sexta-feira, 9 de setembro de 2022

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Editoriais / Opiniões

Elizabeth II foi mais que uma mera rainha da Inglaterra

O Globo

Ela soube dar um rosto moderno à monarquia — instituição que estava ameaçada quando subiu ao trono

Apenas o francês Luís XIV ficou mais tempo no trono que Elizabeth Alexandra Mary Windsor, a rainha Elizabeth II do Reino Unido, morta ontem aos 96 anos. Ao longo dos 70 anos, sete meses e dois dias de seu reinado, houve sete papas, 16 primeiros-ministros britânicos, 14 presidentes americanos e 18 brasileiros (sem contar interregnos). Foram 17 Copas do Mundo e 18 Olimpíadas. No início havia dúvidas de que aquela jovem de 25 anos conseguiria dar sobrevida à instituição que andava moribunda depois da Segunda Guerra. Elizabeth II desafiou as expectativas e deu um rosto moderno à monarquia britânica.

Pelo sistema político sui generis em vigor no Reino Unido (e nos demais países por onde se espalham súditos do trono britânico), o papel do monarca é simbólico, cerimonial, quase decorativo. Mas Elizabeth II foi mais que uma mera “rainha da Inglaterra”, na expressão pejorativa consagrada para designar os governantes sem poder. Conciliou a obrigação de manter distância de disputas políticas à necessidade de conferir a seu país — uma potência em declínio — um novo papel no Pós-Guerra. Viajou o mundo (Brasil inclusive), levando a mensagem de que os britânicos, ainda que não comandassem mais o “Império onde o sol nunca se põe”, continuavam relevantes.

Em meio às brigas fratricidas da política britânica, aos escândalos em série da família real e à transformação radical do mundo das carruagens na era das redes sociais, ela conquistou aquele respeito que cabe ao adulto no recinto, a quem todos recorrem em busca de sensatez nos momentos difíceis. Raramente falava, mas era sempre ouvida.

Com o passar dos anos, soube transformar a instituição da monarquia, torná-la mais permeável à curiosidade de um público insaciável por fofocas da realeza, sem deixar que a mística se perdesse. De certa forma, foi atraindo a simpatia do público à medida que era preservada das estrepolias de seus parentes próximos, a começar pelas da própria irmã, a princesa Margareth, pivô de toda sorte de escândalo. Não acertou sempre. Foi criticável sua atitude diante de Lady Diana Spencer, primeira mulher de seu filho, o agora rei Charles III. Jamais aceitou a nora, talvez por ter visto nela uma ameaça que jamais se concretizou. Apenas a contragosto se pronunciou depois do trágico acidente que matou Lady Di.

Manteve encontros regulares com todos os primeiros-ministros desde Winston Churchill. No último, empossou Liz Truss nesta semana. Embora por vezes discordasse dos chefes de governo — em especial de Margaret Thatcher, por quem tinha pouco apreço —, nunca deixou que sua opinião lhes cerceasse o trabalho.

Sem Elizabeth, a monarquia se vê diante de um novo desafio. Caberá a seus sucessores — pela ordem, Charles, o filho dele, William, e o neto dele, George — levar a Coroa adiante. Depois de reinado tão longevo e exitoso, há menos espaço para a recorrente oposição republicana. Mas continua difícil justificar uma família rica que vive de recursos do Estado, detém uma fortuna de US$ 600 milhões e só nos anos 1990 começou a pagar impostos. Fora do Reino Unido, o movimento que exige a reavaliação do passado colonial ainda cobra um pedido de desculpas formal. Outras controvérsias hão de aparecer. Charles III já disse que uma de suas metas será rever a estrutura de pessoal que serve a realeza. Manter a paz na própria família talvez seja mais difícil.

