Macron vence Le Pen na França e volta a barrar ultradireita, mas promete mudanças
Michele Oliveira, Alexandra Moraes Folha de
S. Paulo
MILÃO e PARIS - O presidente Emmanuel
Macron, 44, foi reeleito, neste domingo (24), para mais cinco anos como
presidente da França. Pouco depois da meia-noite pelo horário local, com 100%
das urnas apuradas, o político de centro-direita tinha 58,55% dos votos, à
frente de Marine
Le Pen,
53, com 41,45%.
Os números são praticamente os mesmos que
haviam sido apontados pelas projeções divulgadas logo após o fechamento das
urnas, às 20h no horário local (15h de Brasília), 58,2% e 41,8% —as estimativas
são calculadas a partir dos resultados das seções eleitorais que encerram
primeiro a votação.
Quinze minutos depois da divulgação da
projeção, Le
Pen já admitiu a derrota em discurso a apoiadores, buscando manter sua
base mobilizada de olho na eleição legislativa de junho. O presidente se torna,
agora, o quarto mandatário reeleito na Quinta República, como é chamado na
França o período após 1958. O feito não era alcançado havia 20 anos,
quando Jacques
Chirac venceu o pai de Marine, Jean-Marie Le Pen.
A apoiadores no campo de Marte, em Paris, em frente à Torre Eiffel, Macron agradeceu a vitória, dizendo que será sua responsabilidade encontrar uma resposta para o que chamou de raiva que teria movido os eleitores da rival. Ele fez menção àqueles que "votaram em mim não porque apoiam minhas ideias, mas para bloquear a ultradireita".
Reconheceu que a França sai da eleição como
um país dividido e prometeu: "Ninguém vai ser deixado para trás". Na
citação ao nome da adversária, parte do público ensaiou uma vaia e sugeriu que
a derrotada se mudasse para Moscou —sua ligação com a Rússia de Vladimir Putin
foi repisada ao longo da campanha. Macron então interrompeu o discurso para pedir
que ela não fosse apupada. "De agora em diante, não sou o candidato de um
partido, mas sim o presidente de todas e todos."
Afirmou
ainda que seu segundo mandato não será de continuidade e prometeu
cinco anos melhores para o país e para os mais jovens. "Não devem ser anos
tranquilos, mas serão históricos", disse. E anunciou que vai trabalhar por
uma França republicana, mais comprometida com os valores sociais e verdes. O
político, que chegou ao campo de Marte ao som da "Ode à Alegria",
hino da União Europeia, ao final de seu discurso de cerca de dez minutos ouviu
o hino francês, emocionado, ao lado da mulher.
Antes mesmo de sua fala, líderes como
Charles Michel (presidente do Conselho Europeu), Ursula von der Leyen
(presidente da Comissão Europeia), Mark Rutte e Alexander de Croo (premiês de
Holanda e Bélgica) cumprimentaram o presidente reeleito. Os líderes da
Alemanha, Olaf Scholz, e do Reino Unido, Boris Johnson, enviaram mensagens na
sequência.
Segundo o Palácio do Eliseu, o primeiro
telefonema após a divulgação das projeções foi com o premiê alemão. O
brasileiro Jair Bolsonaro, até pouco depois das 20h de Brasília, não havia se
manifestado sobre o pleito francês.
Eleito em 2017 como uma lufada de centrismo
na polarizada sociedade francesa, Macron continuará como chefe de Estado da
sétima maior economia do mundo e a segunda da União
Europeia, bloco do qual é um dos países fundadores. Com 67 milhões de
pessoas, a França é o maior país da UE em território. É ainda um dos cinco
membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU, com poder de veto.
A posse para o novo mandato deve acontecer
até o dia 13 de maio.
A disputa foi uma repetição do segundo turno de 2017, mas marcada por uma diferença bem menor entre os dois candidatos. Cinco anos atrás, Macron obteve 20,7 milhões de votos e venceu por 66,1% a 33,9%. Desta vez, o resultado de Le Pen é o melhor da história para um candidato da ultradireita, que tenta chegar ao poder desde 1974, quando seu pai disputou a Presidência pela primeira vez.
Le Pen foi a primeira a votar neste
domingo, por volta das 11h (hora local), em Hénin-Beaumont, no norte do país.
