segunda-feira, 27 de junho de 2022

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Editoriais

O revanchismo contra a Constituição de 88

O Estado de S. Paulo

O bolsonarismo antagoniza o STF porque a Corte representa a defesa dos princípios constitucionais que protegem minorias e impedem desvarios autoritários da extrema direita

A campanha de Jair Bolsonaro contra o Supremo Tribunal Federal (STF) é tática diversionista. É muito mais cômodo criticar decisão da Corte constitucional do que resolver os problemas nacionais e governar com responsabilidade. Mas o enfrentamento com o Supremo, que o bolsonarismo alçou à categoria de prioridade máxima, tem raízes mais profundas do que simples oportunismo político. Na realidade, o inimigo de Jair Bolsonaro não é a Corte, tampouco seus integrantes. Seu inimigo é a Constituição de 1988. E é dessa relação de oposição que nasce o antagonismo do bolsonarismo com o STF, cujo papel é defender a Constituição.

Toda a vida política de Jair Bolsonaro, que se inicia em fevereiro de 1989 como vereador da cidade do Rio de Janeiro, está marcada por uma constante fundamental: o revanchismo contra a Constituição de 1988. Nessa seara, o aspecto que chama mais a atenção é a sua indignação com o fim da ditadura militar e a restauração do regime democrático. Nessas três décadas e meia de vigência da Constituição, Jair Bolsonaro é, sem sombra de dúvida, uma das pessoas públicas que mais fizeram apologia do regime militar.

No entanto – e aqui é o ponto que se deseja frisar –, a discordância de Jair Bolsonaro com a Constituição de 1988 vai muito além da questão, importantíssima obviamente, referente ao regime democrático. A proposta política do bolsonarismo é a antítese exata de tudo o que foi estabelecido na Assembleia Constituinte. Era simplesmente impossível, portanto, que o governo de Jair Bolsonaro não colidisse frontal e decisivamente com o STF, zelador da Constituição.

Por exemplo, a defesa que o bolsonarismo faz do Ato Institucional n.º 5 (AI-5) não é mera provocação. Há uma profunda identificação de Jair Bolsonaro e seus seguidores com o decreto da ditadura que (i) deu poder ao presidente da República para decretar o recesso do Congresso e a intervenção nos Estados e Municípios e (ii) suspendeu a garantia de habeas corpus, ação judicial que protege a liberdade individual contra prisões ilegais. Ora, todo o art. 5.º da Constituição de 1988, sobre os direitos e garantias fundamentais, foi construído precisamente à luz do que o AI-5 produziu de arbítrio, censura, repressão e cerceamento das liberdades civis e direitos individuais.

A liberdade é outro ponto paradigmático de dissensão entre o bolsonarismo e a Assembleia Constituinte. Generosa na concessão e na proteção das liberdades individuais, a Constituição de 1988 não flerta em nenhum momento com a concepção bolsonarista de liberdade: uma liberdade absoluta, entendida como autorização irrestrita para cada um, de maneira irresponsável e impune, fazer o que bem entender, sem respeitar os outros e seus direitos. Tendo sempre feito troça dos direitos humanos, Jair Bolsonaro é diametralmente oposto à estrutura fundamental da Constituição de 1988, cujo primeiro alicerce é o princípio da dignidade da pessoa humana.

Por rejeitar o equilíbrio entre dignidade humana e liberdade estabelecido pela Constituição de 1988, que será depois o fundamento dos direitos sociais, o bolsonarismo é contrário à função social da propriedade rural (art. 186) e do espaço urbano (art. 182). Não por outra razão, em 2019, o senador Flávio Bolsonaro apresentou uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) para alterar os dois artigos. É a face desumana e reacionária do bolsonarismo a revelar-se sem pudores.