Corredor de fuligem expõe descaso criminoso do governo com Amazônia

O Globo

Em uma semana de setembro, foram registrados mais focos de incêndio que durante todo o mês em 2021

O mandato de Jair Bolsonaro terminará como começou, com o desmatamento da Amazônia batendo recorde atrás de recorde. Sob qualquer ângulo que se examine a situação, é um descalabro. É crime ambiental, destruição de um patrimônio dos brasileiros e ameaça à saúde pública. Nos sete primeiros dias de setembro, o número de queimadas já superou o de todo o mês no ano passado, segundo os dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Houve 18.374 focos de incêndio entre os dias 1º e 7, ante 16.742 no mês inteiro de 2021. Desde maio, a destruição mês a mês é superior à do ano passado.

A fumaça primeiro encobriu cidades da região, como Manaus e Rio Branco, agora atinge o oeste de São Paulo, Paraná e Bolívia. O corredor de fuligem entre o Norte e o Centro-Oeste cobre mais de 5 milhões de quilômetros quadrados. Na capital do Acre, a poluição do ar é de 225 microgramas por metro cúbico, quase dez vezes o máximo recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS).

Como é do conhecimento de todo brasileiro minimamente informado, não se trata de fato isolado nem acidental. Há histórico e há método. O desmatamento da Amazônia no primeiro semestre deste ano também registrou recorde. O acumulado de janeiro a junho foi maior que o do mesmo período desde 2016. Comparado ao primeiro semestre de 2018, ainda no governo Temer, o aumento foi de 80%, de acordo com uma análise do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam) com base em dados do sistema Detecção de Desmatamentos em Tempo Real (Deter), do Inpe.

O pouco-caso com a derrubada de árvores é o comportamento-padrão da atual administração. A perda de floresta entre 2019 e 2021 ultrapassou 10 mil quilômetros quadrados ao ano, 56% acima da média anual do período anterior (2016 a 2018). As causas estão conectadas. As declarações de Bolsonaro contrárias à preservação ambiental estimulam todo tipo de ação ilegal na região, e, numa triste conjunção entre discurso e prática, o presidente foi cumprindo a sugestão do ex-ministro Ricardo Salles de abrir as porteiras para irem “passando a boiada”.

Houve cortes orçamentários nas instituições responsáveis pela fiscalização. Nem a verba existente é usada. Levantamento do Observatório do Clima mostra que o Ibama gastou menos da metade do orçamento previsto para prevenir e combater incêndios florestais neste ano. Diretores e chefes de operação reconhecidos pela competência foram substituídos por quem tinha pouca ou nenhuma experiência na área. Processos de autuação foram alterados, assim como as penalidades. Organismos de fiscalização foram esvaziados. Tudo para beneficiar infratores. Não é um acaso que o Brasil tenha perdido completamente a credibilidade nas entidades internacionais dedicadas ao meio ambiente.

A soberana

Folha de S. Paulo

Morte de Elizabeth 2ª encerra uma era e pode afetar a popularidade da monarquia

Morta aos 96 anos, Elizabeth 2ª carrega consigo marcas difíceis de superar. Foi a pessoa que mais tempo ficou no trono britânico, 70 anos completados em fevereiro. Tivesse vivido por mais dois anos, bateria o francês Luís 14 como dona do mais longo reinado conhecido na história —já não tinha páreo em casas reais no mundo atual.

A monarca viveu uma montanha-russa de crises que parece associada à sua família, a Casa de Windsor. Sua ascensão só foi possível porque o tio abdicou para casar-se com uma plebeia americana, deixando a cadeira para o irmão.

Antes de ser rainha, Elizabeth deu exemplo servindo como mecânica e sendo figura assídua no noticiário da Segunda Guerra Mundial em seu país. Tinha apenas 25 anos ao assumir a chefia de Estado.

Com a coroa, alternou popularidade com momentos duros: ignorou um dos maiores desastres da história de seu país, o acidente de mineração de Aberfan em 1966, e 31 anos depois foi tachada de insensível após a morte da princesa Diana, sua desafeta pública.

Tal trajetória teve grande impacto na cultura popular. A monarquia britânica causa constante fascinação, como o sucesso da telessérie "The Crown" atesta. Toda uma subcategoria de jornalismo, ávida por escândalos, desenvolveu-se parasitando os maus hábitos dos Windsor, sendo replicada mundo afora.

