O dilema da direita diante de Bolsonaro
O Globo
Maioria conservadora e civilizada tem o
desafio de dissociar-se da minoria extremada que promove o golpismo
Os ataques de manifestantes
antidemocráticos, ainda inconformados com a derrota de Jair Bolsonaro, contra
policiais são inaceitáveis — e traduzem à perfeição o dilema da direita no
Brasil. Seu representante mais popular nas últimas décadas — o presidente capaz
de atrair mais de 58 milhões de votos no segundo turno — se tornou o ícone de
uma minoria golpista interessada em criar confusão para minar a democracia.
As intenções violentas desses extremistas
ficaram claras nos ataques com paus, pedras e até tiros desferidos contra
policiais que tentavam desbloquear estradas no Pará e em Santa Catarina. Os
bloqueios de caminhoneiros foram reduzidos ao mínimo depois que a Polícia
Rodoviária Federal foi obrigada a agir. Mas a persistência de protestos
golpistas nas estradas e diante de quartéis revela que o Brasil terá de
conviver doravante com uma realidade inédita.
Diante dela, fez bem o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), ao determinar que esses atos antidemocráticos sejam investigados. Ele quer identificar seus líderes, organizadores e financiadores. Ao mesmo tempo, o ministro André Mendonça, também do STF, levantou um ponto essencial ao dizer que, numa democracia, todo protesto deve ser tolerado, desde que seja pacífico e respeite os direitos fundamentais. A investigação do golpismo não pode se transformar em arbítrio contra a liberdade de manifestação e opinião das vozes discordantes, por mais absurdas que sejam as teses defendidas por elas.
O cenário esgarçado torna mais saliente o
dilema da direita. É inegável que ela saiu fortalecida do pleito, apesar da
derrota de Bolsonaro. Terá a maior bancada no Congresso e governará São Paulo,
Rio de Janeiro e Minas Gerais. Capturada pelo bolsonarismo, demonstrou vigor na
urna. Mas isso cobrou um preço: o bolsonarismo atropelou a centro-direita e a
direita conservadora tradicional, esticando a corda para a extrema direita que
tolera, ou incentiva, os atos antidemocráticos. Embora os golpistas evitem
citar Bolsonaro, é impossível dissociá-lo de um movimento motivado por sua
derrota.
Para a direita tradicional, Bolsonaro foi eleito
com compromissos de reformas liberais na economia — “mais Brasil e menos
Brasília” —, incentivo à livre-iniciativa e à abertura comercial. Fracassou nas
reformas, isolou o Brasil do mundo e ficou longe dos objetivos, mas não os
abandonou. Internamente, sobressaíram pautas retrógradas como escolas sem
partido, ensino domiciliar e outros fetiches das “guerras culturais”. O avanço
nessa agenda também foi tímido, mas ela continua relevante para os
conservadores.
Agora, anabolizada pelo resultado das urnas,
tanto nas eleições proporcionais quanto nas majoritárias, a direita que manteve
apoio a Bolsonaro enfrenta uma dificuldade que não teria sido tão difícil
prever: precisa se desvincular da minoria extremista para levar adiante seus
projetos dentro das instituições democráticas. Tal caminho exigirá um
sacrifício: distanciar-se, se preciso, do próprio Bolsonaro, apesar da
capacidade de mobilização de votos que ele revelou na campanha. Para a direita
genuína, porém, não pode haver dúvida: atos golpistas como bloquear estradas ou
acampar em frente aos quartéis para pedir uma estapafúrdia “intervenção
federal” nada têm a ver com uma agenda conservadora de fato. É hora de a
direita civilizada isolar a minoria extremista e assumir o leme.
Brasil precisa de política de Estado para
retirar casas das áreas de risco
O Globo
Levantamento por satélite verificou que
triplicou a ocupação urbana em zonas sujeitas a desastres naturais
Um levantamento de imagens de satélite, do
projeto MapBiomas, mostrou que a ocupação urbana em áreas de risco no país
triplicou entre 1985 e 2021 — de 34,5 mil hectares para 103,5 mil hectares.
