Editoriais
Lei que impõe teto ao ICMS não passa de
demagogia
O Globo
É uma infeliz ironia que o Congresso esteja
tão empenhado em votar o Projeto de Lei que impõe um teto ao Imposto sobre Circulação de
Mercadorias e Serviços (ICMS) cobrado de energia e
combustíveis, enquanto segue a passo de tartaruga a Proposta de Emenda
Constitucional 110 (PEC 110), que estabelece uma reforma tributária abrangente,
unificando o mesmo ICMS e outros tributos para criar um imposto dual e
equilibrar demandas da União e dos entes federativos.
Para o governo, porém, a extensa negociação
que resultou na PEC 110 e daria um passo fundamental para trazer alguma
racionalidade ao inferno tributário brasileiro é irrelevante diante da
necessidade de tomar qualquer medida demagógica para segurar o preço dos
combustíveis, do gás e da luz elétrica. De olho nas eleições de 2 de outubro, o
Congresso está prestes a criar mais um remendo injustificável no já convoluto
emaranhado de impostos.
Na semana passada, a Câmara aprovou o texto que estabelece um limite de 17% a 18% ao ICMS cobrado de combustíveis, gás, energia elétrica, comunicações e transporte coletivo. De forma atabalhoada, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), promete levar o projeto direto ao plenário para a votação, enquanto a apreciação da PEC 110 foi adiada ontem de novo na Comissão de Constituição e Justiça.
A pressa é absurda por pelo menos dois
motivos. Primeiro, o contraste com o tratamento dado à PEC 110 demonstra a
incapacidade de escolher prioridades. Enquanto a urgente reforma tributária
anda em marcha lenta, deputados e senadores correm para aprovar uma medida
casuística. Segundo, porque o texto sob análise do Senado cria um sem-número de
novos problemas sem resolver os atuais.
O argumento de quem defende o teto do ICMS
é conter a alta dos combustíveis e da energia. O efeito imediato, dizem
analistas financeiros, seria um recuo de até 1,5 ponto percentual na inflação
deste ano. Seria uma queda respeitável, mas ela está longe de garantida. Pelas
contas da Secretaria da Fazenda de São Paulo, limitar o ICMS levaria a um
abatimento de mísero R$ 0,12 no litro de combustível, hoje vendido acima dos R$
7. Qualquer flutuação do barril do petróleo eliminaria o ganho.
Ao mesmo tempo, a medida criaria um rombo
anual de até R$ 90 bilhões no caixa de estados e municípios. Isso obviamente
tem impacto fiscal. Hoje os cofres dos entes federativos estão cheios devido à
regra que impediu reajustes ao funcionalismo na pandemia. Mas a onda de
reposições já começou, e a situação se deteriorará. Se estados e municípios
obtiverem as compensações que reivindicam, caberá à União arcar com o prejuízo,
sacrificando o resultado primário necessário ao combate à inflação. Para não
falar em mais complicação na barafunda tributária, no risco de judicialização e
de o tema cair no colo dos ministros do Supremo.
A alta dos preços dos combustíveis é
circunstancial, ao passo que os efeitos de uma mudança no ICMS serão
duradouros. Uma solução bem mais razoável para momentos como o atual seria
criar subsídios por meio de créditos extraordinários ou de um fundo, financiado
possivelmente com os dividendos pagos pela Petrobras e demais empresas ao
Tesouro. A conta também seria paga pelo contribuinte, mas o mecanismo seria
mais transparente e adequado. Só que o Ministério da Economia é contra, e o
interesse dos congressistas é puramente eleitoreiro.
Câmeras nos uniformes de PMs são esperança
para reduzir letalidade
O Globo
Um ano depois da operação policial mais
letal da História do Rio, que deixou 28 mortos no Jacarezinho, e quase uma
semana depois do morticínio na Vila Cruzeiro, onde uma ação desastrada do
Batalhão de Operações Policiais Especiais (Bope) e da Polícia Rodoviária
Federal produziu 23 vítimas, PMs do Rio começaram a usar câmeras em seus
uniformes, medida que faz parte de um programa para reduzir a letalidade nas
operações.