Cerca de duas horas depois, Macron, acompanhado da mulher, Brigitte, compareceu
à sua seção em Le Touquet, também no norte.
A abstenção foi de 28,01%, a mesma indicada
pelas projeções dos institutos Ipsos e Ifop (Instituto Francês de Opinião
Pública) —o número fica abaixo apenas do recorde de 1969 (31,3%), na disputa
entre Georges Pompidou e Alain Poher.
O voto não é obrigatório na França.
Diferentemente de 2017, quando concorria a
um cargo pela primeira vez, por um partido lançado havia apenas um ano, A
República em Marcha, Macron agora enfrentou nas urnas a avaliação de seu
primeiro mandato por uma população
em parte insatisfeita com o aumento do custo de vida, diante de uma
inflação anual de 5,1%, registrada em março —há um ano, o índice era de 1,6%.
O tema, inclusive, ocupou
grande espaço no debate eleitoral e foi uma das principais bandeiras
de sua adversária, que apresentou promessas como a redução de impostos, de 20%
para 5,5%, sobre os preços
da eletricidade e dos combustíveis. A estratégia, aliada a uma campanha que
percorreu o interior do país e as periferias urbanas, contribuiu
para que Le Pen conquistasse resultados expressivos nos dois turnos
—no primeiro, ela ficou em segundo lugar, com 23,15% vos votos.
Macron, que terminou a primeira fase com
27,85%, dedicou menos tempo à campanha na etapa inicial. Envolvido nas
tratativas diplomáticas que envolvem a Guerra da Ucrânia, ele só confirmou
sua candidatura um
dia antes do prazo final, em 3 de março, uma semana após o início do
conflito.
Além dos dois, a disputa incluiu outros dez
candidatos, e uma das surpresas foi a votação
expressiva do terceiro colocado, o ultraesquerdista Jean-Luc Mélenchon,
que atraiu 21,95% dos eleitores. Seu desempenho, especialmente entre os mais
jovens, fez com que Macron e Le Pen ampliassem a atenção ao campo da esquerda
no segundo turno, com promessas dedicadas a temas sociais e ambientais.
Na véspera da votação, aqueles que
declararam ter votado em Mélenchon no primeiro turno se dividiam em relação à
decisão deste domingo: 41% anunciavam voto em Macron, 21%, em Le Pen, e 38% não
se manifestaram.
O
ultraesquerdista em si não apoiou claramente o presidente, mas recomendou
aos seus partidários que não dessem "um único voto" a Le Pen. Neste
domingo, após a divulgação das projeções, o político repetiu o pedido para que
os franceses o elegessem primeiro-ministro, votando em peso em seu partido,
França Insubmissa, nas eleições legislativas —chamadas por ele de
"terceiro turno" desta disputa.
Em 2017, o partido de Macron foi o mais
votado para a Assembleia Nacional, e o atual premiê, Jean Castex, é seu aliado.
Considerado o presidente francês mais
europeu da história recente, Macron recebeu o apoio de parte dos líderes do
bloco, numa manifestação sobre assuntos domésticos considerada rara na UE. O
alemão Olaf Scholz, o espanhol Pedro Sánchez e o português António Costa se
mostraram, em artigo no jornal Le Monde, temerosos
dos efeitos de uma vitória de Le Pen,
política que sempre teve um forte discurso eurocético e de relações
antigas com o presidente russo, Vladimir Putin.
Se na eleição anterior a ultradireitista
defendia a saída da França do bloco, agora passou a dizer que o ideal era uma
reforma "por dentro". Entre suas promessas mais polêmicas estavam
medidas para priorizar o acesso de franceses sobre imigrantes a emprego e
habitação social e o controle de mercadorias nas fronteiras, o que entraria em
choque com pontos fundamentais da UE.
Macron, em sua campanha, prometeu continuar
trabalhando pela soberania europeia. A expressão, cunhada por ele desde o
início do mandato, significa tornar o bloco mais autônomo tanto
em termos de Defesa quanto na economia.
Além disso, anunciou a intenção de acelerar a transição energética, ampliando a participação de matrizes nuclear, solar e eólica. No plano socioeconômico, defendeu a elevação da idade para aposentadoria de 62 para 65 anos, o que deve enfrentar a resistência de parte dos franceses.
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