Editoriais / Opiniões
Para conquistar a maioria, Lula tem de
fazer concessões
O Globo
Acordos programáticos como o fechado com
Marina são essenciais para fazer faxina em plano de governo
À medida que Luiz Inácio
Lula da Silva mantém a vantagem nas pesquisas, impõe-se uma
pergunta: como seria seu eventual governo a partir de 2023 em caso de vitória?
Dado o histórico dele na Presidência, são improváveis ameaças à democracia
comparáveis às do presidente Jair
Bolsonaro. De modo astuto, o PT tem
usado tal argumento para se apresentar como guardião da democracia e defender o
voto útil em Lula no primeiro turno, na tentativa de encerrar a disputa já no
dia 2 de outubro. É compreensível que a campanha petista lance mão do que está
a seu alcance para tentar vencer. Mas uma vitória de Lula sem clareza a
respeito de seu programa de governo não seria o melhor para o país.
Foi, por isso, uma novidade alvissareira o encontro dele com a ex-ministra Marina Silva, da Rede Sustentabilidade. Em troca de apoio, o PT prometeu acatar propostas da Rede para a agenda ambiental. Na carta-compromisso entregue por Marina, há uma lista de ações específicas, como recomposição e ampliação dos quadros técnicos dos órgãos de fiscalização e a implementação de um mercado de carbono.
Não resta dúvida de que a conversa em bases
programáticas é um gesto elogiável. É tudo que o eleitor exige de uma campanha
eleitoral que até o momento tem se destacado pela polarização infantil. Mas é
difícil acreditar na sinceridade dos petistas ao firmarem alianças com quem foi
ou é crítico do partido.
As mudanças têm se concentrado na
aparência, não necessariamente no conteúdo. Tome-se a escolha de Geraldo
Alckmin, ex-tucano e ex-governador de São Paulo, para compor a chapa
de Lula. Foi um movimento político hábil, que serviu para fazer acenos ao
mercado financeiro e a setores produtivos. Mas ainda não garantiu uma alteração
de rota nas propostas econômicas desastradas que constam do programa do PT — e
que precisariam de uma faxina exaustiva e urgente.
Em vez disso, as declarações do economista
Guilherme Mello, assessor do PT, em sabatina dos jornais O GLOBO e Valor,
deixam claro que a escolha de Alckmin não significou o fim do atraso. Para
Mello, a recuperação da capacidade de investimento do governo federal é um dos
pilares para a retomada do crescimento econômico — ideia estapafúrdia que já se
provou equivocada no passado, mas segue viva no discurso petista. É evidente
que tal visão também não representa a opinião da maioria antibolsonarista,
aquela que garante a vantagem de Lula nas pesquisas.
A aposta de Lula é liquidar a eleição no
primeiro turno para não ter de assumir compromissos que desafiem a velha
bússola do partido. Uma vez no poder, ele poderá então governar como bem lhe
convier. O país teria se livrado da inépcia, da baixaria e das ameaças à
democracia de Bolsonaro, mas poderá se ver de novo refém de políticas
econômicas comprovadamente desastrosas. Seria uma tragédia para o Brasil.
A importância dos acordos programáticos,
como o fechado com Marina, está em obrigar Lula a fazer concessões explícitas
aos grupos políticos de cujo apoio precisa para vencer, em especial no campo
econômico. Com isso, sua candidatura se torna mais representativa da maioria
que ele tanto almeja. E, para o Brasil, muito mais relevante do que saber se
Lula tem condição de derrotar Bolsonaro no primeiro ou no segundo turno é ter
noção de que governo ele fará se vencer. Até agora, isso não ficou claro como
deveria.
Prisão de delegado no Rio revela como o
crime organizado infiltrou a polícia
O Globo
Captura do aparato de segurança por
criminosos resulta da cultura em que florescem as milícias e outros males
O relacionamento espúrio do aparato de
segurança pública do Rio de Janeiro com o crime organizado ficou mais uma vez
exposto com a operação Águia na Cabeça, do Ministério Público fluminense. A
operação, cujo nome é inspirado no jogo do bicho, teve como alvo os policiais
que mantêm ligações com bicheiros, para os quais, segundo as denúncias,
trabalham como informantes e aliciadores de assassinos de aluguel.
