O Estado de S. Paulo
Excluir quem não apoia o governo é uma tentativa de desmonte da nossa identidade nacional
Na quarta-feira pela manhã passei próximo à
Avenida Paulista. Ambulantes vendiam bandeiras do Brasil para apoiadores do
presidente que iam chegando aos poucos. Era uma onda verde-amarela.
Comemoramos 200 anos da nossa
independência, mas a celebração era partidária. Era pró-Bolsonaro. A exceção
talvez tenha sido a feliz reinauguração do Museu do Ipiranga. O resto foram
eventos com tom golpista e repletos de falta de decoro.
A apropriação das cores da bandeira por um grupo político não é apenas uma infelicidade para quem quer torcer na Copa pela Seleção, mas não quer ser confundido com um apoiador do presidente. É também uma forma de enfraquecer nosso tecido social.
Extremistas vêm capturando bandeiras em
outros países. Alemanha, Estados Unidos e Finlândia também tiveram seus
símbolos nacionais vinculados a grupos de extrema direita. Esses grupos buscam
legitimidade ao ter uma bandeira nacional como símbolo próprio. Uma tentativa
de legitimidade soberba, como se os seus valores fossem os de um país inteiro.
É, portanto, uma expressão de como esse grupo pensa a respeito de si mesmo. Não
é uma retórica de união, mas de superioridade e discórdia.
Mais importante, apoderarse da bandeira
acaba por confundir desaprovação desse grupo como se fossem ataques a um país.
Blindam-se covardemente de críticas confundido o grupo com a Nação. Criticar
Bolsonaro não é criticar o Brasil.
A cooptação das cores da bandeira na forma
de um nacionalismo barato, excluindo os demais brasileiros que não apoiam este
governo, é uma tentativa de desmonte da nossa identidade nacional.
Brasileiros dos mais diversos tipos não
precisam se afastar de símbolos nacionais para criticar o atual governo. É
possível se encontrar na sua identidade nacional sendo cosmopolita e não sendo
ufanista. Entenderse como brasileiro não significa ter orgulho de ser
brasileiro – como podemos ter orgulho do acaso? – mas, sim, compartilhar nossa
história e nossa cultura.
Ao nos afastarmos dos nossos símbolos
nacionais, deixamos um grupo ocupar um espaço que não lhe cabe. O extremo não
pode definir o que é ser brasileiro.
Assistimos às mesmas novelas, ouvimos as
mesmas músicas, lamentamos todos o 7 a 1. Nossa identidade não pode ser
diminuída. Símbolos são fundamentais na nossa construção social e política. Não
se pode entregar a bandeira para um grupo da população. Há mais que nos une do
que nos separa.
A bandeira é nossa.
*PROFESSORA DO INSPER, PH.D. EM ECONOMIA PELA UNIVERSIDADE DE NOVA YORK EM STONY BROOK
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