Por enquanto, a iniciativa contempla apenas
1.637 policiais de nove das 39 unidades da PM. Lamenta-se que o estado,
mimetizando o governo Bolsonaro, tenha imposto sigilo de um ano para acesso
público às imagens, reduzindo a transparência de um sistema que vem justamente
para esclarecer. Mas não deixa de ser um passo importante. Medida prevista no
plano de redução da letalidade policial apresentado pelo governo fluminense ao
Supremo Tribunal Federal, a instalação das câmeras deverá ser ampliada
gradativamente até incluir todos os quartéis da PM.
Infelizmente, ações como as de Jacarezinho
e Vila Cruzeiro não são exceções. Historicamente a polícia fluminense apresenta
índices inaceitáveis de mortes em suas operações. Segundo o Monitor da
Violência, parceria do g1 com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública e o
Núcleo de Estudos da Violência da USP (NEV-USP), no ano passado o Brasil
registrou queda de 4,5% no número de civis mortos por agentes do Estado. No
Rio, houve alta de 9%. Em 2021, as polícias do estado mataram 1.356 civis. De
acordo com o levantamento, elas são responsáveis por duas em cada dez mortes
desse tipo no país. Com 7,8 mortes de civis por 100 mil habitantes, a polícia
fluminense é a quarta mais letal do Brasil, atrás apenas de Amapá, Sergipe e
Goiás.
Não só no exterior, como dentro do próprio
Brasil, o uso de câmeras em uniformes tem sido uma experiência bem-sucedida
para conter a letalidade policial. A iniciativa já é adotada com bons
resultados em São Paulo, Santa Catarina e Rondônia. Em São Paulo, houve queda
de 30% no número de civis mortos pela polícia no ano passado. As câmeras não
foram o único fator a contribuir, mas tiveram papel fundamental. A redução foi
liderada pelos batalhões que passaram a usar o equipamento de gravação.
Está claro que ações letais como as de
Jacarezinho e Vila Cruzeiro pouco ou nada contribuem para reduzir os índices de
criminalidade. Tão logo os blindados deixam as comunidades, volta tudo ao que
era. Ao longo de décadas, a política do confronto tem feito milhares de
vítimas, muitas inocentes, sem resultados práticos. As câmeras são uma
esperança de que as ações ocorram dentro da legalidade e de forma mais
racional. É um erro achar que a implantação do equipamento prejudica os
policiais. Ao contrário, é uma garantia para eles e para os cidadãos. A polícia
continuará fazendo seu trabalho, necessário para enfrentar a violência. A única
diferença é que agora, quando houver dúvidas, dá para conferir no vídeo. Por
isso mesmo, não faz sentido manter as imagens sob sigilo.
Público e justo
Folha de S. Paulo
Cobrança em universidade é socialmente
correta, com atenção a critérios de renda
Por medo de polêmica em ano eleitoral, o
Congresso perde oportunidade de avançar em um debate importante para o país —a
possibilidade de cobrança de mensalidades em instituições públicas de ensino
superior. Proposta de emenda constitucional nesse sentido acabou
retirada da pauta pela Câmara dos Deputados nesta semana.
Trata-se de um erro dos legisladores. Passa
da hora de reexaminar o modelo nacional de financiamento das universidades. O
ensino superior, sobretudo quando de qualidade e vinculado à pesquisa, é
atividade extremamente onerosa.
Essa conta recai sobre o estudante e sua
família ou sobre o contribuinte —ou uma combinação dos dois. Não há alternativa
mágica.
Considerando que a obtenção de um diploma
universitário tende a fazer com que o concluinte tenha seus rendimentos futuros
substancialmente majorados, o mais justo é que ele mesmo arque com as despesas
de sua formação.
Um médico ou um engenheiro recebe salários
de 15 a 20 vezes superiores à média nacional ao longo de sua vida profissional.
Empurrar toda a conta de seu curso para o conjunto da população significa pôr
pobres a subsidiar ricos.
Ninguém menos do que Karl Marx diz isso com
todas as letras em sua "Crítica ao Programa de Gotha", na qual
condena a gratuidade de universidades públicas.
