sexta-feira, 9 de setembro de 2022

Claudia Safatle - Mobilidade social e populismo

Valor Econômico

Parece que elevador social do mundo desenvolvido quebrou

Cresce no mundo a preocupação com o encolhimento das oportunidades de trabalho da classe média na estrutura de ocupações, por avanço tecnológico. Há, porém, um aumento nas ocupações do estrato alto (associadas com o pensamento crítico, solução de problema, criatividade, interação com pessoas) e, em menor escala, nas do estrato baixo (transporte, serviços simples, cuidados pessoais).

É a polarização do trabalho que, em íntima associação com o aumento da mobilidade social descendente da classe média, formam a raiz do populismo que se instalou em parte do mundo, cujos líderes eram e são: Donald Trump (EUA), Boris Johnson (Reino Unido), Alexis Tsipras (Grécia), Viktor Orbán (Hungria), Recep Erdogan (Turquia), Vladimir Putin (Rússia), Rodrigo Duterte (Filipinas), Evo Morales (Bolívia), Pedro Castillo (Peru), Andrés Manuel López Obrador (México), Hugo Chávez e Nicolás Maduro (Venezuela), Cristina Kirchner e Alberto Fernández (Argentina), Gabriel Boric (Chile), Lula e Jair Bolsonaro (Brasil).

Essa é a síntese de trabalho elaborado por José Pastore e apresentado em debate recente na Fipe (Fundação instituto de Pesquisa Econômica). Na Europa, nos EUA, na América Latina e no Brasil, em particular, o fenômeno se repete e fragiliza a democracia.

Estudos da OCDE mostram que entre os períodos de 1994-96 e 2016-18 a proporção de ocupações dos estratos médios diminuiu, em média, 11%. Em contrapartida, houve um aumento de 9% nas ocupações altamente qualificadas e de 3% nas pouco qualificadas.

Para os americanos nascidos na década de 40, a ascensão social em relação a seus pais foi de 95%. Para os que nasceram na década de 80, foi de apenas 41%. No período de 1980 a 2000, e levando em conta as transferências de renda dos programas públicos para as famílias, constatou-se que, para cada família americana que subiu na estrutura social, duas desceram. Foi o fim do “american dream”?

Nos países da União Europeia, em média, 21% dos homens e 24% das mulheres desceram na escala social nos últimos anos. Os que possuem alta qualificação com boa formação em matemática, ciências e lógica, ao contrário, tiveram condições de permanecer onde estavam ou de subir na escala social.

Parece que “o elevador social do mundo desenvolvido quebrou”. Na maioria dos países, a mobilidade ascendente foi reduzida, a não ser para um pequeno grupo de profissionais altamente qualificados.

No rastro da polarização, o trabalho vem sendo remunerado muito aquém do capital e os ganhos de produtividade, com as novas tecnologias, estão sendo transferidos mais para os consumidores do que para os trabalhadores do estrato médio.

Ao aumentar as ocupações mais e menos qualificadas acentua-se a desigualdade social.

Com a expansão da globalização e da migração de empresas para outros países, deu-se o enfraquecimento dos sindicatos dos trabalhadores.

A participação dos salários no crescimento do PIB está em queda. Segundo a OIT (Organização Internacional do Trabalho), a parcela do trabalho no PIB mundial caiu, em média, de 75% para 65% entre 1970 e 2010.

A entrada da China na economia mundial produziu muitos deslocamentos de pessoas na estrutura de ocupações em outros países. Atribui-se a desindustrialização em vários países ao avanço da concorrência chinesa. E, como consequência, acabou destruindo ocupações de estrato médio e empurrando os trabalhadores para os serviços simples e de baixa remuneração.

Há muito desencanto com a globalização. Ao contrário do que se esperava, ela não provocou o jogo do ganha-ganha. As condições da concorrência mudaram muito na economia globalizada. A competição dos importados desempenhou um papel importante na polarização do trabalho.

A inteligência artificial, se destruiu postos de trabalho, tem sido também uma fonte de criação de muitas oportunidades de trabalho de boa qualidade para técnicos, profissionais na área de finanças e serviços médicos.

“É inegável que o Brasil é uma sociedade que continua com uma razoável mobilidade ascendente, mas isso foi mais claro no passado do que no presente”, atesta Pastore.

Durante todo o século XX a mobilidade social ascendente foi intensa no Brasil. Parte da ascensão social decorreu da migração do campo para as cidades e a outra parte foi movida pelas pessoas que entraram em vagas na indústria, nas múltis, nas estatais e no sistema financeiro - setores que se expandiram de 1950 a 1970.

Pastore realizou estudos pioneiros sobre o tema. Foram utilizados os dados da Pnad de 1973 e, posteriormente, os da Pnad de 1996. Entre 1973 e 1996, a mobilidade social aumentou de 58,4% para 63,2% e a mobilidade ascendente subiu de 47,1% para 49,6%. Aumentou também, ainda que ligeiramente, a mobilidade descendente, que passou de 11,3% para 13,6% entre os dois períodos.

A mobilidade descendente está intimamente associada ao sentimento de privação relativa, que costuma dar origem às atitudes e aos comportamentos de inconformismo, protesto, rebelião e busca de líderes populistas de direita e de esquerda.

Gradualmente, para cumprir parte de suas promessas, os governos populistas vão erodindo as finanças públicas, agravam os déficits, incham a máquina pública, solapam a confiança dos investidores e fragilizam a democracia.

A busca do populismo ocorre quando a desigualdade é sentida como injusta. Pesquisa de 2019 e repetida em 2021, com dados ainda mais nítidos, mostra que: 80% dos brasileiros se sentiam injustiçados pela economia ter sido capturada pelos ricos e poderosos; 78% achavam que partidos e políticos tradicionais não ligam para as pessoas comuns; e 74% dos eleitores disseram que o Brasil precisa de líder forte para recuperar o país das mãos dos ricos e poderosos.

Solução para esses graves problemas é a qualificação e requalificação continuada dos trabalhadores; equilíbrio entre os incentivos à tecnologia e ao trabalho; e um trabalho sério e conjunto entre escola, empresas e governo. É preciso, também, inverter a tendência predominante de se tributar mais pesadamente o trabalho e menos as tecnologias.

A solução imaginada pelo procurador-geral da República, Augusto Aras, é equivocada. Ele pretende que o Congresso aprove uma lei, conforme previsto no artigo 7º, inciso XXVII, da Constituição, que estabelece o direito de o trabalhador urbano e rural ter “proteção em face da automação. Na forma da lei”.

 

2 comentários:

Anônimo disse...

No Brasil o elevador quebrou porque Bolsonaro não fez a manutenção... Pegou todo o dinheiro livre no orçamento e entregou pro Centrão e seus cúmplices e familiares... Tchutchuca!

ADEMAR AMANCIO disse...

O populismo do Bolsonaro é infinitamente pior que o de Lula.