Com escassa interferência na vida política, a rainha tornou-se um símbolo de estabilidade em um Reino Unido sob aguda mudança com o desmantelamento do império. Autorizou formalmente os governos de 15 primeiros-ministros, lista que começa com o gigante Winston Churchill e chegou, nesta semana, à incógnita Liz Truss.

O simbolismo tem seu preço. Em 2014, a família real custou ao contribuinte £ 35,2 milhões. O Jubileu de Platina de 2022 e a renovação do Palácio de Buckingham fizeram o valor saltar para £ 102,4 milhões (R$ 614 milhões hoje).

Por ora, os britânicos parecem satisfeitos. Segundo pesquisa do YouGov em maio, 62% deles queriam a permanência da monarquia, e apenas 22% expressavam desejo de votar para chefe de Estado.

Ainda assim, o apoio teve uma queda de 13 pontos desde 2012. Mais importante, jovens de 18 a 21 anos eram mais refratários à Coroa: só 33% queriam seguir súditos.

O desparecimento de Elizabeth 2ª encerra uma era, turbulenta e glamorosa, cujos parâmetros parecem distantes do século 21.

Como é uma figura altamente impopular, devido ao conturbado fim de seu casamento com Diana, o agora rei Charles 3º talvez tenha de encarar o escrutínio da conveniência do sistema monárquico quando o luto pela morte de sua mãe estiver consumado.

Biênio de retrocesso

Folha de S. Paulo

Mundo e Brasil regridem no IDH; progresso nacional sofrível já vem de longe

A nova edição do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), que examina os anos de 2020 e 2021, reflete os efeitos drásticos das crises que assolaram o planeta nesse período, notadamente a pandemia e suas consequências econômicas.

Pela primeira vez desde que começou a ser calculado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), há três décadas, o IDH regrediu em âmbito global por dois anos consecutivos, levando os índices de bem-estar social de volta ao patamar de 2016.

Trata-se de um declínio quase generalizado. Mais de 90% dos países apresentaram piora na pontuação em 2020 ou 2021, e mais de 40% tiveram queda nos dois anos, num sinal eloquente de que a crise segue se aprofundando em boa parte do mundo, aponta a agência da ONU.

No último grupo figura o Brasil —que não apenas não escapou à regressão geral como ainda registrou um recuo maior do que a média global. A pontuação nacional caiu de 0,766 em 2019 para 0,758 em 2020 e 0,754 no ano passado, fazendo com que o país retornasse ao patamar de 2014.

Em âmbito regional, patinamos com um índice inferior aos de Chile, Argentina, Uruguai e Peru.

A lista de nações com IDH considerado muito elevado, acima de 0,8, é encabeçada por Suíça, Noruega, Islândia, Hong Kong e Austrália. No grupo de baixo desenvolvimento (abaixo de 0,55), há 32 nações, e as cinco piores são africanas —Burundi, República Centro-Africana, Níger, Chade e Sudão do Sul.

O desastroso desempenho do país na pandemia, que já resultou em quase 700 mil brasileiros mortos, foi o fator determinante para a queda do IDH nacional. Na comparação com os dados de 2019, o único indicador que apresentou piora foi a saúde. Na renda média, verificou-se algum avanço; na educação, seguimos estagnados.

Naquele ano, a expectativa de vida média ao nascer era de 75,3 anos, mas, em 2021, ela desabou para 72,8 anos —nada menos que um retorno ao nível de 2008.

O mau resultado no ranking fica mais evidente quando se considera a variante do IDH que leva em conta a desigualdade de renda, chaga secular do país. Nesse recorte, perderam-se 20 posições.

Em parte, o retrocesso brasileiro pode ser explicado por fatores globais. Entretanto vem de longe o progresso sofrível do país, numa combinação de crescimento econômico insuficiente e baixa eficiência dos gastos públicos.