É intrigante, portanto, ver a esquerda, que
empunha a bandeira da redução das desigualdades, atuar como um dos principais
entraves à PEC que permitiria a cobrança. É provável que essa posição tenha
mais a ver com corporativismo do que com ideologia.
Nas instituições em que alunos pagam
mensalidades, a cobrança sobre professores e funcionários por qualidade tende a
ser maior.
Obviamente, nem todos os estudantes se
formam em medicina ou engenharia —e há aqueles para os quais qualquer
pagamento, mesmo que de valor simbólico, inviabilizaria a permanência no curso.
Para esses casos existem opções engenhosas.
Uma possibilidade é que alunos formados em universidades públicas paguem
durante algum tempo um adicional de Imposto de Renda para compensar os gastos
do Estado em sua formação.
A vantagem desse mecanismo é que ele só
oneraria pessoas que de fato viessem a extrair proveito individual de sua
formação, poupando aqueles que optam por cursos ou carreiras menos rentáveis ou
que, por contingências da vida, não experimentem sucesso profissional.
Além disso, a norma permitiria cobrar
futuramente de todos, não apenas dos alunos "que têm condições". A
expressão destacada pelas aspas é daquelas que geram discussões intermináveis e
fatalmente levariam à criação de uma burocracia universitária para fiscalizar
estudantes e suas famílias.
Mais que o trânsito
Folha de S. Paulo
Índice aponta condição da mobilidade
urbana; pedágio urbano é opção a considerar
Apesar de avanços recentes, as capitais
brasileiras padecem ainda, em maior ou menor grau, de graves problemas
relacionados à mobilidade urbana. Vias entupidas e um transporte público
precário são apenas alguns dos transtornos enfrentados diariamente por dezenas
de milhões de cidadãos.
Uma análise criteriosa dessa realidade,
contudo, pode revelar detalhes que, embora não invalidem o diagnóstico geral,
permitem uma avaliação mais precisa e, principalmente, comparativa das
dificuldades e dos progressos obtidos pelas maiores cidades do país.
É o que propõe o recém-lançado
Índice Folha de Mobilidade Urbana. Calculado com base em 13 critérios
—entre eles conectividade da rede viária, malha de ciclovias, números de
acidentes e emissões de dióxido de carbono—, o indicador busca aferir aspectos
relacionados à qualidade do trânsito e em que medida eles atendem aos imperativos
da sustentabilidade.
Trata-se uma versão resumida do Índice de
Mobilidade Urbana Sustentável, que utiliza 87 indicadores e origina-se de uma
tese de doutorado apresentada na Escola de Engenharia de São Carlos, da USP.
A ferramenta classifica cada cidade num
nível crescente de qualidade, dentro de uma escala variando de 0 a 1 —e os
resultados mostram que as grandes cidades ainda têm muito chão a percorrer para
uma mobilidade sustentável.
Com 0,543, número apenas pouco acima do
valor intermediário, Fortaleza
foi a mais bem colocada dentre as capitais. O pelotão superior inclui
somente outras três cidades: Aracaju, São Paulo e Curitiba. Na ponta de baixo
aparecem Palmas, São Luís e Porto Velho.
A restrição à circulação de veículos
particulares constitui uma das providências que, no entender desta Folha, mais podem contribuir
para a melhoria da mobilidade nas maiores metrópoles.
Deve-se considerar, nesse sentido, a
implementação do pedágio urbano em zonas centrais —que, além de aliviar o
trânsito e reduzir a poluição, pode gerar recursos para investir no transporte
público.
Somadas a isso, a expansão de ciclovias,
linhas de trem e metrô e faixas de ônibus, bem como a redução de velocidade nas
vias urbanas, constituem o rol básico de soluções que todas as capitais
deveriam perseguir para tornar o deslocamento de seus moradores mais eficiente,
seguro e limpo.
Dinheiro público, desfaçatez privada
O Estado de S. Paulo
Sem qualquer controle, ‘Pix orçamentário’ financia gastos eleitoreiros de parentes de parlamentares, enquanto faltam recursos para as reais prioridades do País
O governo federal depositará na conta de
prefeituras escolhidas a dedo cerca de R$ 3,2 bilhões em plena campanha
eleitoral, mostrou recente reportagem do Estadão. Esse montante, indicado por parlamentares
por meio das chamadas “transferências especiais”, vulgarmente conhecidas como
“Pix orçamentário”, poderá ser usado livremente pelos prefeitos, que não terão
que prestar contas a rigorosamente ninguém, a não ser à consciência de cada
um.
