Folha de S. Paulo
Governo pode até bancar parte da conta, mas
dinheiro iria para quem mais precisa?
Talvez seja possível criar
um meio de renegociar dívidas, como propõem Ciro Gomes (PDT) e Lula da Silva
(PT), não necessariamente nos termos sugeridos por esses candidatos. É assunto
complicado, para financistas, microeconomistas e entendidos em programas de
redistribuição de renda.
Sim, redistribuição, transferência de
renda, "programa social". É difícil imaginar um plano desses sem
subsídios. Isto é, sem que o governo banque parte da conta.
Se o dinheiro dos impostos ou de dívida
pública extra vai bancar a conta, qual o critério para escolher o beneficiário?
Apenas ter dívidas bancárias em atraso? Haveria gente em situação pior do que
ser inadimplente? É quase certo que sim.
Isto posto, é fácil lembrar dos programas
de perdão de dívidas de impostos de empresas (na média, um
Refis ou coisa parecida a cada dois anos, neste século). É fácil
lembrar dos empréstimos de bancos públicos com taxas de juros subsidiadas para
empresas também imensas, alguns dos quais financiaram, direta ou indiretamente,
fusões e aquisições, formação de oligopólios e coisa ainda pior.
Ainda assim, é difícil fazer.
O governo pode criar incentivos para que
bancos renegociem mais débitos em atraso. Na epidemia, houve exemplos e ideias
a fim de auxiliar empresas. O governo pode permitir que os bancos usem dinheiro
que têm de deixar parado no Banco Central (depósitos
compulsórios) ou diminuir exigências de capital ou de provisões, desde que
refinanciem dívidas. É um tanto a ideia do PT.
Problemas. Os bancos já refinanciam e
abatem dívidas, no limite do seu interesse. Os clientes que restam na
inadimplência são quase "perda total". Por que bancos refinanciariam
esses "créditos podres", as dívidas restantes (mesmo com incentivos),
se o risco de calote é enorme?
O governo pode bancar as possíveis perdas
dos bancos nesses casos —é um subsídio. Porém, se os bancos não correrem também
algum risco de perda, qual a qualidade do crédito que vão conceder? Vão
emprestar para qualquer um? Para quem, com qual critério socialmente relevante?
A que taxa de juros e prazo?
Uma outra ideia é que os bancos públicos
comprem essa carteira de crédito ruim dos bancos privados. Isto é, que paguem
algum para os bancos privados para ficar com o empréstimo (e o possível futuro
pagamento dos atrasados).
Esses empréstimos seriam vendidos em leilão,
como na ideia do PDT. Quem vendesse mais barato, faria negócio. O banco público
então refinanciaria seu novo cliente, a pessoa inadimplente, com juros e prazos
generosos (compensados pelo governo). Haveria estrutura para conceder
empréstimos para dezenas de milhões de pessoas em dificuldade?
Esse dinheiro do governo iria para quem
mais precisa (com dívidas atrasadas ou não)? Em parte, não: os bancos poderiam
faturar algum com créditos "perda total" que vendessem ao governo.
Pode ser ainda que bancos estatais criem
uma linha de crédito a juros baixos. A pessoa decide se quer tomar o
empréstimo, desde que use o dinheiro para pagar atrasados, no grosso cartão de
crédito e cheque especial. Bancos ganham algum; pessoas mais espertas
financeiramente, já usuárias do sistema bancário, talvez saiam do desespero.
Difícil dizer que elas sejam as mais pobres.
De quanto seria o total de dinheiro gasto
em subsídio? Teria uso alternativo melhor, socialmente mais justo? Um sistema
de microcrédito ágil e amplo não seria melhor?
Há ainda algum risco de seleção adversa
(beneficiar maus pagadores contumazes), de incentivo ao calote.
Não fazer nada é fácil. Mas a coisa é
complicada e pode dar em besteira e iniquidade, uma aposta fácil no Brasil.
2 comentários:
Ótimo artigo !
Fato!
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