Cornucópia eleitoral

O Estado de S. Paulo

Governo Bolsonaro atropela o que foi aprovado pelo Congresso e, na calada da noite, abre espaço orçamentário por decreto para pagar emendas parlamentares a poucos dias das eleições

A menos de um mês do primeiro turno, está claro não haver mais limites legais e fiscais para conter o presidente Jair Bolsonaro. Nem mesmo o rito orçamentário sobreviveu ao ímpeto de destruição associado ao desespero eleitoral. Recorrendo a uma manobra, o Executivo conseguiu liberar recursos para o pagamento das emendas de relator, que havia sido parcialmente contingenciado na última revisão bimestral do Orçamento, em julho. 

Com a pressão crescente dos aliados, o governo não quis aguardar o prazo para o próximo relatório, no fim de setembro, nem ter o trabalho de elaborar um documento extemporâneo com a previsão atualizada das receitas e despesas primárias da União. Optou por um decreto e simplesmente se livrou de uma obrigação imposta pela Lei de Responsabilidade Fiscal para entregar R$ 5,6 bilhões nas mãos do Centrão. 

Publicado em edição extra do Diário Oficial da União na noite do dia 6 de setembro, o decreto deu praticamente força de lei às decisões tomadas pela Junta de Execução Orçamentária (JEO), colegiado formado pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, e comandado de fato pelo ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira. Com ele, será possível resolver dois problemas de uma só vez: impedir o repasse de verbas para as áreas de ciência, tecnologia e cultura e liberar o espaço fiscal necessário para o empenho de emendas de relator, base do esquema do Orçamento Secreto.

Revisitar o roteiro que teve na edição do decreto o seu último ato revela a conquista de um poder inédito do Executivo para corromper o Parlamento. Legislações que impediram o contingenciamento dos recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDTC) e garantiram apoio financeiro aos setores cultural e de eventos após a pandemia de covid-19 foram aprovadas por ampla maioria dos parlamentares. Foram, no entanto, vetadas pelo presidente. Os vetos, por sua vez, foram derrubados pelos deputados e senadores e, em seguida, promulgados. O governo apelou, então, à criatividade. 

Ao editar duas medidas provisórias (MPs), restabeleceu o poder dos vetos presidenciais e inaugurou uma nova fase no processo legislativo, em clara violação ao sistema de freios e contrapesos e ao princípio constitucional da separação dos Poderes. Uma semana depois, enquanto o Congresso discutia se devolveria ou não os textos ao Executivo, o governo publicou o decreto que referendou o bloqueio das verbas previsto nas MPs. Ao mesmo tempo, comprou o silêncio dos parlamentares, já que esse dinheiro servirá justamente para irrigar suas bases a poucas semanas das eleições.

É inegável que o orçamento secreto mudou a relação entre Executivo e Legislativo – para pior e, talvez, de forma definitiva. Na proposta orçamentária de 2023, o Executivo reservou R$ 19,4 bilhões para as emendas de relator, 22% a mais do que neste ano. Para garantir esses repasses, o governo cortou em 59% a verba do programa Farmácia Popular, que distribui gratuitamente medicamentos para o tratamento de asma, hipertensão e diabetes a 21 milhões de pessoas. Ainda que Guedes tente diminuir a importância das emendas de relator a “menos de 1%” das despesas, é evidente que preservar essa rubrica se tornou a única prioridade do governo. É ela que garante uma base parlamentar cordata e disposta a fechar os olhos para o absurdo.

Este é mais um legado que Bolsonaro deixa ao País. Após quase quatro anos de atrocidades diárias coroadas pelo vergonhoso discurso do presidente no Bicentenário da Independência, atropelar as leis e regras orçamentárias para garantir o pagamento das emendas à custa da ciência, tecnologia, cultura e até mesmo da saúde se assemelha a uma brincadeira infantil. Já não choca mais ninguém – nem deputados e senadores, beneficiados pelos recursos, nem os servidores públicos, que têm dado respaldo técnico a todas essas medidas. Anestesiada, a sociedade assiste ao desrespeito ao arcabouço fiscal, às leis e à Constituição sem lembrar que, há seis anos, manobras como estas balizaram um implacável pedido de impeachment de uma presidente. 