Da operação, resultou a prisão do
delegado e hoje candidato a deputado federal Allan Turnowski
(PL), chefe da Polícia Civil no governo Sérgio Cabral em
2010 e 2011. Na época, ele deixou o cargo por causa do vazamento de uma
operação investigada pela Polícia Federal. Voltou em 2020 para mais uma vez
chefiar a polícia, numa secretaria da atual gestão de Cláudio Castro (PL).
Outro policial investigado pela operação, Antônio Ricardo Lima Nunes, ex-chefe
do Departamento Geral de Homicídios e Proteção à Pessoa, contra quem foi
emitido um mandado de busca e apreensão, é candidato a deputado estadual pelo
Podemos.
Os promotores acusam Turnowski de ter
atuado como agente duplo na guerra travada entre os contraventores Rogério de
Andrade e Fernando Iggnácio, respectivamente sobrinho e genro de Castor de
Andrade, patrono de escola de samba e capo do jogo no Rio, cuja morte, em 1997,
deflagrou uma guerra familiar pelo espólio que se estende até hoje. As máquinas
caça-níqueis mudaram a jogatina de patamar e aumentaram a ganância dos
herdeiros.
A guerra no clã eclodiu um ano depois da
morte de Castor, com o assassinato de seu filho, Paulo Andrade, parado num
sinal de trânsito à noite na Barra da Tijuca. Em novembro de 2020, Iggnácio foi
assassinado, segundo o MP a mando de Rogério. O foco da investigação da Águia
na Cabeça são entendimentos para matar Rogério envolvendo o delegado Maurício
Demétrio, a quem as investigações atribuem ligações com Iggnácio. Preso por
corrupção desde o ano passado, Demétrio foi agora acusado de participar de
organização criminosa e de violar sigilo funcional.
No conteúdo de 12 celulares apreendidos com
ele, os investigadores descobriram conversas com um homem de confiança de
Iggnácio que tratam de um atentado contra Rogério. Também descobriram uma troca
de mensagens com Turnowski, que sugere um plano para atingir adversários
políticos, como o prefeito do Rio, Eduardo Paes,
e o ex-presidente da OAB Felipe
Santa Cruz.
A operação do MP é um alerta para o poder
público e para a sociedade sobre a contínua infiltração do crime nas
instituições, em particular nas próprias corporações encarregadas de investigar
os criminosos. Apenas a punição exemplar pode ser capaz de reverter a cultura
leniente que permite o florescimento desse tipo perverso de corrupção, que
resulta nas milícias e em tantos outros males. É preciso haver tolerância zero
com policiais criminosos e corruptos.
O que se espera do Supremo
O Estado de S. Paulo
Para enfrentar este momento crítico, o STF precisa de ministros discretos, técnicos e respeitosos com a colegialidade da Corte – o exato perfil de Rosa Weber, sua nova presidente
A ministra Rosa Weber assumiu a presidência
do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) com
um discurso em que fez uma defesa enfática da Constituição e do Estado
Democrático de Direito. A ministra ressaltou que “vivemos tempos
particularmente difíceis da vida institucional do País, tempos verdadeiramente
perturbadores, de maniqueísmos indesejáveis”. Lembrou que o STF tem sido alvo
de “ataques injustos e reiterados”, sendo acusado de um “mal compreendido
ativismo judicial, por parte de quem, a mais das vezes, desconhece o texto
constitucional”.
Não poderiam ser mais precisas as palavras
da nova presidente do Supremo. Os tempos são verdadeiramente perturbadores.
Como também não poderia ser mais adequado para o momento atual – com os imensos
desafios que o STF tem de enfrentar – o exemplo de Rosa Weber no exercício da
magistratura ao longo de mais de quatro décadas; em especial, na continuidade
desse exato modo de proceder – discreto, técnico e alicerçado na colegialidade
– como ministra do STF desde 2011.
