quarta-feira, 9 de novembro de 2022

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

O dilema da direita diante de Bolsonaro

O Globo

Maioria conservadora e civilizada tem o desafio de dissociar-se da minoria extremada que promove o golpismo

Os ataques de manifestantes antidemocráticos, ainda inconformados com a derrota de Jair Bolsonaro, contra policiais são inaceitáveis — e traduzem à perfeição o dilema da direita no Brasil. Seu representante mais popular nas últimas décadas — o presidente capaz de atrair mais de 58 milhões de votos no segundo turno — se tornou o ícone de uma minoria golpista interessada em criar confusão para minar a democracia.

As intenções violentas desses extremistas ficaram claras nos ataques com paus, pedras e até tiros desferidos contra policiais que tentavam desbloquear estradas no Pará e em Santa Catarina. Os bloqueios de caminhoneiros foram reduzidos ao mínimo depois que a Polícia Rodoviária Federal foi obrigada a agir. Mas a persistência de protestos golpistas nas estradas e diante de quartéis revela que o Brasil terá de conviver doravante com uma realidade inédita.

Diante dela, fez bem o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), ao determinar que esses atos antidemocráticos sejam investigados. Ele quer identificar seus líderes, organizadores e financiadores. Ao mesmo tempo, o ministro André Mendonça, também do STF, levantou um ponto essencial ao dizer que, numa democracia, todo protesto deve ser tolerado, desde que seja pacífico e respeite os direitos fundamentais. A investigação do golpismo não pode se transformar em arbítrio contra a liberdade de manifestação e opinião das vozes discordantes, por mais absurdas que sejam as teses defendidas por elas.

O cenário esgarçado torna mais saliente o dilema da direita. É inegável que ela saiu fortalecida do pleito, apesar da derrota de Bolsonaro. Terá a maior bancada no Congresso e governará São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais. Capturada pelo bolsonarismo, demonstrou vigor na urna. Mas isso cobrou um preço: o bolsonarismo atropelou a centro-direita e a direita conservadora tradicional, esticando a corda para a extrema direita que tolera, ou incentiva, os atos antidemocráticos. Embora os golpistas evitem citar Bolsonaro, é impossível dissociá-lo de um movimento motivado por sua derrota.

Para a direita tradicional, Bolsonaro foi eleito com compromissos de reformas liberais na economia — “mais Brasil e menos Brasília” —, incentivo à livre-iniciativa e à abertura comercial. Fracassou nas reformas, isolou o Brasil do mundo e ficou longe dos objetivos, mas não os abandonou. Internamente, sobressaíram pautas retrógradas como escolas sem partido, ensino domiciliar e outros fetiches das “guerras culturais”. O avanço nessa agenda também foi tímido, mas ela continua relevante para os conservadores.

Agora, anabolizada pelo resultado das urnas, tanto nas eleições proporcionais quanto nas majoritárias, a direita que manteve apoio a Bolsonaro enfrenta uma dificuldade que não teria sido tão difícil prever: precisa se desvincular da minoria extremista para levar adiante seus projetos dentro das instituições democráticas. Tal caminho exigirá um sacrifício: distanciar-se, se preciso, do próprio Bolsonaro, apesar da capacidade de mobilização de votos que ele revelou na campanha. Para a direita genuína, porém, não pode haver dúvida: atos golpistas como bloquear estradas ou acampar em frente aos quartéis para pedir uma estapafúrdia “intervenção federal” nada têm a ver com uma agenda conservadora de fato. É hora de a direita civilizada isolar a minoria extremista e assumir o leme.

Brasil precisa de política de Estado para retirar casas das áreas de risco

O Globo

Levantamento por satélite verificou que triplicou a ocupação urbana em zonas sujeitas a desastres naturais

Um levantamento de imagens de satélite, do projeto MapBiomas, mostrou que a ocupação urbana em áreas de risco no país triplicou entre 1985 e 2021 — de 34,5 mil hectares para 103,5 mil hectares. Considerando apenas as áreas de risco em favelas, o avanço foi ainda maior — de 6,8 mil hectares para 23,1 mil hectares no período. Pelo menos 887 municípios brasileiros têm alguma área urbanizada em local suscetível a desastres.

