quinta-feira, 2 de junho de 2022

Cristiano Romero: Fracasso é obra e não azar

Valor Econômico

Tudo dá errado desde 2011 porque estruturas não são democráticas

Depois de viver momento quase mágico entre 2004 e 2010, o Brasil acumula fracassos há mais de uma década em vários setores da vida nacional. Em 2010, estávamos relativamente felizes porque, depois de muita peleja, tudo indicava que, depois de 25 anos desde o início da Nova República, marco histórico da redemocratização, havíamos conquistado finalmente a estabilidade política e econômica. E mais: começamos a distribuir renda e a diminuir a desigualdade social que nos caracteriza como sociedade desde sempre.

Os pessimistas estavam certos. A estabilização econômica, em 2010, estava incompleta, afinal, há algo de profundamente errado quando o governo paga juro superior a 14% ao ano para se financiar. O governo Lula (PT), depois de surpreender positivamente na área econômica ao longo de seis anos, plantou, nos dois últimos (2009 e 2010), a semente do que, mais tarde, contribuiu para iniciar a desconstrução do modelo macroeconômico que funcionou razoavelmente bem durante 12 anos.

Não se obtém sucesso com sorte e que tal. Também o fracasso não é obra do acaso. O governo Dilma Rousseff deu uma guinada na política econômica da gestão anterior que vinha agradando à maioria da população e, em última instância, foi responsável por eleger e reeleger a então presidente. No rastro da Grande Recessão de 2014-2016, tragédia que nos subtraiu quase 8% do Produto Interno Bruto (PIB) e mais de 10% da renda per capita, além de nos condenar a uma trajetória recuperação lenta e medíocre, originou-se a polarização política e, na sequência, a instabilidade política, capaz de levar muitos a acreditarem que nossa jovem democracia esteja realmente em xeque neste momento.

Mas, se não entendermos que nossa institucionalidade é torta e estruturalmente pouco democrática, seguiremos acreditando que são pessoas e grupos específicos que ameaçam nossa paz. Ora, se há pessoas e grupos se arvorando nessa direção, é porque não estamos suficientemente preparados, do ponto de vista institucional, para proteger o regime republicano e, portanto, a democracia - oxalá, pessoal da Faria Lima, também a economia de mercado.

Exemplos de baixa institucionalidade pululam cotidianamente sem que os defensores da Constituição movam uma sobrancelha em sinal de preocupação. A lista abaixo contempla alguns casos, e aí vemos que o fracasso total não é sequer obra de um mau governante; este apenas catalisa o movimento da locomotiva chamada Brasil rumo a um muro enorme, aquele que nos impede sequer de sonhar com o futuro:

1. Neste país, juiz investiga (Lava-Jato e Inquérito das “fake news”);

2. Justiça lidera força-tarefa de braços dados com o acusador (MPF) e o investigador (PF);

3. Receita Federal interpreta leis (prerrogativa institucional do Judiciário e olhe lá) e legisla a partir daí;

4. Justiça do Trabalho também legisla, papel institucional do Congresso, eleito pelo povo. No caso da velha CLT, o TST criou ao longo do tempo 1.000 dispositivos com força de lei por meio de jurisprudência, um eufemismo para classificar a sanha legisladora do Poder Judiciário;

5. Integrantes da cúpula de dois poderes da República - Judiciário e Legislativo - podem tomar decisões monocráticas, uma jabuticaba que zomba da democracia; o chefe do Executivo não tem esse poder (ainda bem);

6. O MPF foi criado para ser o guardião da Constituição. Esta é um avanço no que diz respeito aos direitos e garantias fundamentais dos cidadãos, assegurados por cláusulas pétreas, embora saibamos que, no Brasil, nada é perpétuo, a não ser o passado, que é mais incerto do que o futuro (d’après Pedro Malan). Ocorre que a Carta Magna transformou cada procurador num MP; isto significa, primeiro, que praticamente não há hierarquia, a autonomia é absoluta; por isso, quando um procurador aciona judicialmente um brasileiro (ou uma empresa), por exemplo, por suposto malfeito no Rio Grande do Sul e o juiz encarregado do caso não se convence e arquiva a acusação, o procurador não se faz de rogado e vai a outro Estado para reiniciar a mesma ação; é uma tática autoritária. Por quê? Porque, na primeira ação, o procurador já consegue do juiz o bloqueio de bens do acusado que supostamente teria cometido um crime. Digamos que a ação seja arquivada depois de um tempo; no dia seguinte, os bens são novamente bloqueados porque a ação, agora, tramita não mais em Porto Alegre, mas bem longe dali, em Rio Branco.

7. No Brasil, juiz e procuradores traçam estratégia conjunta para reduzir a zero as chances do acusado de se defender; ora, se o juiz se comunica com o MP e a polícia, todos já sabemos qual será a sua decisão no caso;

8. Neste país, a corte de apelação da Justiça Federal - os TRFs - votou, por exemplo, os recursos da defesa do ex-presidente Lula por meio de voto escrito; não houve tribunal, no sentido de o promotor apresentar o caso, o advogado defender o réu, este fazer alegações finais com os próprios pulmões e o juiz decidir quem está certo. Os desembargadores - superiores hierarquicamente aos juízes de primeira instância - mandaram seus votos prontos ao tribunal; não se fez nem leitura dos mesmos; s

9. No “país do futuro” (uma possibilidade remota, afinal, não há exemplo de sociedade que tenha saltado do século XIX diretamente ao XXI), acredita-se que chegaremos a algum lugar sem enfrentar prioritária e definitivamente o racismo contra negros (56% da população) e a discriminação contra as mulheres (maioria entre nós), educar o povo, as crianças e os adolescentes, fazer esgoto

10. Aqui, o tribunal (TCU), responsável pela análise das contas do governo a posteriori, dá pitaco sobre decisões a serem tomadas por governos eleitos antes; ora, isso enfraquece o mandato popular; é a burocracia se sobrepondo aos eleitos, até porque o Poder Executivo tem quem faça isso - a CGU (antiga Secretaria Federal de Controle, esta sucedânea das secretarias de controle interno).

11. A burocracia tem poder autóctone em Brasília para definir salários, benefícios etc. Há juízes recebendo 400 mil reais por mês e ninguém pode fazer absolutamente nada para acabar com isso porque o Poder do Judiciário é inviolável, inclusive, em malfeitorias gritantes como a mencionada.

12. Nos dissídios salariais das carreiras de Estado, os advogados encarregados de defender a Viúva são funcionários da carreira envolvida no dissídio. E quem julga as ações são igualmente funcionários públicos. Por que será que o Estado não ganha ação movida por servidores do próprio Estado?

Um comentário:

ADEMAR AMANCIO disse...

Isto posto,está tudo de ponta de cabeça então,rs.