Os tempos atuais, insistimos, apresentam
desafios imensos para o Supremo. Mas a superação desses desafios não exige
nenhuma aptidão sobre-humana ou estratégias complexas, muito menos uma atuação
fora do devido processo legal. O que o STF precisa é de ministros conscientes
do seu papel como juízes, de suas competências e de seus deveres – exatamente
como vem se portando, ao longo dos anos, a ministra Rosa Weber.
A nova presidente do STF tornou-se
conhecida como a ministra que só fala nos autos. Ora, isso deveria ser a regra,
e não a exceção. É vedado ao magistrado, diz a Lei Orgânica da Magistratura,
“manifestar, por qualquer meio de comunicação, opinião sobre processo pendente
de julgamento, seu ou de outrem, ou juízo depreciativo sobre despachos, votos
ou sentenças, de órgãos judiciais, ressalvada a crítica nos autos e em obras
técnicas ou no exercício do magistério”.
Em tempos de protagonismo individual, Rosa
Weber notabilizou-se pelo profundo respeito ao princípio da colegialidade. No
julgamento de um dos habeas corpus impetrados em favor do
ex-presidente Lula, em um momento de especial pressão sobre ela, Rosa Weber
lembrou que, “compreendido o tribunal como instituição, a simples mudança de
composição não constitui fator suficiente para mudar jurisprudência”. Advertia,
assim, para uma realidade frequentemente relevada nos dias de hoje. Um tribunal
não é mera soma de vontades. A jurisprudência não é simples placar momentâneo
da composição de um tribunal. São orientações com a pretensão de serem
estáveis, de durarem ao longo do tempo. De outra forma, confundem e
desorientam.
Nessa mesma ocasião, ao priorizar a
jurisprudência do STF em detrimento de sua própria opinião pessoal, a ministra
Rosa Weber deu uma valiosa lição sobre o exercício da magistratura. “A decisão
judicial deve se apoiar não nas preferências pessoais do magistrado, mas na
melhor interpretação possível do direito objetivo”, afirmou. Esse é o espírito
– o desapego – que deve guiar todos os juízes. Eles não aplicam as suas
vontades, mas a lei.
Outro aspecto notável do comportamento da
ministra Rosa Weber é o cumprimento dos prazos. O STF tem muito a ganhar se,
seguindo o exemplo de sua nova presidente, “não exceder injustificadamente os
prazos para sentenciar ou despachar”, como manda a Lei Orgânica da
Magistratura. O pedido de vista não é exercício de poder sobre o julgamento de
um caso.
No discurso de posse, Rosa Weber citou o
hino do Rio Grande do Sul: “Não basta para ser livre ser forte, aguerrido e
bravo. Povo que não tem virtude acaba por ser escravo”. E acrescentou: “E
virtude, entenda-se, digo eu, como disposição firme e constante para a prática
do bem, com excelência de conduta”. A excelência de conduta de todos os
ministros, em plena conformidade com a Constituição, é a defesa mais eficiente
que se pode fazer do STF. E isso não é uma exigência utópica. Desde 2011, Rosa
Weber mostra que é perfeitamente possível.
Muito dinheiro e pouco resultado
O Estado de S. Paulo
Governo desmonta Bolsa Família e quintuplica gastos com Auxílio Brasil, mas avanço da miséria expõe falhas de política concebida no calor das necessidades eleitorais do presidente
O Auxílio Brasil deve consumir R$ 157,7
bilhões do Orçamento no ano que vem, o equivalente a 1,5% do Produto Interno
Bruto (PIB) nacional. Segundo os dados mais recentes do Ministério da
Cidadania, o programa atendia 20,2 milhões de famílias e quase 53,6 milhões de
pessoas em julho, um contingente que corresponde a 25% da população. A
expectativa é a de que a quantidade de beneficiários atinja a marca de 21,6
milhões até o fim do ano. Seu piso, que subiu de R$ 400 para R$ 600, é o
assunto central do debate eleitoral e tem sido alvo de disputa entre os
presidenciáveis. São números expressivos sob qualquer ponto de vista – seja o
tamanho da despesa e sua proporção no PIB, seja em volume de beneficiários.
