O Globo
Não é dúvida para ninguém que o Brasil tem
todas as condições para liderar uma transição mundial para a economia verde, em
meio a uma matriz energética diversa e limpa, recursos hídricos que se perdem
de vista e extensas florestas ricas em biodiversidade. Mas temos, em especial,
um problema que pode jogar água fria nessa potência toda: nosso quadro fiscal.
Sim, também é preciso vontade política para
que o Brasil volte para o caminho da sustentabilidade, e não é pouco. Mas,
mesmo que essa vontade política volte a imperar, sobretudo após as eleições
deste ano, é preciso ter coragem e assertividade para lidar com as contas
públicas tão devastadas e ao mesmo tempo estimular uma economia verde.
Na última década, só para fazer um recorte mais recente, o Brasil viu seu cenário fiscal sair dos eixos. A dívida bruta, um dos indicadores mais importantes de solvência, saltou para cerca de 80% do PIB — em 2012 não passava de 55%. Mesmo descontando os gastos extraordinários por causa da pandemia, necessários para prover vacinas e manter minimamente o bem-estar da população mais vulnerável, o país já vivia cenários de grandes gastos sem contrapartidas de receitas.
Não cabe aqui discutir o porquê disso.
Agora, é preciso olhar para a frente, buscar soluções para que, ao mesmo tempo,
possamos começar a reequilibrar nossas contas e caminhar para uma atividade
mais sustentável.
Não são soluções fáceis, tampouco triviais,
e exigirão do próximo governo muito trabalho e convencimento político,
sobretudo diante do Congresso Nacional. Hoje, para criar novo programa que
implique renúncia de receita, o argumento teria de ser poderoso para ser aceito
por um governo sério, em meio a renúncias fiscais que já batem à porta dos 4%
do PIB.
A necessidade de rever o uso excessivo das
renúncias não pode servir para condenar o uso desse instrumento, que integra
políticas fiscais em todo o mundo. A questão é como eleger os setores
beneficiados, submetendo o incentivo a avaliação criteriosa. Esse sem dúvida é
o caso do apoio fiscal para estimular a descarbonização, com apelo não só do
ponto de vista econômico, como social e ambiental.
Vislumbrar uma recuperação econômica que
considere a pauta ambiental como um de seus sustentáculos inclui também ações
sociais, especialmente por causa da penúria ampliada pela pandemia, que também
envolve questões fiscais. A partir de agora, é crucial caminhar rumo a uma
ampla reformulação de programas sociais como o Bolsa Família, extinto pelo
atual governo. São gastos essenciais para fazer a economia girar.
A recuperação econômica também passa por
políticas contundentes de enfrentamento ao desmatamento ilegal, que hoje tem
sido um dos responsáveis por colocar o país como pária internacional.
Não adianta fazer declarações, tampouco
assumir compromissos — como os firmados na COP26 e aparentemente lançados ao
esquecimento —, quando se tem um governo que não valoriza políticas ambientais.
Seja quem for o vencedor das eleições presidenciais deste ano, precisará
restabelecer a capacidade de fiscalizar e recuperar o prestígio que o Brasil
perdeu nos últimos fóruns.
*Sócio da consultoria Tendências e signatário da iniciativa por uma economia de baixo carbono Convergência pelo Brasil, foi ministro da Fazenda
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