Considerando apenas as áreas de risco em favelas, o avanço foi ainda maior — de
6,8 mil hectares para 23,1 mil hectares no período. Pelo menos 887 municípios
brasileiros têm alguma área urbanizada em local suscetível a desastres.
A Amazônia registrou o maior crescimento
proporcional de áreas de favelas: 29,3%, acima da Mata Atlântica (7,9%), do
Pampa (7%), da Caatinga (4,8%), do Cerrado (4,4%) e do Pantanal (3,2%). Ainda
de acordo com o levantamento, 13 das 20 cidades onde houve maior expansão de
favelas ficam na Região Norte. Entre elas, as capitais Belém (aumento de 53,8%)
e Manaus (44,9%).
O estudo do MapBiomas traduz em números o
que o cidadão comum percebe no dia a dia: o surgimento de habitações em áreas
que não poderiam ser ocupadas, devido ao risco de desastres. Nas últimas
décadas, essa não tem sido uma preocupação de presidentes, governadores e
prefeitos, que preferem fazer vista grossa ao problema ou até incentivam
ocupações irregulares para escamotear a falta de políticas habitacionais que
contemplem as famílias de baixa renda.
O resultado costuma se revelar de forma
catastrófica durante as enxurradas de verão. Nos últimos dois anos, o Brasil
assistiu a tragédias em Pernambuco, na Bahia, em Minas, no Rio de Janeiro e em
São Paulo que custaram centenas de vidas. Não se podem encarar como fatalidade
eventos climáticos que ocorrem praticamente todos os anos com resultados
previsíveis. Tornam-se mais graves diante do despreparo flagrante dos governos
para enfrentá-los.
É ridículo pôr a culpa em São Pedro. É
verdade que os índices de chuva têm sido excepcionais — em Petrópolis, na
Região Serrana do Rio, onde mais de 200 moradores morreram em fevereiro, foram
as maiores já registradas. Mas todos sabemos que, devido às mudanças
climáticas, eventos extremos se tornaram e se tornarão mais frequentes e
letais. Não é improvável que catástrofes semelhantes voltem a ocorrer. Daí a
necessidade de se preparar.
É urgente que os governos federal, estaduais e municipais desenvolvam ações conjuntas para deter a ocupação em áreas de risco. É um erro pensar que ajudam as famílias pobres ao permitir que construam suas casas de forma precária à beira de abismos. Infelizmente, na campanha eleitoral o assunto foi abordado de forma rasa. O que se viu foram anúncios de programas habitacionais eleitoreiros. A questão habitacional precisa de uma política de Estado, não de governo. Programas desenhados nas pranchetas de marqueteiros políticos podem servir para atrair votos, mas não resolverão os problemas graves de moradia que há décadas desafiam o Brasil.
Além da educação
Folha de S. Paulo
Ricos têm mais ganho com ensino; combate à
desigualdade precisa ser mais amplo
O acesso à educação é desigual, assim como
o ensino oferecido ou as condições de aprender. Faz meio século, sabe-se também
que os anos e a qualidade do estudo são um determinante de disparidades
salariais e sociais em geral.
Mais recentemente, nota-se que mesmo a
igualdade de anos de instrução pode não nivelar os chamados retornos da
educação, ou seja, os incrementos de renda devidos ao aumento da formação
educacional. Pior, essa disparidade pode se prolongar por gerações.
No
recém-publicado estudo "Um Índice de Iniquidade de Educação",
Guilherme Lichand e Maria Eduarda Perpétuo, da Universidade de Zurique, e Priscila
Soares, da Universidade de São Paulo, mostram como o mesmo progresso
educacional implica ganhos de rendimento do trabalho desiguais para diferentes
grupos sociais.
No trabalho, noticiado pela Folha,
comparam-se a variação e a acumulação dos retornos da educação dos 10% mais
ricos da população brasileira com as dos 50% mais pobres; os de brancos e
amarelos ante os de negros e indígenas; e de homens em relação a mulheres.
Conclui-se que, desde 1980, os 10% de
domicílios mais ricos ficaram com cerca de dois terços dos retornos da educação
primária e secundária, em relação aos 50% mais pobres. Ademais, a iniquidade em
geral tem crescido.