Cabe, então, fazer uma incômoda pergunta. Se o País nunca gastou tanto com
assistência social e jamais tantas famílias foram alcançadas por políticas de
transferência de renda direta do governo, por que, ainda assim, há tantas
pessoas em situação de completa vulnerabilidade morando nas ruas e vivendo de
esmolas para se alimentar?
Algumas dessas respostas estão em uma
reportagem publicada dentro da série Agenda Estadão, que reúne os grandes
temas a serem tratados com prioridade pelo próximo presidente eleito. Fica
claro que o Auxílio Brasil precisa de um redesenho para que possa trazer
resultados efetivos no combate à pobreza e na redução das desigualdades. Em seu
auge, o Bolsa Família atendia 14,6 milhões de famílias e pagava um benefício
médio de R$ 191,86. O valor já era considerado insuficiente, e a pandemia de
covid-19 reforçou a necessidade de reajustar os pagamentos para garantir
condições de vida dignas para os mais vulneráveis. Partindo-se dessa premissa,
o governo teria todas as condições de fazer ajustes e propor aprimoramentos,
mas para isso teria que ter recorrido a especialistas e às informações dos
Centros de Referência de Assistência Social (CRAs) dos municípios e do Cadastro
Único (CadÚnico) dos programas sociais do Ministério da Cidadania. No entanto,
escolheu fazer exatamente o contrário.
O Bolsa Família foi abruptamente revogado
por meio da Medida Provisória que criou o Auxílio Brasil. O piso único,
independentemente da composição familiar, se converteu na grande bandeira
eleitoral de Bolsonaro, e nunca houve esclarecimentos sobre os estudos que balizaram
a definição desse valor. Centradas na garantia do bem-estar das crianças,
contrapartidas como presença escolar obrigatória e cumprimento do calendário
vacinal foram eliminadas. Dispensados do compromisso de manter os dados
atualizados, casais passaram a adotar a fraude da divisão artificial das
famílias para somar benefícios. Fica claro que as falhas do Auxílio Brasil não
são acidentais, mas resultado de uma opção eleitoreira do presidente Jair
Bolsonaro para ampliar o acesso ao programa indiscriminadamente, em vez de
priorizar os que mais precisam – famílias monoparentais chefiadas por mulheres
com filhos pequenos. O resultado não poderia ser outro: o País quintuplicou os
gastos com a política social comparativamente a 2019, mas o avanço da miséria é
incontestável aos olhos de quem vive nas maiores cidades brasileiras.
Diante do verdadeiro leilão que os
presidenciáveis têm feito sobre o piso do Auxílio Brasil, talvez a conclusão
mais importante da reportagem – e que deveria nortear o trabalho do próximo
governo – seja a do pesquisador Daniel Duque. “É muito óbvio que dá para fazer
muito mais com o mesmo e também fazer mais com menos”, disse. Em um país com
enormes desigualdades e necessidades que não cabem no Orçamento, é essencial
resgatar um projeto de assistência social com foco nos mais pobres e
contrapartidas que proporcionem oportunidades para que seus filhos saiam da
situação de miséria. Construir um programa verdadeiramente eficiente, de
caráter permanente, é fundamental para blindá-lo da disputa eleitoral;
financiar uma política pautada nesses termos é uma obrigação moral da sociedade
brasileira para eliminar esse vergonhoso gargalo histórico.
A notável expansão dos serviços
O Estado de S. Paulo
Setor cresce pelo 17.º mês consecutivo; em 12 meses, acumula alta de 9,6% e já supera nível registrado antes da covid-19
Em expansão desde o início do ano passado,
o volume de serviços no Brasil tem crescido a velocidades crescentes nos
últimos meses e, em julho, foi 1,1% maior do que o de junho. Nos dois meses
anteriores, a expansão tinha sido de 0,4% e 0,8%, respectivamente. Com os novos
resultados divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE), o setor de serviços reforça sua firme recuperação e continua
sendo a principal força para o crescimento econômico neste ano.
Por causa desse desempenho dos serviços,
analistas econômicos de instituições financeiras privadas estão novamente
elevando suas projeções para o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB)
brasileiro em 2022. Algumas dessas projeções já chegam a 2,8%, o que, se não
chega a ser um desempenho estupendo (a economia mundial deve crescer mais de
3%), mostra um quadro muito melhor do que aquele desenhado no início do ano,
quando se falava majoritariamente em expansão de menos de 0,5% da economia
brasileira neste ano eleitoral.