A Constituição de 1988 tem muitos defeitos. No entanto, o bolsonarismo volta-se, eis o grave retrocesso, contra as suas qualidades. Na campanha de 2018, Jair Bolsonaro colocou-se como o anti-Lula. Na Presidência da República, dedica-se a ser visto como o anti-STF. Mas tudo isso é circunstancial. Jair Bolsonaro é, com todo o rigor, anticonstituição. Ao longo de sua carreira política, ele tem representado e verbalizado a voz dos perdedores de 1988, aqueles que se opuseram e continuam a se opor ao Estado Democrático de Direito. Daí que sua batalha atual seja contra as eleições e as urnas. Tudo integra o mesmo pacote autoritário e antirrepublicano.

Enquanto Bolsonaro ataca a Petrobras

O Estado de S. Paulo

Da inadimplência à turbulência das startups, o Brasil dá sinais de que a crise é mais profunda do que o presidente, concentrado em criar factoides palanqueiros, faz crer

Inadimplência recorde, inflação disparada, startups em crise e redução do superávit comercial ocupam o noticiário como fatos separados, mas são indicadores de um desarranjo ignorado por um presidente empenhado, com apoio de aliados no Congresso, em sujeitar a Petrobras a seus interesses eleitorais. Sem poder legal para intervir diretamente na gestão da empresa, a equipe do Palácio do Planalto pode tentar uma alteração da Lei das Estatais, aprovada em 2016 como desdobramento da Operação Lava Jato. Consumada, a alteração dessa lei será um enorme retrocesso, mas a preservação de avanços políticos, administrativos e econômicos nunca se destacou entre as prioridades do Executivo nos últimos três anos e meio.

Mais que um sombrio pano de fundo, os desajustes da economia compõem o dia a dia de um país negligenciado pelo poder central. Enquanto o presidente Jair Bolsonaro reclama dos preços dos combustíveis e troca dirigentes da Petrobras, investidores fogem do Brasil, o dólar encarece, empregos são destruídos, a atividade emperra e as famílias empobrecem. Em abril, os consumidores inadimplentes chegaram a 66,13 milhões, um número recorde, segundo o levantamento periódico da Serasa Experian. Houve um aumento de 2,1 milhões em relação ao total encontrado em dezembro.

Empobrecidas pelo desemprego, pela redução dos ganhos mensais e pela alta de preços, as famílias têm dificuldades maiores, a cada mês, para pagar as contas. Pior que isso, têm dificuldades crescentes para pagar o aluguel, para comprar alimentos e até para cozinhar a comida. Gasolina e diesel são importantes, mas, para as pessoas mais vulneráveis, é mais crucial dispor do gás necessário para cozinhar.

O poder central diminuiria o sofrimento de milhões se garantisse, de fato, um amplo subsídio ao gás de cozinha, mas a estratégia eleitoral do presidente aponta outras prioridades. O auxílio adicional, segundo se informa em Brasília, deve sair, mas o atraso é claramente injustificável. No entanto, a dificuldade para cozinhar é um dado menos escandaloso que a existência de mais de 30 milhões de pessoas famintas e de 125 milhões em condições de insegurança alimentar num país capaz, segundo o presidente Bolsonaro, de nutrir 1 bilhão de indivíduos.

Enquanto o presidente acusa a Petrobras de agir contra os brasileiros, importadores correm ao mercado externo para comprar petróleo e derivados, como diesel e naftas, além de fertilizantes. As importações de petróleo e derivados, em maio, foram 109% maiores que as de um ano antes, em valor. Normalmente superavitário, o saldo comercial desses produtos declinou de US$ 2,8 bilhões em fevereiro para US$ 88 milhões em maio.

“Os importadores, com receio da conjuntura internacional e com as turbulências que vêm ocorrendo no mercado de petróleo do Brasil, podem ter antecipado suas compras”, sugere a análise publicada pela Fundação Getulio Vargas (FGV). A linguagem é cautelosa, mas a insegurança nos mercados, diante do conflito entre a Presidência da República e a Petrobras, é bastante clara e tem-se refletido também nas oscilações da bolsa de valores e do câmbio.