O problema é que essa apropriação desavergonhada
do suado dinheiro público não parece tirar o sono dos envolvidos. Muitos
prefeitos sortudos são parentes dos deputados e senadores que indicam a
transferência dos recursos para seus municípios.
Cada parlamentar tem direito a indicar R$
18,4 milhões via “Pix orçamentário”, que assim é conhecido justamente porque o
dinheiro entra direto na conta das prefeituras e a transferência não está
submetida a qualquer tipo de escrutínio institucional. Trata-se de livre
disposição de dinheiro público, é tão simples quanto isso.
A fim de dar uma demão de moralidade nessa
bagunça, metade daquele montante deve ser empregada na área da saúde, ainda que
“saúde” seja um termo vago o suficiente para servir a muitos propósitos
estranhos – e de qualquer maneira ninguém, de fato, consegue fiscalizar onde e
como o dinheiro foi empregado. Já a utilização da outra metade fica
condicionada exclusivamente à vontade dos prefeitos – e, evidentemente, aos
acordos que eles firmaram para receber os recursos. Os prefeitos podem custear
a compra de tratores e ônibus, grandes ativos eleitorais, e podem bancar shows
para a população até uma semana antes da eleição. A burla da legislação
eleitoral é gritante.
O dinheiro do Orçamento que sobra para
essas ações eleitoreiras e, provavelmente, para o enriquecimento ilícito de
agentes públicos é o mesmo que falta para investimentos nas áreas da saúde,
educação, ciência e tecnologia e proteção do meio ambiente. Há R$ 3,2 bilhões
para comprar ônibus, tratores e bancar shows de artistas às vésperas da
eleição, mas não há, por exemplo, R$ 2,6 bilhões para o Fundo Nacional de
Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), o principal instrumento de
financiamento público de pesquisas científicas do País.
Algo está muito errado. Especialistas em contas
públicas ouvidos pelo Estadão foram
unânimes ao defender uma reforma urgente do Orçamento, que precisa se
reencontrar com as prioridades nacionais. Talvez seja hoje a principal agenda
nacional.
Se a deterioração moral e administrativa
que marca o atual governo não poupou área alguma, em poucas ela pode ser tão
sentida como no manejo do Orçamento. Esteio da administração pública, um
Orçamento que equilibre bem os interesses da sociedade é o retrato mais bem
acabado de uma democracia representativa saudável. Porém, em poucos momentos de
nossa história republicana, o Orçamento esteve tão descolado das prioridades
nacionais como agora, notadamente nos últimos dois anos.
A fraqueza do chefe do Poder Executivo é
diretamente proporcional à força acumulada por oportunistas no Poder
Legislativo. O patrimonialismo jamais se converteu em uma mazela superada,
marcando a experiência política do País há séculos. Entretanto, é possível
afirmar, sem correr o risco de cometer uma injustiça, que a atual legislatura é
uma das mais corrosivas ao Orçamento.
Nos últimos meses o Estadão tem revelado ao
País como o pavor do presidente Jair Bolsonaro de perder o cargo e, assim, ter
de responder à Justiça por seus atos e omissões resultou na captura do
Orçamento por lideranças do Congresso de forma absolutamente incompatível com o
arranjo institucional do Estado brasileiro inaugurado pela Constituição de
1988. Mais do que com a anuência, com a efetiva participação do Palácio do
Planalto, grande parte dos parlamentares, sob a liderança de próceres do
Centrão, se refestela com recursos públicos por meio de esquisitices como o
“orçamento secreto” e o “Pix orçamentário”, que afrontam, a olhos vistos, os
mais comezinhos princípios republicanos.