A Amazônia registrou o maior crescimento proporcional de áreas de favelas: 29,3%, acima da Mata Atlântica (7,9%), do Pampa (7%), da Caatinga (4,8%), do Cerrado (4,4%) e do Pantanal (3,2%). Ainda de acordo com o levantamento, 13 das 20 cidades onde houve maior expansão de favelas ficam na Região Norte. Entre elas, as capitais Belém (aumento de 53,8%) e Manaus (44,9%).

O estudo do MapBiomas traduz em números o que o cidadão comum percebe no dia a dia: o surgimento de habitações em áreas que não poderiam ser ocupadas, devido ao risco de desastres. Nas últimas décadas, essa não tem sido uma preocupação de presidentes, governadores e prefeitos, que preferem fazer vista grossa ao problema ou até incentivam ocupações irregulares para escamotear a falta de políticas habitacionais que contemplem as famílias de baixa renda.

O resultado costuma se revelar de forma catastrófica durante as enxurradas de verão. Nos últimos dois anos, o Brasil assistiu a tragédias em Pernambuco, na Bahia, em Minas, no Rio de Janeiro e em São Paulo que custaram centenas de vidas. Não se podem encarar como fatalidade eventos climáticos que ocorrem praticamente todos os anos com resultados previsíveis. Tornam-se mais graves diante do despreparo flagrante dos governos para enfrentá-los.

É ridículo pôr a culpa em São Pedro. É verdade que os índices de chuva têm sido excepcionais — em Petrópolis, na Região Serrana do Rio, onde mais de 200 moradores morreram em fevereiro, foram as maiores já registradas. Mas todos sabemos que, devido às mudanças climáticas, eventos extremos se tornaram e se tornarão mais frequentes e letais. Não é improvável que catástrofes semelhantes voltem a ocorrer. Daí a necessidade de se preparar.

É urgente que os governos federal, estaduais e municipais desenvolvam ações conjuntas para deter a ocupação em áreas de risco. É um erro pensar que ajudam as famílias pobres ao permitir que construam suas casas de forma precária à beira de abismos. Infelizmente, na campanha eleitoral o assunto foi abordado de forma rasa. O que se viu foram anúncios de programas habitacionais eleitoreiros. A questão habitacional precisa de uma política de Estado, não de governo. Programas desenhados nas pranchetas de marqueteiros políticos podem servir para atrair votos, mas não resolverão os problemas graves de moradia que há décadas desafiam o Brasil.

Além da educação

Folha de S. Paulo

Ricos têm mais ganho com ensino; combate à desigualdade precisa ser mais amplo

O acesso à educação é desigual, assim como o ensino oferecido ou as condições de aprender. Faz meio século, sabe-se também que os anos e a qualidade do estudo são um determinante de disparidades salariais e sociais em geral.

Mais recentemente, nota-se que mesmo a igualdade de anos de instrução pode não nivelar os chamados retornos da educação, ou seja, os incrementos de renda devidos ao aumento da formação educacional. Pior, essa disparidade pode se prolongar por gerações.

No recém-publicado estudo "Um Índice de Iniquidade de Educação", Guilherme Lichand e Maria Eduarda Perpétuo, da Universidade de Zurique, e Priscila Soares, da Universidade de São Paulo, mostram como o mesmo progresso educacional implica ganhos de rendimento do trabalho desiguais para diferentes grupos sociais.

No trabalho, noticiado pela Folha, comparam-se a variação e a acumulação dos retornos da educação dos 10% mais ricos da população brasileira com as dos 50% mais pobres; os de brancos e amarelos ante os de negros e indígenas; e de homens em relação a mulheres.

Conclui-se que, desde 1980, os 10% de domicílios mais ricos ficaram com cerca de dois terços dos retornos da educação primária e secundária, em relação aos 50% mais pobres. Ademais, a iniquidade em geral tem crescido.

Essas diferenças históricas afetam novas gerações porque suas mães e seus pais não podem oferecer o mesmo nível de formação das elites em casa, por exemplo, ou até porque o insucesso relativo pode reduzir as aspirações de crianças e jovens dos grupos socialmente prejudicados.

Crianças que não fazem parte dos estratos mais abonados têm expectativas reduzidas também porque os integrantes da família são menos recompensados pelos esforços educacionais. Uma conclusão importante do estudo é que a iniquidade educacional pode crescer mesmo quando o acesso à educação se torna menos desigual.

