sexta-feira, 9 de setembro de 2022

Laura Karpuska* - A bandeira é nossa.

O Estado de S. Paulo

Excluir quem não apoia o governo é uma tentativa de desmonte da nossa identidade nacional

Na quarta-feira pela manhã passei próximo à Avenida Paulista. Ambulantes vendiam bandeiras do Brasil para apoiadores do presidente que iam chegando aos poucos. Era uma onda verde-amarela.

Comemoramos 200 anos da nossa independência, mas a celebração era partidária. Era pró-Bolsonaro. A exceção talvez tenha sido a feliz reinauguração do Museu do Ipiranga. O resto foram eventos com tom golpista e repletos de falta de decoro.

A apropriação das cores da bandeira por um grupo político não é apenas uma infelicidade para quem quer torcer na Copa pela Seleção, mas não quer ser confundido com um apoiador do presidente. É também uma forma de enfraquecer nosso tecido social.

Extremistas vêm capturando bandeiras em outros países. Alemanha, Estados Unidos e Finlândia também tiveram seus símbolos nacionais vinculados a grupos de extrema direita. Esses grupos buscam legitimidade ao ter uma bandeira nacional como símbolo próprio. Uma tentativa de legitimidade soberba, como se os seus valores fossem os de um país inteiro. É, portanto, uma expressão de como esse grupo pensa a respeito de si mesmo. Não é uma retórica de união, mas de superioridade e discórdia.

Mais importante, apoderarse da bandeira acaba por confundir desaprovação desse grupo como se fossem ataques a um país. Blindam-se covardemente de críticas confundido o grupo com a Nação. Criticar Bolsonaro não é criticar o Brasil.

A cooptação das cores da bandeira na forma de um nacionalismo barato, excluindo os demais brasileiros que não apoiam este governo, é uma tentativa de desmonte da nossa identidade nacional.

Brasileiros dos mais diversos tipos não precisam se afastar de símbolos nacionais para criticar o atual governo. É possível se encontrar na sua identidade nacional sendo cosmopolita e não sendo ufanista. Entenderse como brasileiro não significa ter orgulho de ser brasileiro – como podemos ter orgulho do acaso? – mas, sim, compartilhar nossa história e nossa cultura.

Ao nos afastarmos dos nossos símbolos nacionais, deixamos um grupo ocupar um espaço que não lhe cabe. O extremo não pode definir o que é ser brasileiro.

Assistimos às mesmas novelas, ouvimos as mesmas músicas, lamentamos todos o 7 a 1. Nossa identidade não pode ser diminuída. Símbolos são fundamentais na nossa construção social e política. Não se pode entregar a bandeira para um grupo da população. Há mais que nos une do que nos separa.

A bandeira é nossa.

*PROFESSORA DO INSPER, PH.D. EM ECONOMIA PELA UNIVERSIDADE DE NOVA YORK EM STONY BROOK

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