segunda-feira, 27 de junho de 2022

Maílson da Nóbrega*: Desafio fiscal e economia verde

O Globo

Não é dúvida para ninguém que o Brasil tem todas as condições para liderar uma transição mundial para a economia verde, em meio a uma matriz energética diversa e limpa, recursos hídricos que se perdem de vista e extensas florestas ricas em biodiversidade. Mas temos, em especial, um problema que pode jogar água fria nessa potência toda: nosso quadro fiscal.

Sim, também é preciso vontade política para que o Brasil volte para o caminho da sustentabilidade, e não é pouco. Mas, mesmo que essa vontade política volte a imperar, sobretudo após as eleições deste ano, é preciso ter coragem e assertividade para lidar com as contas públicas tão devastadas e ao mesmo tempo estimular uma economia verde.

Na última década, só para fazer um recorte mais recente, o Brasil viu seu cenário fiscal sair dos eixos. A dívida bruta, um dos indicadores mais importantes de solvência, saltou para cerca de 80% do PIB — em 2012 não passava de 55%. Mesmo descontando os gastos extraordinários por causa da pandemia, necessários para prover vacinas e manter minimamente o bem-estar da população mais vulnerável, o país já vivia cenários de grandes gastos sem contrapartidas de receitas.

Não cabe aqui discutir o porquê disso. Agora, é preciso olhar para a frente, buscar soluções para que, ao mesmo tempo, possamos começar a reequilibrar nossas contas e caminhar para uma atividade mais sustentável.

Não são soluções fáceis, tampouco triviais, e exigirão do próximo governo muito trabalho e convencimento político, sobretudo diante do Congresso Nacional. Hoje, para criar novo programa que implique renúncia de receita, o argumento teria de ser poderoso para ser aceito por um governo sério, em meio a renúncias fiscais que já batem à porta dos 4% do PIB.

A necessidade de rever o uso excessivo das renúncias não pode servir para condenar o uso desse instrumento, que integra políticas fiscais em todo o mundo. A questão é como eleger os setores beneficiados, submetendo o incentivo a avaliação criteriosa. Esse sem dúvida é o caso do apoio fiscal para estimular a descarbonização, com apelo não só do ponto de vista econômico, como social e ambiental.

Vislumbrar uma recuperação econômica que considere a pauta ambiental como um de seus sustentáculos inclui também ações sociais, especialmente por causa da penúria ampliada pela pandemia, que também envolve questões fiscais. A partir de agora, é crucial caminhar rumo a uma ampla reformulação de programas sociais como o Bolsa Família, extinto pelo atual governo. São gastos essenciais para fazer a economia girar.

A recuperação econômica também passa por políticas contundentes de enfrentamento ao desmatamento ilegal, que hoje tem sido um dos responsáveis por colocar o país como pária internacional.

Não adianta fazer declarações, tampouco assumir compromissos — como os firmados na COP26 e aparentemente lançados ao esquecimento —, quando se tem um governo que não valoriza políticas ambientais. Seja quem for o vencedor das eleições presidenciais deste ano, precisará restabelecer a capacidade de fiscalizar e recuperar o prestígio que o Brasil perdeu nos últimos fóruns.

*Sócio da consultoria Tendências e signatário da iniciativa por uma economia de baixo carbono Convergência pelo Brasil, foi ministro da Fazenda 

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