Outros fatores podem influenciar o progresso socioeconômico: relações sociais privilegiadas, discriminação sistemática, habilidades socioemocionais diferenciadas ou herança patrimonial.

A tarefa de reduzir a presente desigualdade entre jovens e crianças é, portanto, acrescida da remoção do peso de diferenças históricas.

Trata-se de projeto essencial, na educação básica, especialmente, na de jovens e adultos e no mercado de trabalho. O fracasso de políticas públicas e a perpetuação de injustiças, afinal, enfraquecem a crença na democracia.

Pobres endividados

Folha de S. Paulo

Para lidar com inadimplência, é fundamental preservar retomada do emprego

Em circunstâncias normais, a expansão do crédito para pessoas físicas e jurídicas seria uma boa notícia inequívoca para a economia brasileira. Quando os juros estão em um momento de pico, porém, o cenário se torna preocupante.

Segundo pesquisa recém-publicada pela Confederação Nacional do Comércio (CNC), o percentual de famílias com contas em atraso no país atingiu 30,3% em outubro, numa alta de 4,7 pontos percentuais em 12 meses. Como a Folha noticiou, trata-se da maior taxa de inadimplência medida desde o início da série histórica, em 2010.

Hoje, 79,2% das famílias se declaram endividadas, ante 74,6% em outubro de 2021. Desde o início do ano passado, os juros do Banco Central saltaram de 1,9% para 13,75% —as taxas de mercado, obviamente, acompanharam a alta em escala muito maior.

Previsivelmente, a incapacidade de pagamento é maior nas faixas mais baixas de renda. No corte da CNC, estão inadimplentes 33,6% dos consumidores com renda até dez salários mínimos, enquanto para os demais a cifra cai a 13,9%.

Estudo do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre), da FGV, esmiuçou ainda mais a concentração do fenômeno nos estratos mais carentes. Como reportou o jornal Valor Econômico, os devedores com renda até dois salários mínimos respondem por 37% do crédito em atraso, de acordo com registros de julho.

Pela avaliação do Ibre, a escalada tem origem na pandemia, que derrubou a atividade econômica brasileira em 2020. De início, o endividamento das famílias teve o incentivo da queda dos juros do BC; depois, no entanto, veio o aumento da inflação e o aperto monetário.

Não há solução simples para o problema —e há que evitar medidas demagógicas ou voluntaristas. Nesse sentido, o empréstimo consignado ligado ao Auxílio Brasil, parte do pacote eleitoreiro de Jair Bolsonaro (PL), precisa ser revisto.

Nas vagas ideias econômicas que apresentou durante a campanha, o presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), incluiu um programa destinado a facilitar a renegociação das dívidas das famílias mais pobres.

Não se conhecem maiores detalhes da proposta, a começar pelos fundos que poderiam ser mobilizados para tanto.

De mais palpável, é imperativo zelar para que se mantenha o máximo da retomada da atividade e do emprego observada neste ano. A prioridade deve ser a permanência, com aperfeiçoamentos, do Auxílio Brasil de R$ 600 mensais, sem abrir caminho para uma gastança que comprometa a confiança, os investimentos e as contratações.

Criando dificuldade para vender facilidade

O Estado de S. Paulo

Não faz o menor sentido aproveitar o fim melancólico da gestão Bolsonaro para deformar o já distorcido sistema tributário, derrubando a arrecadação da União, Estados e municípios

Há muitas dúvidas sobre como o governo que acaba de ser eleito fará para cumprir suas generosas promessas de campanha e acomodar gastos que a gestão de Jair Bolsonaro deliberadamente ignorou ao apresentar a proposta de Orçamento de 2023. A equipe de transição estima a necessidade de uma licença para gastar até R$ 200 bilhões para garantir o piso de R$ 600 do Bolsa Família e recompor a verba de programas considerados prioritários, um valor bem acima dos R$ 100 bilhões inicialmente previstos. Tal definição ainda deve demandar muitas reuniões e acordos, mas uma coisa é certa: diante do descalabro fiscal que Luiz Inácio Lula da Silva herdará de seu antecessor, não é hora de abrir mão de receitas, como têm sinalizado algumas lideranças do Congresso.