As condições da economia brasileira sintetizam os desequilíbrios externos e internos. O País tem sido afetado pelas consequências da invasão da Ucrânia, pelos efeitos do combate aos novos casos de covid na China, pela inflação e pelo aperto monetário nos Estados Unidos e pelos muitos desarranjos domésticos, associados em grande parte à insegurança gerada pelas escolhas do presidente Jair Bolsonaro e de seus aliados.

Mas esse conjunto de problemas tem sido normalmente negligenciado pelo presidente, concentrado em alguns poucos objetivos. Sem outros agentes mobilizados contra a inflação, o Banco Central enfrenta sozinho a tarefa, recorrendo a seu principal instrumento, elevando os juros e impondo um freio a mais ao crescimento econômico e à criação de empregos, enquanto o presidente – vale a pena repetir – briga com a Petrobras, como se os preços dos combustíveis fossem a fonte de todos os problemas.

Gestão privada, espaço público

O Estado de S. Paulo

Concessão do Anhangabaú tem bons resultados a mostrar, mas falta de segurança continua sendo desafio

Revitalizar o centro da cidade de São Paulo, permitindo que moradores da capital e de fora usufruam de uma área histórica e repleta de beleza arquitetônica, tem sido um desafio permanente nas últimas décadas. Daí ser motivo de comemoração que o Vale do Anhangabaú, como noticiou o Estadão, comece a se firmar como polo de cultura e lazer seis meses após a sua concessão à iniciativa privada. Por óbvio, muito ainda precisa ser feito, e a melhoria das condições de segurança deve ser foco de atenção permanente. Mas a experiência já se mostrou capaz de produzir alguns bons resultados e merece ser acompanhada de perto.

Por definição, o espaço público é de todos. No Vale do Anhangabaú, assim como em ruas, calçadões, largos e praças, isso envolve não apenas o direito de ir e vir, mas a possibilidade de desfrutar o que cada ambiente tem para oferecer − com segurança e boas condições de acesso, iluminação, limpeza e infraestrutura. Na dinâmica das grandes cidades brasileiras, porém, e São Paulo não é exceção, inúmeras áreas públicas acabam degradadas, privando seus moradores, assim como turistas e demais visitantes, do direito de aproveitá-las.

A concessão do Vale do Anhangabaú é uma tentativa da Prefeitura de São Paulo de responder a esse desafio. Desde o início do projeto de revitalização, a cidade já teve quatro prefeitos. Quando o edital de concessão foi publicado, em 2020, na gestão de Bruno Covas (PSDB), a Prefeitura deixou claro que a ideia era transformar o local em espaço de permanência de pessoas, e não somente de passagem. Ao que parece, o objetivo está sendo alcançado: cerca de mil atividades foram promovidas desde dezembro, segundo a concessionária responsável.

A programação é diária e gratuita. A reportagem acompanhou uma aula de dança, do tipo samba-rock, com a participação de aproximadamente cem pessoas, por volta das 20h de uma quinta-feira. Mais gente chegou na hora seguinte, confirmando aquilo que se sabe: há demanda de sobra por atividades culturais, esportivas e de lazer, principalmente se forem de graça ou com baixo custo. Acompanhado da mãe e da avó, o estudante de mestrado Gustavo Luís da Silva pegou um ônibus na Casa Verde, na zona norte, para ter aula de dança no Vale do Anhangabaú.

A segurança, claro, preocupa: “Todo mundo sabe que é melhor não usar o celular em público e evitar andar sozinho”, disse o estudante ao Estadão. Gangues de bicicletas roubam celulares na região, onde recentemente ocorreram arrastões e furtos na Virada Cultural. Outro problema são os quiosques de alimentação, previstos no edital, mas que continuam fechados.

O contrato de concessão é de dez anos. Em troca da exploração comercial, com exclusividade na venda de produtos em eventos não ligados à Prefeitura, a concessionária assumiu a gestão, manutenção, conservação, vigilância e limpeza do local. É um modelo que certamente pode ser aprimorado, mas, mesmo com suas imperfeições, é inegável que, depois de décadas de tentativas fracassadas de revitalização do centro paulistano, o caso do Anhangabaú é um alento.

