Saber como se desenvolveu e os fundamentos da escravidão no País, assim como o processo de libertação da escravatura até à atualidade, são desafios para avançarmos e superarmos a difícil realidade que vivem os negros ainda hoje no Brasil.
As lutas de libertação e a abolição da
escravatura
A escravidão africana, até meados do século
XIX, era um dos fundamentos da vida econômica na América e na Europa. Fazia
parte da estrutura das relações políticas, econômicas e sociais; base de
acumulação de riqueza dos países da Europa, inclusive da Inglaterra, berço da
revolução industrial. A mão de obra
escrava foi o fundamento da economia colonial na América, como as máquinas da
primeira revolução industrial foram primordiais no desenvolvimento capitalista,
a partir do século XVIII na Europa.
A cultura do racismo nasce como uma maneira de
exclusão dos povos africanos da vida e das conquistas da sociedade humana,
durante o século XV, deixando marcas profundas até à atualidade. Desde então, a
escravidão passou a ser diretamente relacionada aos povos africanos, como uma
maldição, a partir de uma visão cultural e religiosa eurocêntrica nas colônias
da América, na Europa e no próprio continente africano. O Brasil foi o país de
maior concentração de escravos africanos do mundo. Chegou a uma população de 5
milhões deles ao longo de mais de 300 anos em que perdurou a escravidão negra
no Brasil.
O escravagismo na América já tinha precedentes
no continente e, com a chegada de Cristóvão Colombo, em 1492, iniciou-se um
massacre e a escravização destas populações indígenas, em todo o continente
americano, inclusive no Brasil, a partir da colonização portuguesa.
Até o inicio do século XIX, os colonizadores portugueses mataram, a cada 100 anos, em torno de 1 milhão de indígenas através de guerras de extermínio, doenças e enfermidades trazidas com a colonização europeia. Dos 4 milhões de índios existentes na chegada de Pedro Álvares Cabral, a população indígena foi reduzida a menos de 1 milhão de pessoas no início do século XIX, quando a família real chegou ao Brasil.
O movimento abolicionista
A existência anterior da escravidão na
história da humanidade, inclusive a escravidão de brancos e de indígenas, não
traz relatos de sofrimentos e de perdas tão significativas e duradouras como o
escravagismo dos povos africanos, realidade que nos agride como humanidade, até
os tempos atuais.
O abolicionismo consolidou-se como uma das
formas mais representativas dos movimentos políticos do século XIX, que tinha
como objetivo o fim do comércio de escravos africanos e a abolição da
escravatura.
No Brasil, as leis abolicionistas decretadas
entre 1850 e 1888 refletiam os conflitos e as contradições do período
monárquico frente à pressão dos abolicionistas e das lutas da população negra
organizada que resistiu de diversas formas, de maneira destacada nos quilombos,
desde o início da escravidão no Brasil, no final do século XVI.
A abolição da escravatura no Brasil, em 13 de
maio de 1888, assinada pela princesa Isabel, foi fruto das mudanças que já
vinham acontecendo na sociedade brasileira, pressionada pelas transformações
políticas, econômicas e sociais que aconteciam na Europa, na própria América, a
exemplo do movimento de libertação dos escravos no Haiti que foi fundamental na
proclamação da República naquele pais. Aqui, o fim da escravidão atendia aos
interesses da Inglaterra, em plena industrialização, que necessitava de mercado
e matéria prima fora do continente europeu para consolidar a sua hegemonia no
cenário internacional.
As leis abolicionistas no Brasil promoveram a
emancipação dos escravos, de maneira gradual. A primeira foi a Lei Eusébio de
Queiroz, em 1850. Posteriormente, a Lei do Ventre Livre, em 1871, e a Lei dos
Sexagenários, em 1885. Finalmente, a lei assinada pela princesa Isabel, em 13
de maio de 1888, que punha fim à escravidão no País. As principais lideranças
negras abolicionistas foram André Rebouças, José do Patrocínio e Luiz Gama.
Ainda devem ser destacadas as lideranças femininas de Maria Tomásia, Adelina e
Maria Firmina dos Reis, entre outras abolicionistas brasileiras.
Não se deve esquecer que a abolição da
escravatura aqui atendeu aos interesses das oligarquias nacionais que já não
podiam manter o custo da mão de obra escrava, base da acumulação da riqueza
colonial, ainda em função da realidade internacional e em razão do que o Brasil
já representava em função das suas riquezas naturais, particularmente minerais,
produção/potencialidades agrícola e pecuária, um espaço de acumulação e de
mercado da economia capitalista mundial.
Em uma outra perspectiva, acontece a luta dos quilombolas.
Os quilombos eram organizados como espaços de resistência, de libertação, no
caminho de construção de novas relações políticas, econômicas e sociais. O de
Palmares é o mais conhecido e aclamado com a liderança de Zumbi, cuja data de
sua morte, 20 de novembro, passou a ser a data nacional de resistência e de
luta pelos direitos da população negra no Brasil, desde 2011.