A pequenez de Bolsonaro

O Estado de S. Paulo

Ignorando seu papel de chefe de Estado, presidente falta à celebração dos 200 anos da Independência no Congresso

O Congresso Nacional se reuniu ontem em sessão solene para celebrar os 200 anos da Independência do Brasil do Reino de Portugal. Fiel à sua notória falta de compreensão do cargo que ocupa, o presidente Jair Bolsonaro faltou à cerimônia, em que estavam os presidentes dos demais Poderes e o presidente de Portugal. A ausência de Bolsonaro não surpreende, mas envergonha. Temos um presidente que ignora o simbolismo da Presidência nos seus aspectos mais comezinhos.

Bolsonaro já havia enxovalhado a Presidência no dia anterior, quando protagonizou o vexame internacional de transformar a data do Bicentenário da Independência em ocasião para comício eleitoral. A esperada captura do 7 de Setembro por Bolsonaro, que explorou a estrutura paga com dinheiro público para fins privados, afastou da mais importante celebração cívica brasileira os representantes do Legislativo e do Judiciário, que sabiamente não se deixaram confundir com os animados militantes bolsonaristas.

Por conta disso, o verdadeiro 7 de Setembro acabou acontecendo no dia 8 – mais uma evidência da insanidade que tomou o País desde a vitória eleitoral de Bolsonaro em 2018. Foi no Congresso, a instância de representação institucional da sociedade brasileira, que se deu a efetiva comemoração pelo Bicentenário.

A ausência do presidente do Brasil na celebração da Independência do País no Congresso foi notada por todos, obviamente, mas não sentida. Bolsonaro é o que é, uma figura recalcitrante em sua postura indecorosa e em seu desleixo com as obrigações que o cargo lhe impõe. Resta esperar que quem lhe suceder resgate o simbolismo e a dignidade da Presidência da República.

O Palácio do Planalto não divulgou por que motivo Bolsonaro não compareceu à cerimônia no Congresso e nem se dignou a enviar uma nota, como o fizeram os ex-presidentes Fernando Collor de Mello, Fernando Henrique Cardoso, Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, igualmente ausentes. Os ex-presidentes José Sarney e Michel Temer marcaram presença.

Sabe-se que, no momento da sessão solene, Bolsonaro estava reunido com um grupo de apoiadores no Palácio da Alvorada. Isso sinaliza o que todos já estão cansados de saber: que Bolsonaro não governa para os brasileiros, mas apenas para aqueles que o chamam de “mito” e que o “autorizam” a chamar as Forças Armadas para fechar o Congresso e o Supremo Tribunal Federal.

Um dia depois que Bolsonaro, no alto de um carro de som, conclamou seus seguidores a “extirpar” os petistas da vida pública, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, advertiu que o direito ao voto “não pode ser exercido com desrespeito, em meio a discurso de ódio, com violência e intolerância em face dos desiguais”. 

“A história não é destino, mas a compreensão de nossas origens que forma nossos horizontes”, disse o presidente do Supremo, ministro Luiz Fux, em seu pronunciamento. Tão amplos e alvissareiros serão nossos horizontes quanto profunda for a reflexão dos eleitores sobre o que ocorreu no País nos últimos quatro anos – e que Brasil queremos construir para o futuro. 

Incentivo à educação de qualidade

O Estado de S. Paulo

Vincular repasses do ICMS à melhoria de indicadores do setor nos municípios, conforme Emenda Constitucional n.º 108, é boa estratégia para elevar a qualidade da educação básica

Incentivos financeiros, quando acertam o alvo, têm enorme poder de transformar a realidade. Daí a expectativa de que as redes municipais de educação, responsáveis por sete em cada dez alunos nos anos iniciais do ensino fundamental do País, consigam dar um salto de qualidade ao longo desta década, com a entrada em vigor de novos critérios de repasse do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) para os municípios. A novidade é que a chamada cota-parte municipal do ICMS levará em conta índices de aprendizagem e de redução de desigualdades educacionais. Ou seja, a melhoria da qualidade da educação representará mais dinheiro no caixa das prefeituras.