A recuperação, além de resistente – na
comparação com o mês anterior, julho registrou o 17.º aumento consecutivo –, é
disseminada, pois três dos cinco grupos pesquisados pelo IBGE mostraram em
julho resultado melhor do que o de junho.
No resultado acumulado de 12 meses, nota-se
discreta redução na velocidade de expansão. Depois de alcançar 12,8% nos 12
meses terminados em abril, o aumento foi de 11,7% em maio, de 10,5% em junho e
em julho ficou em 9,6%. Mesmo menos intensa, continuou sendo uma expansão
notável, bem maior do que a observada em outros segmentos da economia. O setor
hoje está num nível 8,9% acima do observado em fevereiro de 2020, isto é, antes
da pandemia de covid-19. E apenas 1,8% abaixo do resultado de novembro de 2014,
o ponto mais alto de toda a série do IBGE.
É notável a expansão dos serviços prestados
às famílias, que nos 12 meses até julho registraram aumento de 31,1%. Mais
expressivo ainda foi o aumento de 47,3% do transporte aéreo. Essas duas
modalidades de serviços vêm há tempos mostrando um aumento muito grande. É a
consequência mais visível da gradual redução das restrições à circulação e à
aglomeração de pessoas em decorrência da expressiva queda dos números da
pandemia propiciada pela vacinação.
Além da reabertura das atividades
econômicas, que propiciou a rápida expansão dos serviços presenciais, houve
estímulos tributários que impulsionaram o setor. A recuperação do mercado de
trabalho, expressa no aumento das contratações com carteira assinada e na
redução da taxa de desemprego geral, igualmente vem dando forte impulso ao
crescimento dos serviços.
Este, observe-se, é o principal gerador de
empregos da economia, o que acaba criando um círculo virtuoso para a atividade
econômica. Mesmo que, em boa parte, os postos de trabalho abertos pelo setor de
serviços impliquem emprego com menor rendimento ou menor proteção social, eles
oferecem oportunidades de trabalho remunerado para milhões de brasileiros.
Felizmente, nem tudo vai mal.
Troca de guarda
Folha de S. Paulo
Rosa Weber assume a presidência do STF em
momento que exige discrição e firmeza
A ministra Rosa Weber assumiu a
presidência do Supremo Tribunal Federal na segunda-feira (12)
com uma cerimônia recheada de mensagens nas linhas, nas entrelinhas e mesmo
fora delas.
Para bons entendedores, não passou
despercebido, por exemplo, que a nova presidente tenha dispensado os coquetéis
e jantares que costumam acompanhar essas solenidades em Brasília.
Rosa é uma ministra discreta, habituada a
falar nos autos, como manda a lei; evita os holofotes e não se entrega a
estrelismos, constituindo nesses aspectos um saudável contraponto a vários de
seus colegas no tribunal.
Fiel a esse espírito, ela pretende resguardar
a corte até o fim da eleição, evitando levar a plenário julgamentos que
transformem o STF em protagonista do noticiário.
O comedimento, no entanto, não se confunde
com falta de firmeza. Basta lembrar de que modo a ministra negou um pedido da
Procuradoria-Geral da República, que queria suspender investigação sobre
possível prevaricação do presidente Jair Bolsonaro (PL) na importação da vacina
Covaxin.
"No desenho das atribuições do
Ministério Público, não se vislumbra o papel de espectador das ações dos
Poderes da República", afirmou Rosa em sua decisão.
Foi com essa mesma firmeza que ela discursou em
sua posse, reverenciando o Estado democrático de Direito, a
igualdade entre as pessoas e o caráter laico do Estado; rejeitando o discurso
de ódio e repudiando a intolerância.
Se houvesse alguém em dúvida quanto ao
destinatário das palavras, a ministra foi mais enfática: "De
descumprimento de ordens judiciais nem sequer se cogite em um Estado
democrático de Direito".