Essas diferenças históricas afetam novas
gerações porque suas mães e seus pais não podem oferecer o mesmo nível de
formação das elites em casa, por exemplo, ou até porque o insucesso relativo
pode reduzir as aspirações de crianças e jovens dos grupos socialmente
prejudicados.
Crianças que não fazem parte dos estratos
mais abonados têm expectativas reduzidas também porque os integrantes da
família são menos recompensados pelos esforços educacionais. Uma conclusão
importante do estudo é que a iniquidade educacional pode crescer mesmo quando o
acesso à educação se torna menos desigual.
Outros fatores podem influenciar o
progresso socioeconômico: relações
sociais privilegiadas, discriminação sistemática, habilidades
socioemocionais diferenciadas ou herança patrimonial.
A tarefa de reduzir a presente desigualdade
entre jovens e crianças é, portanto, acrescida da remoção do peso de diferenças
históricas.
Trata-se de projeto essencial, na educação
básica, especialmente, na de jovens e adultos e no mercado de trabalho. O
fracasso de políticas públicas e a perpetuação de injustiças, afinal,
enfraquecem a crença na democracia.
Pobres
endividados
Folha
de S. Paulo
Para
lidar com inadimplência, é fundamental preservar retomada do emprego
Em
circunstâncias normais, a expansão do crédito para pessoas físicas e jurídicas
seria uma boa notícia inequívoca para a economia brasileira. Quando os juros
estão em um momento de pico, porém, o cenário se torna preocupante.
Segundo
pesquisa recém-publicada pela Confederação Nacional do Comércio (CNC), o percentual
de famílias com contas em atraso no país atingiu 30,3% em
outubro, numa alta de 4,7 pontos percentuais em 12 meses. Como a Folha noticiou,
trata-se da maior taxa de inadimplência medida desde o início da série
histórica, em 2010.
Hoje,
79,2% das famílias se declaram endividadas, ante 74,6% em outubro de 2021.
Desde o início do ano passado, os juros do Banco Central saltaram de 1,9% para
13,75% —as taxas de mercado, obviamente, acompanharam a alta em escala muito
maior.
Previsivelmente,
a incapacidade de pagamento é maior nas faixas mais baixas de renda. No corte
da CNC, estão inadimplentes 33,6% dos consumidores com renda até dez salários
mínimos, enquanto para os demais a cifra cai a 13,9%.
Estudo
do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre), da FGV, esmiuçou ainda mais a
concentração do fenômeno nos estratos mais carentes. Como reportou o jornal
Valor Econômico, os devedores com renda até dois salários mínimos respondem por
37% do crédito em atraso, de acordo com registros de julho.
Pela
avaliação do Ibre, a escalada tem origem na pandemia, que derrubou a atividade
econômica brasileira em 2020. De início, o endividamento das famílias teve o
incentivo da queda dos juros do BC; depois, no entanto, veio o aumento da
inflação e o aperto monetário.
Não
há solução simples para o problema —e há que evitar medidas demagógicas ou
voluntaristas. Nesse sentido, o empréstimo consignado ligado ao Auxílio
Brasil, parte do
pacote eleitoreiro de Jair Bolsonaro (PL), precisa ser revisto.
Nas
vagas ideias econômicas que apresentou durante a campanha, o presidente eleito,
Luiz Inácio Lula da Silva (PT), incluiu um programa destinado a facilitar a
renegociação das dívidas das famílias mais pobres.
Não
se conhecem maiores detalhes da proposta, a começar pelos fundos que poderiam
ser mobilizados para tanto.
De
mais palpável, é imperativo zelar para que se mantenha o máximo da retomada da
atividade e do emprego observada neste ano. A prioridade deve ser a
permanência, com aperfeiçoamentos, do Auxílio Brasil de R$ 600 mensais, sem
abrir caminho para uma gastança que comprometa a confiança, os investimentos e
as contratações.