Tal mecanismo tira proveito da máxima segundo a qual o ponto mais sensível de cada indivíduo é o bolso − e a lógica dos governos não é muito diferente disso. Ao transformar a melhoria da qualidade da educação em aumento de receita, o novo cálculo busca mobilizar os prefeitos em favor das políticas educacionais. Isso, sem dúvida, deverá contribuir para transformar positivamente a realidade das salas de aula.

A mudança nos critérios de repasse do ICMS foi aprovada em 2020, quando o Congresso criou o novo Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb). A Emenda Constitucional n.º 108 deu dois anos para que os Estados regulamentassem o dispositivo, prazo esse que se encerrou no último mês de agosto. Em muitos Estados, as Assembleias Legislativas correram para cumprir o prazo constitucional. Infelizmente, não foi o que ocorreu em São Paulo, onde o Projeto de Lei 424/2022 permanece em análise.

Como se sabe, políticas públicas exigem o trabalho de muita gente. E é imprescindível que o pontapé inicial dado pelo Congresso tenha sequência nos Estados. Do contrário, uma boa ideia corre o risco de parar no meio do caminho.

Os governos estaduais arrecadam o ICMS e devem repassar um quarto da receita às prefeituras. Atualmente isso é feito com base em critérios variados − um deles, o número de habitantes de cada município. A Emenda Constitucional n.º 108 trouxe duas inovações: primeiro, determinou que indicadores educacionais sejam utilizados no cálculo de uma parcela dos repasses; além disso, fixou um porcentual mínimo a ser transferido com base nesses mesmos indicadores educacionais. 

A emenda constitucional estabeleceu as regras gerais. Cada Estado, no entanto, manteve a prerrogativa de detalhar os critérios educacionais que serão observados. Da mesma forma, os Estados podem elevar o porcentual cuja transferência ficará atrelada à melhoria dos indicadores educacionais. Isso é feito na regulamentação do dispositivo.

A vinculação de receitas do ICMS à educação foi adotada primeiramente no Ceará, Estado que virou referência nacional em educação, notadamente nos anos iniciais do ensino fundamental. Vale lembrar que é nessa fase que se dá a alfabetização, momento decisivo para a trajetória escolar das crianças. A melhoria das redes municipais, portanto, tende a produzir avanços no sistema educacional como um todo.

Incentivos financeiros já produziram importantes resultados na educação brasileira. Nos anos 1990, o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (Fundef), precursor do atual Fundeb, contribuiu para universalizar o ensino fundamental. Fez isso ao determinar que recursos da educação, no âmbito de cada Estado, fossem redistribuídos com base no número de alunos matriculados. Tal mecanismo, até então inexistente, serviu de estímulo para que as redes públicas buscassem atender o maior número possível de crianças. De uma hora para outra, ter mais estudantes nas escolas públicas significou receber mais verbas. 

O que está em jogo agora não é um avanço quantitativo, mas um salto de qualidade. Quanto mais os alunos aprenderem, mais recursos as prefeituras receberão. Vincular repasses do ICMS à melhoria de indicadores educacionais é uma iniciativa que caminha na direção certa. 

Piora o congestionamento no Judiciário após a pandemia

Valor Econômico

Congestionamento é resultado da intensa judicialização no país

O Poder Judiciário ainda não se recuperou da pandemia, apesar do aumento da visibilidade na mídia e da digitalização. Segundo o anuário Justiça em Números de 2022, divulgado no início do mês, o número de processos abertos e julgados em 2021 ficou abaixo do registrado em 2019. A arrecadação subiu, mas ainda não é suficiente para cobrir as despesas, que aumentaram em ritmo maior, inclusive com o pagamento de pessoal. Para a população, os serviços prestados deixam a desejar, com uma taxa de congestionamento elevada e atendimento inferior ao mínimo desejável.

