segunda-feira, 27 de junho de 2022

Lygia Maria: Aborto e direita radical

Folha de S. Paulo

Nos anos 70, proibir o aborto não era pauta protestante nem do Partido Republicano

A Suprema Corte dos EUA revogou a decisão Roe vs Wade, de 1973, que garantia o direito ao aborto. Onze estados já baniram a prática, inclusive em casos de estupro, incesto e nos quais a gravidez coloca em risco a saúde da mulher. Estima-se que mais estados integrarão essa lista.

A decisão de 1973 se baseou na 14ª emenda da Constituição, que proíbe governos estaduais de privar pessoas da vida, liberdade ou propriedade sem um procedimento legal justo. Segundo a Corte, leis como a do estado do Texas, que permitiam aborto apenas se a vida da gestante estivesse em risco, violavam a liberdade de escolha das mulheres sobre uma questão de foro íntimo.

Cinco dos juízes que formaram a maioria em Roe vs Wade foram indicados por presidentes republicanos. O presidente da corte era um republicano defensor da legalização do aborto. O aborto era uma questão católica, não protestante. Em 1973, o evangélico James Dobson, por exemplo, apontou que a Bíblia nada diz sobre o aborto e que um feto não era um ser humano completo.

Porém, a partir do final dos anos 70, o tema do aborto passou a ser usado como discurso unificador da ala religiosa radical da direita sem prestígio no Partido Republicano. O motivo? O fim de isenção de impostos para escolas evangélicas que impunham segregação racial. Como defender abertamente a segregação não era bem visto e poderia dificultar a adesão de eleitores, a proibição do aborto virou um artifício mais respeitável para chegar ao poder e impedir avanços dos direitos civis, como o fim da segregação. O livro "Bad Faith: Race and the Rise of Religious Right" ("má fé: raça e o nascimento da direita religiosa", em tradução livre), de Randall Balmer, descreve essa história.

A revogação de Roe vs Wade não foi uma vitória moral, e sim uma vitória política da direita radical construída ao longo de décadas. Agora, 11 estados têm leis antiaborto similares às do Afeganistão e do Irã, países teocráticos que subjugam mulheres. Será difícil para os EUA manterem a imagem de maior democracia liberal do mundo assim.

 

Um comentário:

ADEMAR AMANCIO disse...

Na minha concepção,tanto o embrião quanto o feto já é uma vida.