A Câmara dos Deputados pretende retomar a tramitação de um projeto de lei complementar que dobra o limite de enquadramento de micro e pequenas empresas no Simples Nacional, regime especial unificado de arrecadação de tributos e contribuições, dos atuais R$ 4,8 milhões para R$ 8,7 milhões. O texto também eleva o teto para o regime de Microempreendedor Individual (MEI), uma subcategoria do Simples, de R$ 81 mil para R$ 145 mil. Outra proposta que também estaria entre as prioridades da Câmara é a que atualiza a tabela do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF) e reajusta a faixa de isenção atual de R$ 1.903,98 para R$ 5.200,00. 

Se aprovados, os textos podem tirar até R$ 100 bilhões da arrecadação da União, Estados e municípios em 2023. Tudo indica que eles serão usados como moeda de troca pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), que busca emular a relação abusiva mantida durante o governo Jair Bolsonaro para continuar no comando da Mesa Diretora. Lira, no entanto, parece ter perdido a mão. O deputado poderia ter tido mais pudor ao definir os projetos com os quais pretende barganhar o apoio do PT à sua reeleição. Afinal, eles não passam de textos casuísticos, cuja essência é criar dificuldades para vender facilidades – no caso, a aprovação da PEC da Transição, como está sendo chamada a Proposta de Emenda à Constituição da qual Lula depende para reformular o Orçamento.

Não faz o menor sentido aproveitar o melancólico fim da administração Bolsonaro para aprovar algo que deforma ainda mais o já distorcido sistema tributário brasileiro, derrubando a arrecadação da União e punindo, novamente, governadores e prefeitos. Apenas com o teto atual, o Simples deve gerar uma renúncia fiscal de quase R$ 89 bilhões no ano que vem, mesmo valor reservado para as despesas com o Auxílio Brasil no Orçamento de 2023, tendo em vista o piso de R$ 400. Não parece justo, tampouco proporcional.

Os maiores especialistas na área tributária são unânimes em apontar a necessidade de rever regimes paralelos e reduzir – em vez de aumentar – os limites de enquadramento no Simples e no MEI, muito elevados até mesmo para padrões internacionais. O Simples, por si só, é um estímulo à ineficiência, já que as empresas preferem deixar de crescer ou fragmentam-se artificialmente com vistas a manter o benefício fiscal. Em termos de geração de empregos, objetivo que supostamente justificaria esse tratamento diferenciado, seus efeitos são pequenos ou nulos e não compensam seu custo, como já demonstrou o diretor do Centro de Cidadania Fiscal, Bernard Appy. Quanto à correção da tabela do IR, sua defasagem é cristalina, mas triplicar a faixa de isenção de um ano para o outro não é algo factível dentro da realidade fiscal brasileira.

Esses projetos representam, em suma, o oposto do que se espera de uma verdadeira reforma tributária. Mais do que abandoná-los, é preciso discutir esses assuntos no bojo de uma ampla mudança que unifique impostos e simplifique o sistema de fato, como as que já tramitam no próprio Legislativo – as Propostas de Emenda à Constituição 45/2019 e 110/2019. A Câmara faria um grande bem ao País se buscasse cumprir seu papel na busca da correção das distorções do sistema tributário, em vez de fortalecer seu caráter regressivo e reforçar nossas desigualdades. 

Os ganhos com o saneamento básico

O Estado de S. Paulo

Estudo mostra que, além de reduzir os gastos com saúde, a universalização do saneamento básico elevará a produtividade e produzirá outras receitas, superando os custos em R$ 800 bi

A existência de mais de 90 milhões de brasileiros sem acesso a coleta e tratamento de esgoto e de mais de 30 milhões sem dispor de água tratada mostra que, apesar de todas as campanhas para a expansão do saneamento básico no País e das importantes mudanças institucionais para estimular investimentos privados no setor, a meta de universalização desses serviços continua difícil de ser alcançada. Faltam apenas dez anos para que 99% da população tenha acesso a abastecimento público de água potável e 90% à coleta e tratamento de esgoto, como foi determinado pelo Marco Legal do Saneamento Básico (Lei 14.026/2020). Há tempo para o cumprimento das metas, mas a expansão dos serviços tem sido exasperantemente lenta.