Ao divulgar o balanço, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) comemorou o avanço da digitalização do serviço judiciário. Dos 90 tribunais, 44 aderiram integralmente ao programa Juízo 100% Digital, o que abrange 67,7% das serventias judiciais. Audiências, sessões de julgamento e demais atos processuais podem ocorrer por meio eletrônico e remoto nesses tribunais. Os processos eletrônicos representaram 80,8% das ações em tramitação e 89,1% dos casos baixados. Segundo o anuário, os processos eletrônicos permitem reduzir em média para três anos e quatro meses o tempo de tramitação, o que representa quase um terço dos prazos registrados nos processos físicos, que giram em torno de nove anos e nove meses.

Esses progressos não se traduzem em benefícios para quem recorre ao Judiciário. A taxa de congestionamento ficou em 74,2% em 2021, ano de trabalho híbrido: de cada 100 processos, apenas 25,8% foram julgados ou terminados. O índice é ligeiramente melhor do que os 75,8% do primeiro ano da pandemia, mas é um retrocesso na comparação com o ano anterior à pandemia, quando foi de 68,7%, o menor da série histórica. O Índice de Atendimento à Demanda (IAD) ficou em 97,3%, abaixo do patamar mínimo desejável de 100%, apenas um pouco melhor do que os 96,6% de 2020. Muito ruim, porém, quando comparado aos 116,9% de 2019.

Parte desses números fracos é resultado da intensa judicialização no país. Foram abertos 27,7 milhões de processos, no ano passado. Mesmo no auge da pandemia foram 25,1 milhões. Em tempos normais, há mais ainda: foram 30,2 milhões em 2019. A queda do volume de processos julgados ou baixados, de 35,3 milhões em 2019 para 24,2 milhões em 2020 e 26,9 milhões em 2021 contribui para o congestionamento. São considerados julgados não apenas os processos efetivamente concluídos, mas também os remetidos a órgãos judiciais de tribunais diferentes ou para as instâncias superiores ou inferiores. Ao final do ano, havia 62 milhões de ações judiciais em andamento, que é a diferença entre os 77,3 milhões de processos em tramitação e os 15,3 milhões (19,8%) suspensos ou em arquivo provisório, aguardando definição jurídica.

Estão voltando ao padrão anterior as despesas do Judiciário. Depois de terem caído de R$ 104,7 bilhões em 2019 para R$ 100,6 bilhões em 2020, subiram para R$ 103,9 bilhões no ano passado. A arrecadação do Judiciário fica distante desses valores. Foram R$ 73,42 bilhões no ano passado, o equivalente a 71% das despesas. A Justiça Federal é a responsável pela maior parte das arrecadações. Responde por 50% do total recebido pelo Poder Judiciário, e retornou aos cofres públicos valor três vezes superior às suas despesas.

As despesas com pessoal representam a maior parcela dos gastos do Judiciário e traçam uma trajetória crescente, principalmente no caso dos magistrados. No ano passado, o pagamento médio mensal de cada magistrado atingiu R$ 60,3 mil, bem acima dos R$ 48,1 mil de 2020. O salário dos terceirizados subiu de R$ 3,9 mil médios mensais para R$ 4,3 mil; o de cada servidor ficou estável em R$ 16,8 mil; e o dos estagiários aumentou ligeiramente para R$ 849,12.

O anuário esclarece que esses valores incluem não só remunerações, mas também indenizações, encargos sociais, previdenciários, Imposto de Renda e despesas com viagens a serviço. Detalha ainda que a soma do Imposto de Renda (até 27,5%) com a previdência social (11%), ambos incidentes sobre a remuneração total, podem gerar impactos de quase 40% na folha de pagamento. O último grande aumento concedido a magistrados foi registrado em 2019 e foi de 8,8%, acompanhando o reajuste dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), cujos salários servem de referência para os demais membros do Judiciário. A conta deve aumentar. Os ministros do STF já aprovaram aumento de 18% para o Judiciário e o reajuste é dado como certo.

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