Talvez Bolsonaro, que já ameaçou descumprir
ordens judiciais, tenha antecipado tudo isso e, procurando evitar
constrangimento semelhante ao que enfrentou na posse de Alexandre de Moraes
como presidente do Tribunal Superior Eleitoral, houve por bem se ausentar da
cerimônia no STF.
Anote-se que a última vez em que um
presidente da República deixara de comparecer a evento dessa natureza havia sido em
1993.
Não é coincidência que muito da posse de
Rosa tenha soado a recados para Bolsonaro; enquanto o STF representa o último
guardião da Constituição, o atual chefe do Executivo é quem mais a ameaça.
A ministra estará à frente de uma corte
que, se mostra altivez notável no enfrentamento de pressões institucionais,
ainda deve à sociedade uma atuação mais colegiada e menos sujeita a ativismos
judicias, de modo a favorecer a coerência de decisões e a segurança jurídica
Ensino distanciado
Folha de S. Paulo
Utilidade do EAD é evidente, mas cumpre
evitar queda de qualidade na educação
Especialistas em educação superior
recomendam não superestimar o Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes
(Enade) como ferramenta de avaliação qualitativa. Em que pesem suas limitações,
a prova traz
indicações preocupantes, contudo, sobre a disseminação do ensino a
distância (EAD).
Meros 2,3% dos cursos de graduação do
gênero chegam à nota máxima, 5, segundo o Instituto Nacional de Estudos e
Pesquisas Educacionais (Inep). Na modalidade presencial, são 6,2%.
A diferença também se apresenta no
contingente enorme de cursos que nem mesmo alcançam a nota 3, mínimo exigido
pelo MEC. Enquanto 30,9% dos presenciais ficam nos escores 1 e 2, sob risco de
sofrer sanções da pasta, no universo EAD praticamente a metade (47,8%) está no
limbo.
Não seria o caso, só por esses números, de
estigmatizar o aprendizado em ambiente virtual. A pandemia de Covid-19
evidenciou ainda mais sua utilidade e forçou instituições a desenvolver
técnicas pedagógicas adequadas para o meio, umas com mais sucesso que outras.
Por aperfeiçoada que seja a ferramenta,
nenhum educador relativizará a importância da interação entre alunos e
professores numa sala de aula real. O ensino remoto pode e deve ser usado para
baratear e dar acesso à educação superior a quem de outro modo não a teria, por
falta de recursos ou impossibilidade de deslocamento.
Há indicações, porém, de que o desempenho
mais baixo do estudo a distância resulte de fatores que nada têm a ver com a
tecnologia. Os matriculados nesses cursos tendem a ser mais velhos (só 16% têm
menos de 24 anos, ante 49% nos presenciais) e a trabalhar (77%, contra 63%).
São, portanto, pessoas menos familiarizadas
com informática que ficaram defasadas nos estudos e dispõem de menos tempo para
aulas, textos e exercícios. Após uma jornada de trabalho, e solitariamente
diante de uma tela, motivação e rendimento decaem.
Por fim, parece evidente que muitos
estabelecimentos de ensino superior recorrem ao EAD para cortar custos, sem se
preocupar com extrair do meio todo seu potencial.
De 2019 para 2020, a modalidade deu um
salto de 26%, para 2 milhões de matrículas novas. Em contraste, os cursos
presenciais registraram um recuo de 14% no período.
É certo que isso se deveu à pandemia, mas
agora é hora de cuidar para que o EAD não contribua para reduzir a já
insatisfatória qualidade do ensino superior brasileiro.
Ainda falta um bom chão para inflação
voltar à meta
Valor Econômico
A atitude de espera paciente do BC, que se
mantém, tem bons fundamentos
Não é apenas por cautela que o Banco
Central fez questão de sublinhar que os juros permanecerão elevados ainda por
um período de tempo prolongado. As duas deflações, observadas em julho e agosto
- que provavelmente serão sucedidas por uma terceira em setembro - têm o dedo
da intervenção governamental sobre impostos de combustíveis e energia.
Retiradas estas medidas basicamente eleitoreiras, a inflação segue quase que do
mesmo tamanho, como indicam os dados de agosto do IBGE.