Criando dificuldade para vender facilidade
O Estado de S. Paulo
Não faz o menor sentido aproveitar o fim melancólico da gestão Bolsonaro para deformar o já distorcido sistema tributário, derrubando a arrecadação da União, Estados e municípios
Há muitas dúvidas sobre como o governo que
acaba de ser eleito fará para cumprir suas generosas promessas de campanha e
acomodar gastos que a gestão de Jair Bolsonaro deliberadamente ignorou ao
apresentar a proposta de Orçamento de 2023. A equipe de transição estima a
necessidade de uma licença para gastar até R$ 200 bilhões para garantir o piso
de R$ 600 do Bolsa Família e recompor a verba de programas considerados
prioritários, um valor bem acima dos R$ 100 bilhões inicialmente previstos. Tal
definição ainda deve demandar muitas reuniões e acordos, mas uma coisa é certa:
diante do descalabro fiscal que Luiz Inácio Lula da Silva herdará de seu
antecessor, não é hora de abrir mão de receitas, como têm sinalizado algumas
lideranças do Congresso.
A Câmara dos Deputados pretende retomar a
tramitação de um projeto de lei complementar que dobra o limite de
enquadramento de micro e pequenas empresas no Simples Nacional, regime especial
unificado de arrecadação de tributos e contribuições, dos atuais R$ 4,8 milhões
para R$ 8,7 milhões. O texto também eleva o teto para o regime de
Microempreendedor Individual (MEI), uma subcategoria do Simples, de R$ 81 mil
para R$ 145 mil. Outra proposta que também estaria entre as prioridades da
Câmara é a que atualiza a tabela do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF) e
reajusta a faixa de isenção atual de R$ 1.903,98 para R$ 5.200,00.
Se aprovados, os textos podem tirar até R$
100 bilhões da arrecadação da União, Estados e municípios em 2023. Tudo indica
que eles serão usados como moeda de troca pelo presidente da Câmara, Arthur
Lira (PP-AL), que busca emular a relação abusiva mantida durante o governo Jair
Bolsonaro para continuar no comando da Mesa Diretora. Lira, no entanto, parece
ter perdido a mão. O deputado poderia ter tido mais pudor ao definir os
projetos com os quais pretende barganhar o apoio do PT à sua reeleição. Afinal,
eles não passam de textos casuísticos, cuja essência é criar dificuldades para
vender facilidades – no caso, a aprovação da PEC da Transição, como está sendo
chamada a Proposta de Emenda à Constituição da qual Lula depende para
reformular o Orçamento.
Não faz o menor sentido aproveitar o
melancólico fim da administração Bolsonaro para aprovar algo que deforma ainda
mais o já distorcido sistema tributário brasileiro, derrubando a arrecadação da
União e punindo, novamente, governadores e prefeitos. Apenas com o teto atual,
o Simples deve gerar uma renúncia fiscal de quase R$ 89 bilhões no ano que vem,
mesmo valor reservado para as despesas com o Auxílio Brasil no Orçamento de
2023, tendo em vista o piso de R$ 400. Não parece justo, tampouco proporcional.
Os maiores especialistas na área tributária
são unânimes em apontar a necessidade de rever regimes paralelos e reduzir – em
vez de aumentar – os limites de enquadramento no Simples e no MEI, muito
elevados até mesmo para padrões internacionais. O Simples, por si só, é um
estímulo à ineficiência, já que as empresas preferem deixar de crescer ou
fragmentam-se artificialmente com vistas a manter o benefício fiscal. Em termos
de geração de empregos, objetivo que supostamente justificaria esse tratamento
diferenciado, seus efeitos são pequenos ou nulos e não compensam seu custo,
como já demonstrou o diretor do Centro de Cidadania Fiscal, Bernard Appy.
Quanto à correção da tabela do IR, sua defasagem é cristalina, mas triplicar a
faixa de isenção de um ano para o outro não é algo factível dentro da realidade
fiscal brasileira.