Entre 2005 e 2020, a população que dispunha de abastecimento de água em casa passou de 138,4 milhões para 175,4 milhões, com aumento de apenas 1,8% ao ano. Quanto à rede de coleta de esgoto, a população atendida passou de 66,9 milhões para 114,6 milhões, com aumento de 3,7% ao ano. Nos últimos anos não houve mudança no ritmo de expansão dos serviços. O total de brasileiros sem acesso a abastecimento de água caiu de 35 milhões em 2016 para 33,1 milhões em 2020; o de pessoas sem coleta de esgotos baixou de 100 milhões para 94 milhões no período.

O País teria muito a ganhar se a velocidade fosse maior. Ganhariam não apenas a população diretamente beneficiada pela extensão dos serviços de saneamento, mas toda a economia. É o que mostra estudo sobre os benefícios econômicos e sociais da universalização do saneamento básico feito pelo Instituto Trata Brasil, criado em 2007 por empresas interessadas na expansão desses serviços e na proteção dos recursos hídricos.

A expansão da rede de água e esgotos implica investimentos expressivos e requer um ambiente regulatório adequado que dê segurança aos investidores e garantia de serviços adequados à população. O Marco do Saneamento trouxe soluções para problemas institucionais antigos que limitavam a ação de empresas e investidores privados no setor. A expectativa é que, nos próximos anos, o volume de recursos aplicados em saneamento básico cresça a velocidades maiores do que as registradas no passado recente, pois o total de investimentos necessários para a universalização dos serviços até 2040 (algumas metas têm prazo maior para cumprimento) é de R$ 455 bilhões, em valores atuais.

Isoladamente, o montante a ser aplicado chega a impressionar. Mas o estudo do Instituto Trata Brasil mostra que, mesmo com esse valor (corrigido ao longo do tempo até 2040, de acordo com estimativas disponíveis de inflação no período, o total chegaria a R$ 667 bilhões), haverá ganhos expressivos caso a universalização seja alcançada nos prazos previstos. Os benefícios financeiros de diversas naturezas decorrentes da expansão do saneamento básico poderiam superar os custos em R$ 800 bilhões, resultando num balanço muito promissor para o País.

A falta de saneamento básico é causa de diarreias e moléstias gastrointestinais que afetam principalmente as crianças, o que prejudica dramaticamente a qualidade de vida das famílias que vivem em áreas sem coleta de esgotos ou sem água encanada, afeta a produtividade e impõe custos aos sistemas públicos de saúde. A universalização, desse modo, não apenas propiciaria vida melhor para essas famílias, como contribuiria para melhorar a qualidade do trabalho das pessoas dessas áreas e reduziria os gastos com saúde.

Outros ganhos da universalização, além do aumento expressivo da produtividade das pessoas em idade de trabalhar das famílias que vivem nas áreas beneficiadas, viriam com a valorização imobiliária e até com a expansão do turismo.

Os investimentos, de sua parte, passariam a gerar renda e emprego com a expansão das operações de saneamento. Também cresceria a arrecadação de impostos sobre o consumo e produção tanto nas atividades de construção como nas operações dos sistemas de saneamento. E ainda ficaria o legado da universalização dos serviços de saneamento básico.

Tragédia previsível

O Estado de S. Paulo

Ocupação urbana em áreas de risco aumentou três vezes no País, prenunciando mais mortes evitáveis

Deslizamentos, casas soterradas e vidas perdidas: eis um trágico roteiro que se repete em cidades brasileiras na época das chuvas, no verão. Por maior que seja a intensidade dos temporais, porém, não há nada de natural no tamanho nem na frequência dos desastres. Menos ainda na quantidade de mortos. Como se sabe, é a ocupação de áreas de risco, geralmente nas encostas de morros, que abre caminho para a posterior destruição pelas enxurradas. O problema se agravou nas últimas décadas: como noticiou o Estadão, imagens de satélite mostram que aumentou três vezes o conjunto de áreas de risco ocupadas no País, no período de 1985 a 2021, com ritmo ainda mais acelerado em favelas, onde esse crescimento foi de 3,4 vezes.

Os dados acabam de ser divulgados pelo MapBiomas, uma rede formada por universidades, organizações não governamentais da área ambiental e empresas de tecnologia. O mapeamento traz inúmeros recortes sobre a situação territorial das cidades brasileiras, reunindo informações preocupantes que, desde já, deveriam orientar ações preventivas por parte das prefeituras, dos governos estaduais e da União. Não só das respectivas defesas civis, mas também dos órgãos responsáveis pelo planejamento urbano − algo de que a maioria dos municípios no País carece enormemente.