Desafios à esquerda

Folha de S. Paulo

Governos da América Latina não deverão contar com cenário benigno dos anos 2000

Com a vitória de Gustavo Petro na eleição presidencial da Colômbia, cinco das seis maiores economias da América Latina —incluindo também México, Argentina, Chile e Peru— estarão sob governos considerados de esquerda. Líder nas pesquisas de intenção de voto aqui, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) pode adicionar o Brasil a essa lista.

O avanço da esquerda não parece significar uma reorientação ideológica consistente, porém. O movimento parece decorrer mais da rejeição às lideranças incumbentes, seja qual for sua filiação política, tendo em vista a letargia econômica e o agravamento de tensões sociais nos últimos anos.

Entre 2010 e 2020, a América Latina cresceu apenas 2,2% ao ano, abaixo da média mundial de 3,1%. Tal ritmo mal supera a expansão populacional, o que significa na prática um quadro de estagnação da renda e piora de indicadores sociais ao longo do período.

Desde a pandemia, a situação se agravou com a falta de acesso a saúde e educação de amplos estratos. Mais recentemente, a escalada da inflação, que se aproxima de 10% anuais em vários países da região, rondando os 60% na Argentina, amplia o descontentamento.

O fato é que o ambiente global não é favorável a um longo ciclo de abundância. À diferença do que se viu na década de 2000, outro momento em que a esquerda governava boa parte da região, não se espera um processo continuado de aumento de preços de matérias-primas, a base da exportação da maioria dos latino-americanos.

A guerra na Ucrânia elevou preços de metais, alimentos e energia, mas o ganho desta vez não conta com a demanda chinesa e pode ser revertido. O dano colateral, ademais, se mostra na forma de inflação que pune os mais pobres.

Ao menos, a esquerda que chega ao poder não é monolítica. Gabriel Boric, jovem presidente do Chile, apresenta uma plataforma modernizante e mostra repulsa às tendências autoritárias de esquerda que ainda grassam no continente. Já o velho populismo persiste em líderes como López Obrador, do México, e Pedro Castillo, do Peru.

Se o desejo geral é por mudanças, onde a esquerda governa há mais tempo, caso da Argentina, os ventos podem soprar para o outro lado na próxima eleição.

O grande desafio será não repetir erros do passado, como fiar-se apenas em gasto público na busca de crescimento econômico. Novas ideias, porém, continuam escassas.

EUA vs. aborto

Folha de S. Paulo

Decisão da Suprema Corte é um raro retrocesso nesse direito em país desenvolvido

Numa decisão esperada, a Suprema Corte dos Estados Unidos considerou na sexta-feira (24) que o aborto não é um direito constitucional a ser observado naquele país.

A medida revoga entendimento firmado há 49 anos e faculta aos 50 estados norte-americanos a possibilidade de autorizar ou não o procedimento em suas legislações.

A mudança mostra-se em sintonia com o perfil conservador da corte após indicações de magistrados feitas durante o governo do republicano Donald Trump. Trata-se de raro retrocesso nos direitos das mulheres em país desenvolvido.

Por 6 votos a 3, o tribunal considerou válida uma lei aprovada no estado do Mississippi, em 2018, que veta o direito ao aborto após a 15ª semana de gestação —inclusive em casos de estupro. Tal entendimento propiciou a derrubada da decisão conhecida como caso Roe vs. Wade, de 1973.

Naquela ocasião, o aborto foi tido como parte do direito à privacidade garantido pela Constituição, que impediria a interferência de governos numa escolha pessoal.

No processo ora concluído, chamado de Dobbs vs. Jackson Women’s Health Organization, a maioria adotou a linha originalista de interpretação da Carta, segundo a qual deve prevalecer o que foi determinado à época de sua redação.

É a mesma vertente interpretativa que se opõe ao cerceamento à posse de armas por cidadãos com base na Segunda Emenda.

