Folha de S. Paulo
Nova agenda para o STF: julgar ataques à
corte ao invés de arbitrar conflitos entre poderes
"Nunca antes o Supremo Tribunal
brasileiro pôde exercer sua missão específica de árbitro da legalidade,
contendo os excessos do Executivo", notou Afonso Arinos em 1958. O
diagnóstico é preciso: "Desde o princípio, o STF fracassou na sua missão.
Fracassou com Floriano, com Hermes, com Vargas. A instituição em seu conjunto
naufragou historicamente, na fraqueza, na omissão e no conformismo".
Nos anos que se seguiram o quadro só
piorou. Na última década, o STF tornou-se hiperprotagonista do jogo político.
Não se trata de algo trivial, mas da maior transformação em nosso sistema
político pós 88. Terá também fracassado com Lula, Temer e Bolsonaro? Não,
hiperprotagonismo não significa sucesso. O juízo mais acertado é falar de
muitos resultados positivos com grandes retrocessos.
São três as principais razões para o hiperprotagonismo. A primeira é a hiperpolitização do STF, produto da combinação de desenho institucional e da própria magnitude do que entrou na sua agenda. Ela é produto de sua insólita atuação como corte criminal e de tribunal recursal em um contexto de mega escândalos de corrupção e que levaram centenas de agentes políticos, inclusive presidentes e chefes de poderes legislativos, aos bancos dos réus e à prisão.
Como consequência, a corte atraiu ataques
políticos que se intensificaram do julgamento do mensalão ao do petrolão,
enfraquecendo-a junto à opinião pública. Como mostrou Helmke, em análise de 472
ataques às cortes na região, um dos seus determinantes principais é seu desgaste junto à
opinião pública. A segunda razão foi o impeachment presidencial e o imbróglio
Temer. O efeito foi similar ao anterior.
A terceira é a emergência de um presidente
iliberal, francamente hostil à ordem constitucional, inaugurando nova era de
confronto aberto. Alimentando-se do conflito e da instabilidade, o presidente
cria ou atiça os incêndios institucionais. Assim, os ataques mudam de registro
partidário, o que universaliza as hostilidades contra a corte. O STF escolheu
que batalha travar —a Lava Jato ou a nova ameaça— e optou pela última. Abriu-se
assim uma caixa de pandora.
Há agora fato novo crucial: a arbitragem
constitucional mudou de chave. Não se trata de conter os excessos do Executivo
ou de conflitos interpoderes envolvendo o Legislativo, mas de responder os
ataques à própria corte, o que é inédito.
O STF está ele próprio sob ataque, o
que deflagra respostas hiperbólicas num crescendo. Isso não é
trivial porque as cortes constitucionais falam por último nas democracias.
E terão que, por construção, julgar os ataques de que são vítimas. O que
contribui para alimentar o vórtice institucional.
*Professor da Universidade Federal de Pernambuco e ex-professor visitante do MIT e da Universidade Yale (EUA).
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