Fome à brasileira
O Estado de S. Paulo
Insegurança alimentar no Brasil cresce mais que no resto do mundo, como mostra a FGV; pandemia e guerra só aceleraram um problema que já vinha se agravando
Com a pandemia, a desigualdade, a pobreza e
a fome aumentaram no Brasil. Também aumentaram no mundo, e foram agravadas pela
guerra de Vladimir Putin e ainda mais por suas ações criminosas, como o
bloqueio naval do Mar Negro, o confisco de grãos e maquinários ucranianos e a
retenção de estoques na Rússia. O secretário-geral da ONU alerta para um
“furacão da fome”.
O paralelo pode servir de desculpa para a
resignação e, pior, de pretexto para a inação do poder público brasileiro.
Afinal, o Brasil não existe no vácuo e é impotente para alterar o curso das
grandes engrenagens planetárias.
Mas dados cotejados do Gallup World Poll
pelo pesquisador Marcelo Neri, da FGV Social, comprovam que o problema é bem
maior no Brasil. Ele antecede a pandemia, e os efeitos dela no País foram mais
profundos.
Entre 2019 e 2021, a parcela de brasileiros
a quem, no curso de 12 meses, faltou dinheiro para alimentar a si ou a família
subiu de 30% para 36%. Durante a pandemia, a insegurança alimentar no Brasil
subiu 4,48 pontos porcentuais a mais do que no resto do mundo.
Mas a pandemia só acentuou um mal que se
alastrava. Entre 2004 e 2013, a proporção de famílias em insegurança alimentar
caiu 35,2%. Em 2014 o Brasil saiu oficialmente do Mapa da Fome. Mas no mesmo
ano, com o fim do superciclo das commodities e, sobretudo, com os desmandos da
gestão Dilma Rousseff, a economia embicou para a pior recessão da história
recente. Entre 2013 e 2018, as famílias em insegurança aumentaram 62,3%.
Assim, se em 2014 o Brasil estava com
níveis de insegurança inferiores a 75% dos 141 países pesquisados pelo Gallup,
em 2021 atingiu um nível menor que 52% deles e passou, pela primeira vez na
série histórica iniciada em 2006, a ter níveis piores que a média global.
Tudo somado, em 7 anos a fome no Brasil
dobrou.
Mas além das medianas, o choque foi
brutalmente desproporcional entre ricos e pobres. Entre 2014 e 2021, a
insegurança alimentar entre os 20% mais pobres cresceu quase 40 pontos
porcentuais (de 36% para 75%), ultrapassando a média global (48%) e chegando a
um nível próximo a países com maior insegurança, como o Zimbábue (80%).
Enquanto isso, entre os 20% mais ricos a insegurança caiu três pontos (de 10%
para 7%), ficando um pouco abaixo do país com menos insegurança alimentar, a
Suécia (5%).
Os dados revelam ainda uma “feminização da
fome” na pandemia. Entre 2019 e 2021, enquanto a insegurança alimentar caía 1
ponto porcentual entre os homens (de 27% para 26%), ela aumentava 14 pontos
entre as mulheres (de 33% para 47%), possivelmente porque as mulheres foram
mais afetadas no mercado de trabalho, sendo mais demandadas em casa durante o
isolamento social e o fechamento das escolas. A diferença entre gêneros no
Brasil é hoje 6 vezes maior do que a média global.
A combinação dessas mazelas é catastrófica.
A insegurança alimentar está mais concentrada em indivíduos de meia-idade,
mulheres e pobres, que moram em domicílios com maior número de crianças. A fome
é um sofrimento infernal para adultos e crianças. Mas a subnutrição infantil
deixa sequelas físicas e mentais por toda a vida.
A desgraça é, antes de tudo, humanitária,
mas também socioeconômica. Entre outros efeitos, os problemas de alimentação
brasileiros estão associados à prevalência de doenças crônicas, baixo desempenho
escolar e baixa produtividade no trabalho. A fome no presente depaupera o
futuro.
A guerra deve agravar a inflação e a
escassez de alimentos no mundo nos próximos meses. Mais uma vez, o problema
tende a ser magnificado pelas precariedades econômicas peculiares do Brasil. A
inflação de 12 meses chega a 12%, e para a classe mais baixa está 1,9% acima da
mais alta. Os juros sobem e o desemprego persiste nos dois dígitos. A
estagflação foi pior para os mais pobres e tende a piorar.