A Suprema Corte destacou que o aborto é tema de uma profunda divisão moral na sociedade, e a questão se inscreve no terreno da polarização política no país.

É certo que estados sob governos republicanos passarão a adotar o proibicionismo, em contraste com as administrações democratas. Projeções da imprensa americana apontam que ao menos 23 unidades da Federação devem restringir severamente o aborto.

Ecoando protestos de feministas, o presidente democrata Joe Biden declarou que o tribunal eliminou um direito constitucional, colocando em risco a saúde das mulheres.

As divisões federativas tendem a estimular alguma movimentação interna na busca por estados que permitam o procedimento —em desfavor, certamente, de mulheres pobres, que não terão meios para realizar tais deslocamentos.

A sentença não impede a aprovação de uma lei federal que venha a legalizar o aborto, mas as chances de que isso aconteça são, neste momento, nulas, uma vez que os republicanos teriam poder para barrar a medida no Senado.

O tema deve acirrar os ânimos das campanhas para as eleições de meio de mandato marcadas para novembro. E tende a permanecer em cena por longo tempo no debate público americano.

Governo Bolsonaro retrocedeu na luta contra corrupção

O Globo

Eleito em 2018 com o compromisso de combater a corrupção, o presidente Jair Bolsonaro chega à fase final de seu mandato com a promessa em frangalhos. A menos de quatro meses de tentar a reeleição, o escândalo no Ministério da Educação (MEC) soterrou a imagem que ele tentou construir de um presidente avesso a desvios de dinheiro. A roubalheira no MEC não pode ser vista como evento isolado. Resulta do desmantelamento de um aparato de investigação e punição que vinha sido paulatinamente erguido e solidificado nos anos anteriores.

A mais recente evidência do recuo é a posição do Brasil no Índice de Capacidade de Combate à Corrupção (CCC), da Americas Society e da consultoria Control Risks. O indicador leva em conta 14 variáveis — como independência do Judiciário e força do jornalismo investigativo —, permitindo comparar os países do continente. Com 4,76 pontos numa escala de zero a dez, o Brasil ficou distante dos 7,42 do Uruguai, primeiro do ranking. Em 2022, a avaliação brasileira recuou pelo terceiro ano. Entre 15 países latino-americanos, caímos do 6º para o 10º lugar em um ano. O indicador brasileiro recuou 22% ante 2019, quando Bolsonaro tomou posse. Ficamos atrás de Equador, Colômbia, Panamá e Argentina — e à frente apenas de Paraguai, México, Guatemala, Bolívia e Venezuela.

Parte da responsabilidade pelo retrocesso cabe às decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) que desmantelaram a Operação Lava-Jato e devolveram aos políticos a sensação de impunidade. Mas, independentemente do mérito delas, não se pode atribuir à Justiça toda a responsabilidade pelo recuo. Executivo e Legislativo assumiram um protagonismo inquestionável ao enfraquecer as defesas do Estado brasileiro.

Na avaliação do CCC, “independência e eficácia das exigências anticorrupção” caíram 19% sob Bolsonaro. Ele não mediu esforços para manietar Polícia Federal, Ministério Público e, em particular, o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), onde são detectadas operações de lavagem de dinheiro e de onde partiu a denúncia contra seu filho Flávio. Outro declínio ocorreu na avaliação dos “processos legislativos e normativos”. O Congresso alterou a Lei de Improbidade Administrativa, elevando a barreira para a abertura de processos contra políticos, e aprovou uma Lei de Abuso de Autoridade para intimidar juízes e promotores. Estão na lista de alvos do Parlamento a legislação contra lavagem de dinheiro, a Lei da Ficha Limpa e, mais recentemente, a Lei das Estatais, aprovada depois da Lava-Jato para blindar as empresas do governo das interferências políticas. Sem falar na sabotagem à Lei de Acesso à Informação e no obscuro “orçamento secreto”, que destinou em 2020 e 2021 nada menos que R$ 38,1 bilhões (em valores de dezembro de 2021) a iniciativas parlamentares sem transparência ou fiscalização.