Esses projetos representam, em suma, o
oposto do que se espera de uma verdadeira reforma tributária. Mais do que
abandoná-los, é preciso discutir esses assuntos no bojo de uma ampla mudança
que unifique impostos e simplifique o sistema de fato, como as que já tramitam
no próprio Legislativo – as Propostas de Emenda à Constituição 45/2019 e
110/2019. A Câmara faria um grande bem ao País se buscasse cumprir seu papel na
busca da correção das distorções do sistema tributário, em vez de fortalecer
seu caráter regressivo e reforçar nossas desigualdades.
Os ganhos com o saneamento básico
O Estado de S. Paulo
Estudo mostra que, além de reduzir os gastos com saúde, a universalização do saneamento básico elevará a produtividade e produzirá outras receitas, superando os custos em R$ 800 bi
A existência de mais de 90 milhões de
brasileiros sem acesso a coleta e tratamento de esgoto e de mais de 30 milhões
sem dispor de água tratada mostra que, apesar de todas as campanhas para a
expansão do saneamento básico no País e das importantes mudanças institucionais
para estimular investimentos privados no setor, a meta de universalização
desses serviços continua difícil de ser alcançada. Faltam apenas dez anos para
que 99% da população tenha acesso a abastecimento público de água potável e 90%
à coleta e tratamento de esgoto, como foi determinado pelo Marco Legal do
Saneamento Básico (Lei 14.026/2020). Há tempo para o cumprimento das metas, mas
a expansão dos serviços tem sido exasperantemente lenta.
Entre 2005 e 2020, a população que dispunha
de abastecimento de água em casa passou de 138,4 milhões para 175,4 milhões,
com aumento de apenas 1,8% ao ano. Quanto à rede de coleta de esgoto, a
população atendida passou de 66,9 milhões para 114,6 milhões, com aumento de
3,7% ao ano. Nos últimos anos não houve mudança no ritmo de expansão dos
serviços. O total de brasileiros sem acesso a abastecimento de água caiu de 35
milhões em 2016 para 33,1 milhões em 2020; o de pessoas sem coleta de esgotos
baixou de 100 milhões para 94 milhões no período.
O País teria muito a ganhar se a velocidade
fosse maior. Ganhariam não apenas a população diretamente beneficiada pela
extensão dos serviços de saneamento, mas toda a economia. É o que mostra estudo sobre
os benefícios econômicos e sociais da universalização do saneamento básico
feito pelo Instituto Trata Brasil, criado em 2007 por empresas
interessadas na expansão desses serviços e na proteção dos recursos hídricos.
A expansão da rede de água e esgotos
implica investimentos expressivos e requer um ambiente regulatório adequado que
dê segurança aos investidores e garantia de serviços adequados à população. O
Marco do Saneamento trouxe soluções para problemas institucionais antigos que
limitavam a ação de empresas e investidores privados no setor. A expectativa é
que, nos próximos anos, o volume de recursos aplicados em saneamento básico
cresça a velocidades maiores do que as registradas no passado recente, pois o
total de investimentos necessários para a universalização dos serviços até 2040
(algumas metas têm prazo maior para cumprimento) é de R$ 455 bilhões, em
valores atuais.
Isoladamente, o montante a ser aplicado
chega a impressionar. Mas o estudo do Instituto Trata Brasil mostra que, mesmo
com esse valor (corrigido ao longo do tempo até 2040, de acordo com estimativas
disponíveis de inflação no período, o total chegaria a R$ 667 bilhões), haverá
ganhos expressivos caso a universalização seja alcançada nos prazos previstos.
Os benefícios financeiros de diversas naturezas decorrentes da expansão do
saneamento básico poderiam superar os custos em R$ 800 bilhões, resultando num
balanço muito promissor para o País.
A falta de saneamento básico é causa de
diarreias e moléstias gastrointestinais que afetam principalmente as crianças,
o que prejudica dramaticamente a qualidade de vida das famílias que vivem em
áreas sem coleta de esgotos ou sem água encanada, afeta a produtividade e impõe
custos aos sistemas públicos de saúde. A universalização, desse modo, não
apenas propiciaria vida melhor para essas famílias, como contribuiria para
melhorar a qualidade do trabalho das pessoas dessas áreas e reduziria os gastos
com saúde.