A tragédia é ainda mais chocante quando se
considera que se passa no “Celeiro do Mundo”. Ou seja: não falta comida no
Brasil. Faltam renda, emprego, programas emergenciais e solidariedade. Se há
uma pauta primordial para as eleições, é a fome.
Teto do ICMS afeta educação
O Estado de S. Paulo
Projeto aprovado pela Câmara pode tirar até R$ 19,2 bilhões de fundo para o ensino básico
A iniciativa da Câmara dos Deputados de
reduzir o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) de
combustíveis e energia elétrica, criando uma alíquota máxima no País inteiro a
fim de frear a alta da inflação, pode acabar tirando recursos da educação
básica. O efeito perverso, porém previsível, parece ter passado despercebido
entre os deputados que votaram favoravelmente ao projeto de lei complementar
aprovado às pressas e sem maiores discussões na semana passada.
Em boa hora, o movimento Todos pela
Educação veio a público, na última segunda-feira, alertar para o risco de
perdas bilionárias nas redes municipais e estaduais de ensino − onde estão
matriculados oito em cada dez alunos no País. O prejuízo ameaça o Fundo de
Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos
Profissionais da Educação (Fundeb), principal mecanismo de financiamento da
rede pública de creches, pré-escolas e escolas de ensino fundamental e
médio.
De acordo com os dados divulgados pela
entidade, o Fundeb poderá perder até R$ 19,2 bilhões neste ano, caso o projeto
aprovado pela Câmara receba aval do Senado, onde já está em análise. O cálculo,
feito a partir de estimativas do Comitê Nacional de Secretários de Fazenda,
Finanças, Receita ou Tributação dos Estados e do Distrito Federal (Comsefaz),
considera tanto a diminuição da arrecadação dos Estados com o ICMS, cujas
perdas poderão subtrair até R$ 16,7 bilhões do Fundeb, quanto a consequente
queda de até R$ 2,5 bilhões na complementação federal ao fundo, uma vez que o
aporte da União é proporcional às receitas de Estados e municípios.
Em nota, o Todos pela Educação chamou a
atenção para o tamanho do desafio que as redes de ensino enfrentam após dois
anos de ensino remoto e híbrido na pandemia de covid-19. E destacou possíveis
consequências negativas decorrentes da perda de receitas do ICMS: atrasos na
construção de creches, problemas para contratação de transporte escolar
terceirizado e risco de comprometimento de ações estratégicas, como a ampliação
da oferta de ensino em tempo integral, a contratação de professores para aulas
de reforço, a formação docente e a disponibilização de psicólogos para os
alunos. “A prioridade de futuro do país, nesse momento, deve ser investir na educação
básica”, diz o texto, acrescentando que a proposta aprovada na Câmara “promove
o exato oposto”.
Outro ponto essencial diz respeito à criação de mecanismo para que o governo federal compense parte das perdas de arrecadação. Como o ICMS é o principal imposto para o financiamento da educação no País, com 20% de sua receita automaticamente direcionada para o Fundeb, faz-se necessário que a reposição de recursos, qualquer que seja o seu formato, garanta a injeção de receitas no Fundeb. Do contrário, não haverá certeza de que a compensação sirva para recompor o orçamento da educação básica. Nesse sentido, a entidade sugere que os senadores assegurem a reposição de pelo menos 37% das perdas dos Estados e de 40%, no caso dos municípios. O Senado fará bem ao ensino brasileiro se levar em conta os argumentos do Todos pela Educação.
Diesel escasso marcará a oferta no segundo
semestre
Valor Econômico
Intervenções para diminuir o preço
doméstico é um caminho para o desabastecimento
A pandemia de covid-19 reduziu também a
oferta de derivados de petróleo e a invasão da Ucrânia pela Rússia completou o
serviço, tornando estratosféricos os preços do diesel e mais próxima a
perspectiva de sua escassez em vários pontos do planeta no segundo semestre.
Uma demanda sazonalmente elevada será mal atendida por uma capacidade de refino
menor do que antes da pandemia e os estoques mais baixos do produto desde a
crise de 2008.