Diante da situação econômica, a corrupção deixou de ser o principal foco do eleitor brasileiro. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, outrora visto como símbolo de que políticos graúdos não estavam mais imunes à Justiça, livrou-se dos processos e tornou-se favorito na corrida presidencial. O Centrão fisiológico hoje está no comando do Congresso e de áreas do governo ricas em recursos. Eventuais erros podem ter sido cometidos na caça ao crime de colarinho branco, mas isso não serve de argumento para o país retroceder no combate à corrupção.

É louvável decisão do IBGE de incluir favelas do país em pesquisa urbana

O Globo

É compreensível que as visitas dos recenseadores do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) a 70 milhões de domicílios — previstas para começar em agosto — ganhem maior protagonismo no Censo, pela possibilidade que oferecem, por meio das entrevistas, de traçar o mais fiel retrato da população e do país. Não menos relevantes são as visitas silenciosas às vizinhanças dessas moradias, que começaram há uma semana com uma tropa de 22 mil agentes nos 5.570 municípios brasileiros.

A Pesquisa de Entorno dos Domicílios, que antecede os questionários do Censo, tem o objetivo de identificar as características das vias por onde circulam os quase 215 milhões de brasileiros. Os recenseadores observam se a rua é asfaltada, arborizada, se dispõe de iluminação pública, se tem calçadas, se foram construídas rampas para cadeirantes etc. No Censo 2022, foram incluídas três novas informações: pontos de ônibus ou van, ciclovias e obstáculos à circulação de pedestres na calçada. Com os dados, será possível saber se as cidades se tornaram mais inclusivas, mais sustentáveis e mais humanas.

É louvável que, pela primeira vez, o IBGE tenha incluído na pesquisa todas as favelas brasileiras, chamadas tecnicamente de “aglomerados subnormais”. Até então as informações eram coletadas em apenas parte delas. Passou da hora de incorporar a infraestrutura dessas comunidades às bases de dados oficiais. As cidades partidas não podem continuar ignorando que as áreas formais e informais fazem parte do mesmo espaço urbano.

O levantamento ganha ainda mais importância na medida em que a população brasileira é predominantemente urbana (em torno de 85%). Ao longo de décadas, as cidades incharam sem nenhum planejamento. O espaço se degradou. Mesmo nas áreas nobres dos grandes centros, as condições estão muito aquém do que deveriam. Comparar com cidades do exterior é covardia. Faltam recursos, é verdade, mas também gestão e informações que sirvam de base às políticas públicas.

Os resultados do levantamento só deverão ser conhecidos a partir de 2023. Serão de enorme valia para que os gestores brasileiros voltem o foco do planejamento ao que realmente merece. Permitirão esmiuçar a qualidade do espaço público, saber o que melhorou e o que piorou, onde há carências e onde a infraestrutura é satisfatória. E também tratar o país em sua totalidade, incluindo todas as áreas de favelas.

Não há dúvida de que será um desafio para o IBGE coletar as informações em regiões controladas por organizações criminosas, onde o Estado costuma estar ausente. Mas isso não pode ser obstáculo, pois prejudicaria os próprios moradores, carentes de serviços públicos. Espera-se que a empreitada ajude a traçar um retrato detalhado da infraestrutura das cidades brasileiras. E que a fotografia capte todo o cenário urbano, e não apenas a parte mais visível dele.

CMN consolida meta de inflação em 3%

Valor Econômico

Metas são ambiciosas, considerando a conjuntura de forte alta de preços

O Conselho Monetário Nacional (CMN) definiu a meta de inflação de 2025 em 3% e ratificou, também em 3%, o objetivo anteriormente estabelecido para 2024. As metas são ambiciosas, considerando a conjuntura de forte alta de preços, mas parecem adequadas para coordenar as expectativas de longo prazo.

Havia, entre os analistas econômicos, quem pedisse a continuidade da queda gradual da meta, em direção ao alvo de 2% geralmente adotado por economias avançadas e países emergentes com fundamentos macroeconômicos mais sólidos.

