seu lado o cidadão homem, jovem, de escolaridade e renda mais
altas e morador do centro-sul do país. Sua missão será convencer essa parcela
significativa da sociedade a relativizar os mais de 660 mil mortos pela
pandemia, o boicote à vacina contra a covid, o litro de gasolina a R$ 8 e as
ameaças contra as instituições democráticas despertando em seu íntimo o
sentimento antilulista, as denúncias de corrupção do mensalão e do petrolão e
os erros da gestão econômica petista que levaram à grande recessão de 2015 a
2017.
Bolsonaro joga em duas frentes para reduzir
a vantagem de Lula nas pesquisas: de um lado, usa a máquina do Estado para
minar em parte a liderança petista no Norte e no Nordeste; de outro, vai
explorar à exaustão as redes sociais para acirrar a aversão ao PT que o elegeu
em 2018 depois de quase dar a vitória a Aécio Neves quatro anos antes.
Para consolidar sua vitória, Lula sabe que
precisa neutralizar esse sentimento antipetista para viabilizar sua vitória;
tanto que trouxe o ex-tucano Geraldo Alckmin para ser seu vice, a contragosto
da maioria dos filiados ao PT.
E aí reside o dilema lulista em 2022. Desde
a Lava-Jato, o impeachment de Dilma e a prisão de Lula em Curitiba, os petistas
anseiam por uma radicalização à esquerda. O problema é que os votos que faltam
para se atingir a maioria são conservadores e têm aversão a muitas das pautas e
das figuras do PT.
Ao ouvir Alckmin aos berros numa assembleia
de sindicalistas, ao saber que as propostas econômicas do PT estão sendo
elaboradas sob o comando de Aloizio Mercadante e ao ver Gleisi Hoffmann
coordenar a campanha de Lula, o eleitor que votou “17” em 2018, mas se
arrependeu, volta a pensar em confirmar o “22” em outubro deste ano.
Apesar de todas as barbaridades cometidas
pelo atual governo, o bolsonarista arrependido só cogitará votar em Lula se
tiver garantias na economia, nas alianças políticas e no discurso de que um
eventual terceiro mandato do petista será mais conservador do que ele nunca
foi.
Do contrário, as ovelhas desgarradas
voltarão para os braços do ex-capitão.
*Bruno Carazza é mestre em economia e doutor em direito, é autor de “Dinheiro, Eleições e Poder: as engrenagens do sistema político brasileiro” (Companhia das Letras)”.
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