A baixa elasticidade do petróleo e seus
derivados impede que a elevação dos preços reduza rapidamente a demanda, de
forma que custos altos conviverão esporadicamente, e com graus diferentes de
intensidade, com a falta do diesel.
Pelo lado da oferta, a queda abissal da
demanda durante a pandemia provocou a redução da capacidade de refino de algo
entre 2,5 e 3 milhões de barris-dia. Os Estados Unidos, grande produtor e
exportador, enfrenta agora uma alta demanda com uma redução da capacidade de
produção de 1 milhão de barris, ou 5% (Bloomberg, 13 de maio) do refino total.
A Rússia, que mesmo com o cerco financeiro e o boicote a seus produtos, pode
estar vendendo mais petróleo hoje do que antes da guerra, especialmente para
China, Índia e Turquia, mas não tem tido o mesmo desempenho em relação ao
diesel. Ela ofereceu menos 1,3 milhão de barris em maio, a menor produção em 22
meses.
Se a pandemia reduziu a oferta, seu
arrefecimento provocou um grande salto da procura em curto espaço de tempo. Com
isso, quando estourou o conflito na Ucrânia, os estoques nos países
desenvolvidos, os principais consumidores, estavam em seus níveis mais baixos
em mais de uma década. Em maio, nos EUA, eles chegavam a 105 milhões de barris,
menor nível sazonal desde 2006 (Reuters, 19 de maio). Na Europa, em fins de
abril, somavam 378 milhões de barris, também para a época o menor volume desde
2008. Em Cingapura, não passavam de 6 milhões de barris, mais baixa quantidade
desde 2006.
A transição para a energia renovável
reduziu os novos investimentos na extração de petróleo e no refino. Um aumento
da oferta pelos principais refinadores, a curto prazo, será marginal. A
situação da Petrobras, que está usando pouco mais de 90% de sua capacidade de
refino hoje, é praticamente a mesma dos grandes refinadores mundiais.
O desequilíbrio entre oferta e demanda de
diesel também afeta os preços e as quantidades ofertadas dos demais derivados.
As refinarias estão demandando mais petróleo para acelerar a disponibilidade de
diesel, o que força as cotações do petróleo um pouco mais para cima. O tipo
Brent para entrega em julho foi cotado a US$ 123 o barril no fechamento de
maio, mais de 50% superior aos US$ 80 no início do ano. Por outro lado, com a
capacidade de refino limitada, as refinarias, ao privilegiar o diesel, reduzem
a produção de gasolina, cujos preços estão subindo e os estoques, encolhendo.
As perspectivas de curto prazo são
negativas. Não há sinais de fim à vista para o conflito na Ucrânia, o único
fato que poderia trazer alívio na oferta e nas cotações. As sanções à Rússia
provavelmente não terminarão com a guerra, o que deixará um importante produtor
à margem de boa parte dos mercados. Analistas estão prevendo uma temporada com
maior número de furacões nos Estados Unidos no segundo semestre. E “furacão”
foi a imagem usada ontem por Jamie Dimon, CEO do JP Morgan Chase, maior banco
americano por ativos, para definir a atual conjuntura econômica. Ele disse que
o petróleo poderá ir de US$ 150 a US$ 175 o barril no futuro próximo e que o
aperto monetário promovido pelo Federal Reserve amplia as incertezas. “Nunca
passamos por um ‘quantitative tightening antes”, afirmou.
A Argentina já enfrenta escassez pontual de
diesel em 8 províncias e racionamento em outras 7 (Gazeta do Povo, ontem),
inclusive Buenos Aires. A Petrobras alertou o governo para a possibilidade de
falta do produto. Não há boas opções a esta altura. Planejar um racionamento
garante racionalidade no uso de um recurso escasso, destinando-o para assegurar
abastecimento de bens e serviços essenciais. O governo indica que pretende
aumento dos estoques e acrescentar uma proporção maior de biodiesel, mas a
eficácia dessas medidas é limitada. Ambas elevariam os preços no curto prazo,
caso fosse possível antecipar compras em um mercado apertado.
O Brasil tem um problema a mais:
intervenções para diminuir o preço doméstico e por em risco as importações. É
um caminho para o desabastecimento.
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