Do outro lado, havia uma corrente que defendia que o Brasil revisse para cima a sua meta de inflação. Alguns argumentam que não temos a mesma solidez das contas públicas que o Chile, que foi uma espécie de modelo para a escolha da meta de inflação de 3%.

Algumas correntes de economistas não-ortodoxos, por outro lado, acham que metas tão baixas quanto 3% forçam o Banco Central a operar com uma política monetária muito apertada, com prejuízos para a atividade econômica e o pleno emprego.

Uma queixa muito comum é que as metas foram definidas pelo CMN mais por analogia do que por estudos aprofundados sobre o percentual ideal para o Brasil. Isso não quer dizer, necessariamente, que tenhamos que adotar uma meta de inflação mais alta, mas apenas que a decisão sobre o assunto deveria ser mais bem informada. Pode ser exatamente o contrário: o Brasil, que durante anos sofreu as mazelas da inflação muito alta e tem fortes mecanismos de indexação, deve ter a inflação mais baixa possível.

Paralelamente ao debate sobre a meta para o longo prazo, surgiram as discussões sobre uma eventual adoção de um objetivo ajustado para 2023. Seria, em tese, uma forma de lidar com a situação difícil de trazer uma inflação próxima a 12% à meta de 3,25% em um período de apenas 18 meses.

O Brasil já viveu situações semelhantes no passado. Em meados de 2002, o CMN reviu o objetivo definido para o ano seguinte, dos 3,25% originais para 4%. No seu voto, o então ministro da Fazenda, Pedro Malan, argumentou que países com maior tradição em regimes de metas de inflação haviam alterado as suas metas, como Nova Zelândia, Israel, Austrália e República Tcheca.

No ano seguinte, a meta de 2004 foi ajustada, de 3,75% para 5,5%. Um dos argumentos apresentados pelo ministro da Fazenda, Antônio Palocci, foi que o mercado financeiro já entendia que o Banco Central operava com uma meta implícita de 5,5%, dada a dificuldade de desinflacionar rapidamente uma economia que, naquele período, apresentou variações do índice de preços de dois dígitos.

No ano seguinte, houve uma espécie de ajuste na meta de inflação, embora não oficializado pelo CMN. O Comitê de Política Monetária (Copom) comunicou, na ata de setembro de 2024, que iria perseguir em 2005 um objetivo de 5,1%, em vez do centro da meta, de 4,5%. A justificativa foi de que, no ano anterior, a inflação iria superar em muito o centro da meta, por isso o Copom se propôs a acomodar no intervalo de tolerância da meta dois terços da inércia inflacionária.

Mais de uma década depois, o então presidente do Banco Central, Ilan Goldfajn, viveu um dilema semelhante de reformar a meta de inflação de 2017, de 4,5%, diante de choques que levaram novamente o índice de preços para dois dígitos. A decisão final foi manter a meta, que acabou sendo cumprida, graças à mudança para melhor no regime fiscal e ventos externos favoráveis que reduziram a inflação de alimentos.

O atual presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, vive um dilema semelhante de combater uma inflação muito alta. Em pouco mais de um ano, o Copom subiu a taxa básica em 11,25 pontos percentuais, num dos mais agressivos apertos monetários da história. Ainda assim, os analistas do mercado estimam para 2023 uma inflação de 4,7%, perto do limite do teto da meta do ano, de 4,75%.

O CMN não fez nenhuma mudança na meta estabelecida para 2023, mas o Banco Central parece caminhar para um ajuste informal. Os documentos oficiais do Copom dizem que o comitê está focado em levar a inflação para o redor das metas, que Campos Neto definiu na semana passada como um número “menor do que 4%”, em entrevista sobre o Relatório de Inflação. Pelo que tudo indica, há uma flexibilização em curso, apesar de toda a incerteza criada por ela não ter sida comunicada de forma mais direta nos documentos oficiais do Banco Central.

 

 

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