Outros ganhos da universalização, além do
aumento expressivo da produtividade das pessoas em idade de trabalhar das
famílias que vivem nas áreas beneficiadas, viriam com a valorização imobiliária
e até com a expansão do turismo.
Os investimentos, de sua parte, passariam a
gerar renda e emprego com a expansão das operações de saneamento. Também
cresceria a arrecadação de impostos sobre o consumo e produção tanto nas
atividades de construção como nas operações dos sistemas de saneamento. E ainda
ficaria o legado da universalização dos serviços de saneamento básico.
Tragédia previsível
O Estado de S. Paulo
Ocupação urbana em áreas de risco aumentou três vezes no País, prenunciando mais mortes evitáveis
Deslizamentos, casas soterradas e vidas
perdidas: eis um trágico roteiro que se repete em cidades brasileiras na época
das chuvas, no verão. Por maior que seja a intensidade dos temporais, porém,
não há nada de natural no tamanho nem na frequência dos desastres. Menos ainda
na quantidade de mortos. Como se sabe, é a ocupação de áreas de risco,
geralmente nas encostas de morros, que abre caminho para a posterior destruição
pelas enxurradas. O problema se agravou nas últimas décadas: como noticiou o
Estadão, imagens de satélite mostram que aumentou três vezes o conjunto de
áreas de risco ocupadas no País, no período de 1985 a 2021, com ritmo ainda
mais acelerado em favelas, onde esse crescimento foi de 3,4 vezes.
Os dados acabam de ser divulgados pelo
MapBiomas, uma rede formada por universidades, organizações não governamentais
da área ambiental e empresas de tecnologia. O mapeamento traz inúmeros recortes
sobre a situação territorial das cidades brasileiras, reunindo informações
preocupantes que, desde já, deveriam orientar ações preventivas por parte das
prefeituras, dos governos estaduais e da União. Não só das respectivas defesas
civis, mas também dos órgãos responsáveis pelo planejamento urbano − algo de
que a maioria dos municípios no País carece enormemente.
A rotina de deslizamentos em áreas de
risco, é de lamentar, constitui uma tragédia anunciada. De acordo com o estudo
do MapBiomas, 887 cidades no País tinham moradores em áreas de risco no ano
passado; 20 delas concentravam 36% da urbanização em áreas de risco registradas
no período de 1985 a 2021. São Paulo (SP) é a quarta da lista, atrás de
Salvador (BA), Ribeirão das Neves (MG) e Jaboatão dos Guararapes (PE).
O mapeamento revela também a expansão de
favelas ou áreas informais, que se estenderam por 106 mil hectares − as imagens
de satélite captaram a existência de favelas em 738 municípios do País. Um dado
extremamente grave dá conta de que 15% dessa expansão se deu em áreas
consideradas de risco. Ao divulgar o estudo, o MapBiomas enfatizou que, a cada
100 novos hectares ocupados por favelas nas últimas décadas, 15 hectares estão
em locais sujeitos aos desastres naturais. De novo, é uma tragédia previsível −
que, vale insistir, pode ser evitada se o Poder Público agir antecipada e
preventivamente.
Questões estruturais, claro, precisam ser enfrentadas a começar por uma política habitacional. A presença de moradores em locais de risco reflete, em larga medida, a inexistência de políticas públicas e a negligência de governos ao não atenderem ao direito fundamental à moradia. Programas habitacionais devem incluir ainda a oferta de saneamento básico e transporte. Em paralelo, é preciso fiscalizar a ocupação do solo e tomar medidas preventivas contra deslizamentos. O estudo do MapBiomas fornece números e endereços a respeito da expansão urbana e da ocupação de áreas de risco nas cidades do País. O Brasil não está condenado a conviver com desastres que, na verdade, são evitáveis. Já passou da hora de agir.
Melhora do mercado de trabalho tem dias
contados
Valor Econômico
Problemas do mercado de trabalho brasileiro
vão além da dependência dos ciclos econômicos
O mercado de trabalho vem apresentando
melhora nos últimos meses. Na esteira da recuperação da economia e da queda da
inflação, o desemprego tem recuado, há mais vagas com carteira assinada e até o
salário médio apresenta ganho real. O quadro positivo pode estar com os dias
contados, porém, dada a expectativa de desaceleração da economia no próximo ano
e do fim do efeito do represamento do preço dos combustíveis e do alívio
temporário de impostos na redução dos índices de preços.