O IPCA de agosto mostrou ligeiro aumento da
taxa de difusão da alta de preços, para 65%. Sete dos nove grupos de produtos
apontaram elevação, e a responsabilidade pela deflação de 0,36% no mês foi
novamente dos menores preços em transportes, que empurraram o índice 0,72
pontos percentuais para baixo. Transportes esteve na companhia solitária de
comunicação, que contribuiu com menos 0,06 ponto percentual para o resultado
final. Feitas as contas sem combustíveis e energia, o IPCA do mês seria
positivo em 0,36%.
A inflação de agosto foi uma das menores do
ano, graças à desaceleração dos aumentos de alimentos e bebidas para 0,24%,
ante 1,30% em julho. O grupo, mesmo assim, teve variação de 10,1% no ano até
agosto e 13,43% em 12 meses. É quase certo que as pressões sobre alimentos
arrefecerão, porque os problemas climáticos que afetaram a safra passada foram
embora. A previsão é de aumento da produção para a nova safra e a perspectiva é
de uma pequena queda das commodities agrícolas (Valor, 12 de setembro). A redução dos preços dos
combustíveis - incerta no médio prazo - ajuda a desinflar os preços. Caminham
em sentido contrário os aumentos dos insumos, motivados tanto pelo repasse da
alta inflação corrente como pelos efeitos da guerra na Ucrânia sobre a oferta
de fertilizantes.
Mas a evolução dos preços dos grupos e
subgrupos que compõem o IPCA ao longo do ano indicam que toda a carga baixista
é exercida pelos combustíveis (-17,67%), mais pela gasolina (-19,30%) do que
pelo diesel, que subiu uma enormidade (34,27%). Há a ajuda de outros preços
administrados, como os da energia residencial, que se beneficiaram da redução à
média do ICMS cobrado nos Estados, por iniciativa da União com apoio do
Congresso.
Fica claro que os núcleos de inflação,
vários excluindo energia e alimentos do cálculo, seguem altos, em boa medida
porque a inflação de serviços, com a volta à normalidade, também está subindo.
Para esfriar um pouco os aumentos, conta-se com a política monetária apertada,
cujos efeitos só agora começaram a ser sentidos com mais intensidade. Dada a
defasagem, as atividades refletem ainda a ação de juros módicos, de 5,25%, vigentes
um ano atrás, em setembro de 2021.
O BC está na difícil posição de agir diante
de forças conflitantes e alto grau de incerteza. A desaceleração da economia
global avança, especialmente na Europa, com contribuição determinante da China,
terá um efeito deflacionário. No entanto, pelo fato de os EUA estarem na
frente, entre os desenvolvidos, na elevação dos juros, o dólar teve sua maior
valorização em duas décadas. Já o real tem desempenho errático e uma
valorização teria mais chances de ocorrer com algum impacto desinflacionário
relevante não fosse a política eleitoral-fiscal do governo Bolsonaro. Ela
tornou-se expansionista e passou por cima dos diques de contenção de gastos
instituídos. Por isso, a demanda reagiu e o PIB pode ficar acima dos 2%, amortecendo
efeitos da política monetária.
A manutenção ou não da retirada dos
impostos federais sobre combustíveis é um dilema cuja resolução é política. O
orçamento da União apresentado a preserva, mas faltará dinheiro para o resto,
exceto emendas do relator. Dessa decisão depende um rebote da inflação
(estimado em 0,6%), ou não, em 2023 ou 2024.
A bagunça fiscal e o estímulo à demanda postergam e amortecem a queda da inflação, o que exige juros mais elevados por mais tempo. A pesquisa Focus mostra queda do IPCA em 2022 e 2023, mas alta pequena mas constante em 2024 - 3,47%, para uma meta de 3%. A esperada queda dos juros no início de 2023 se deve mais aos diferentes interesses dos investidores que aos sinais do BC. Até há pouco, uma corrente forte no mercado pedia juros mais altos e via incongruência até mesmo na interrupção do aperto monetário enquanto a inflação não desse sinais consistentes de que rumava para as metas. A atitude de espera do BC, que se mantém, tem bons fundamentos.
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