A liberdade obtida pelos negros é o resultado
das lutas de resistência dos movimentos de libertação, desde quando os(as) escravos(as)
chegaram ao Brasil, dos movimentos quilombolas e dos abolicionistas, de
resistências e de conquistas no processo de emancipação da população negra como
parte integrante das lutas de transformação da sociedade brasileira, com seus
conflitos e contradições históricos e atuais.
A abolição do sistema escravagista, no dia 13 de maio de 1888, transformou a realidade política, econômica e social do Brasil. Foi a culminação de um processo de lutas da população negra, dos abolicionistas, com apoio da monarquia e das elites brasileiras, que já não podiam adiar os processos políticos, econômicos e sociais que determinavam as relações de produção da sociedade brasileira e mundial.
Os desafios atuais?
Os desafios históricos de inclusão da
população negra na sociedade brasileira continuam atuais.
O fim da escravidão, no século XIX, não
incorporou a população negra à nova realidade política, econômica e social capitalista.
Sem a terra e a escolaridade necessárias os(as) negros(as) libertos(as), na sua
maioria, ficaram à margem da sociedade brasileira, situação que continua até à
atualidade, apesar das conquistas e dos avanços da população negra,
consolidadas na Constituição de 1988 e os seus desdobramentos político-institucionais.
Desde então, por tudo o que o Brasil
representava e continua representando, inicialmente como Colônia, depois como
Monarquia até à proclamação da República e atualmente, a população negra
continua sem a devida representação na vida política, econômica e social.
Atualmente quais são os compromissos dos que
governam, da sociedade e da cidadania em geral frente à realidade de exclusão
da população negra brasileira?
O que pensam hoje o Movimento Negro e os
outros movimentos políticos, econômicos, sociais, ambientais e multiculturais
frente às mudanças em curso nas sociedades brasileira e mundial, onde a
educação, a ciência, a tecnologia e seus reflexos no mundo do trabalho e da
cultura impactam a vida de cada um de nós e de toda a sociedade?
O Brasil, ainda em pandemia, particularmente
os(as) trabalhadores(as) de menor renda e a população desempregada em geral, na
sua maioria negra, continuam enfrentando sérias dificuldades econômicas e
sociais, entre as quais a falta de uma renda emergencial permanente que lhes
assegure o mínimo de dignidade para atravessarem a crise agravada com a
contaminação de milhões e a morte de mais de 700 mil pessoas pela Covid-19.
Esta é a dimensão da tragédia que atinge principalmente a população de baixa
renda, as mulheres na sua dupla jornada de trabalho, as populações indígena e
negra, historicamente excluídas no Brasil.
A inclusão dos negros (54% da população
brasileira, segundo o IBGE) deve ser realizada a partir de pautas afirmativas e
de reparação com o olhar do presente no caminho de um futuro que unifique a
sociedade brasileira, construindo uma agenda nacional para a saída da crise no
caminho da consolidação e ampliação da democracia. A população negra e suas
representações no Brasil devem estar em diálogo permanente com a opinião
pública e a sociedade em geral fortalecendo suas redes sociais e de
comunicação, defendendo a melhoria das suas condições de vida, ampliando sua
participação nas organizações do Estado, do Mercado e da Sociedade Civil,
apostando em uma agenda nacional reformista que retire o Brasil desta grave
crise política, econômica, social, ambiental e de valores que estamos vivendo.
Portanto, a população negra e a sociedade
brasileira em geral estão desafiadas a construir uma agenda propositiva a ser
pactuada no enfrentamento dos reais problemas nacionais agravados com a
pandemia: realizar as reformas no caminho de uma nova economia, pensando o
Brasil nos próximos 5, 10, 15 e 20 anos, considerando a sua dimensão
continental, as potencialidades nacionais e regionais, seus ativos naturais e a
diversidade étnica e cultural.
A base desta reforma democrática é a educação,
a ciência e a tecnologia que devem ser incorporadas como estruturantes e
estratégicas, melhorando a qualidade de vida dos que trabalham, da população
negra e de toda a sociedade brasileira, nas próximas décadas.
Assim, estamos desafiados a construir uma sociedade
que supere os conflitos e as contradições gerados no Brasil historicamente
construído, no caminho de uma sociedade mais democrática, inclusiva na sua
organização política, econômica e social, e melhor distribuidora da riqueza
produzida por toda a sociedade.
Vamos avançar?
*Professor, Doutor, da Oficina da Cátedra da UNESCO-Sustentabilidade, da UFBA e do Conselho do Instituto Politécnico da Bahia
Um comentário:
Até o Haiti libertou os escravos primeiro que nós,que vergonha!
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