Os mais recentes números mostram o
progresso. A taxa de desemprego caiu para 8,7% no terceiro trimestre da
Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad), apurada pelo
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) - a menor desde junho de
2015. O número de trabalhadores com carteira assinada bateu recorde ao atingir
36,3 milhões de pessoas em setembro, assim como a população ocupada, com a
marca de 99,3 milhões.
O rendimento recebido pelos trabalhadores
cresceu 3,7% na comparação com o segundo trimestre e passou a registrar ganho
real, embora o progresso seja desigual, beneficiando mais trabalhadores das
áreas de agricultura, construção, serviços e comércio. Apesar da inflação
elevada, há ganho real de 2,5% na comparação em 12 meses e de 11,3% em termos
nominais.
Os dados do Novo Cadastro Geral de
Empregados e Desempregados (Caged), divulgados pelo Ministério do Trabalho e
Previdência, também foram positivos em setembro, mostrando a criação de 278.085
vagas de empregos com carteira assinada em todas as áreas, mais expressivamente
em serviços, na indústria e no setor público. O mercado projeta a criação de
2,1 milhões de postos no ano com carteira assinada no ano, e o governo, mais
otimista, fala em 3 milhões.
Mas ainda há 39,1 milhões de pessoas na
informalidade, ou 39,4% da população ocupada, calcula a Pnad Contínua de
setembro. Os desempregados somam 9,5 milhões, o menor número desde o quarto
trimestre de 2015; e são 23,4 milhões os subtilizados, conta que inclui os sem
emprego, os que nem buscam colocação por achar que não vão encontrar, e os 13,2
milhões que gostariam de trabalhar mais, mas não conseguem ampliar a atividade.
O grupo dos subutilizados corresponde a 20,1% da força de trabalho ampliada do
país, a menor taxa desde o primeiro trimestre de 2016.
Os números podem até melhorar nas próximas
semanas, apesar de se esperar uma desaceleração da economia. Há quem projete
desemprego na faixa de 8% no fim do ano. Mas o otimismo termina em 2023, para
quando se prevê crescimento inferior a 1% do Produto Interno Bruto (PIB) e o
fim das manobras do atual governo para conter a inflação, como a suspensão
temporária de impostos e a pressão pela contenção de combustíveis. As
estimativas para a economia global também não são positivas, o que afeta as
atividades domésticas como as relacionadas ao comércio exterior. O efeito da
política monetária restritiva no mercado de trabalho também deve ficar mais
para o próximo ano. Sem falar nas dificuldades de se governar em ambiente
fiscal conturbado deixado pelas manobras do ocupante do Palácio do Planalto.
Os problemas do mercado de trabalho
brasileiro vão além da dependência dos ciclos econômicos. Predomina a oferta de
vagas simples, geralmente oferecidas pelo setor de serviços, e com salários
mais baixos. Além disso, ao redor de 40% da população ocupada é informal.
Por outro lado, as empresas se queixam da
falta de mão obra especializada em novas tecnologias. Levantamento da
Confederação Nacional da Indústria (CNI) calcula que o Brasil precisará formar
4,2 milhões de trabalhadores para a economia digital até 2025. Pesquisa do
Senai mostra que os oito setores mais carentes de mão de obra especializada são
os de mineração e metalmecânica, logística e transporte, infraestrutura e
urbanismo, tecnologia da informação, eletroeletrônica, automotivo,
telecomunicações e energia (Valor 31/10).
A produtividade baixa é um empecilho.
Encarar todos esses problemas em suas diferentes facetas não é uma tarefa simples e requer empenho e apreço pela educação, o que parece ser, felizmente, uma preocupação do futuro governo. Um passo importante foi dado com a reforma do ensino médio, que está sendo implementada, com espaço para a educação profissional e tecnológica. Mas este é apenas o começo e é imprescindível a persistência na busca dos objetivos.
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