A rotina de deslizamentos em áreas de risco, é de lamentar, constitui uma tragédia anunciada. De acordo com o estudo do MapBiomas, 887 cidades no País tinham moradores em áreas de risco no ano passado; 20 delas concentravam 36% da urbanização em áreas de risco registradas no período de 1985 a 2021. São Paulo (SP) é a quarta da lista, atrás de Salvador (BA), Ribeirão das Neves (MG) e Jaboatão dos Guararapes (PE). 

O mapeamento revela também a expansão de favelas ou áreas informais, que se estenderam por 106 mil hectares − as imagens de satélite captaram a existência de favelas em 738 municípios do País. Um dado extremamente grave dá conta de que 15% dessa expansão se deu em áreas consideradas de risco. Ao divulgar o estudo, o MapBiomas enfatizou que, a cada 100 novos hectares ocupados por favelas nas últimas décadas, 15 hectares estão em locais sujeitos aos desastres naturais. De novo, é uma tragédia previsível − que, vale insistir, pode ser evitada se o Poder Público agir antecipada e preventivamente.

Questões estruturais, claro, precisam ser enfrentadas a começar por uma política habitacional. A presença de moradores em locais de risco reflete, em larga medida, a inexistência de políticas públicas e a negligência de governos ao não atenderem ao direito fundamental à moradia. Programas habitacionais devem incluir ainda a oferta de saneamento básico e transporte. Em paralelo, é preciso fiscalizar a ocupação do solo e tomar medidas preventivas contra deslizamentos. O estudo do MapBiomas fornece números e endereços a respeito da expansão urbana e da ocupação de áreas de risco nas cidades do País. O Brasil não está condenado a conviver com desastres que, na verdade, são evitáveis. Já passou da hora de agir.

Melhora do mercado de trabalho tem dias contados

Valor Econômico

Problemas do mercado de trabalho brasileiro vão além da dependência dos ciclos econômicos

O mercado de trabalho vem apresentando melhora nos últimos meses. Na esteira da recuperação da economia e da queda da inflação, o desemprego tem recuado, há mais vagas com carteira assinada e até o salário médio apresenta ganho real. O quadro positivo pode estar com os dias contados, porém, dada a expectativa de desaceleração da economia no próximo ano e do fim do efeito do represamento do preço dos combustíveis e do alívio temporário de impostos na redução dos índices de preços.

Os mais recentes números mostram o progresso. A taxa de desemprego caiu para 8,7% no terceiro trimestre da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad), apurada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) - a menor desde junho de 2015. O número de trabalhadores com carteira assinada bateu recorde ao atingir 36,3 milhões de pessoas em setembro, assim como a população ocupada, com a marca de 99,3 milhões.

O rendimento recebido pelos trabalhadores cresceu 3,7% na comparação com o segundo trimestre e passou a registrar ganho real, embora o progresso seja desigual, beneficiando mais trabalhadores das áreas de agricultura, construção, serviços e comércio. Apesar da inflação elevada, há ganho real de 2,5% na comparação em 12 meses e de 11,3% em termos nominais.

Os dados do Novo Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), divulgados pelo Ministério do Trabalho e Previdência, também foram positivos em setembro, mostrando a criação de 278.085 vagas de empregos com carteira assinada em todas as áreas, mais expressivamente em serviços, na indústria e no setor público. O mercado projeta a criação de 2,1 milhões de postos no ano com carteira assinada no ano, e o governo, mais otimista, fala em 3 milhões.

Mas ainda há 39,1 milhões de pessoas na informalidade, ou 39,4% da população ocupada, calcula a Pnad Contínua de setembro. Os desempregados somam 9,5 milhões, o menor número desde o quarto trimestre de 2015; e são 23,4 milhões os subtilizados, conta que inclui os sem emprego, os que nem buscam colocação por achar que não vão encontrar, e os 13,2 milhões que gostariam de trabalhar mais, mas não conseguem ampliar a atividade. O grupo dos subutilizados corresponde a 20,1% da força de trabalho ampliada do país, a menor taxa desde o primeiro trimestre de 2016.

 

Os números podem até melhorar nas próximas semanas, apesar de se esperar uma desaceleração da economia. Há quem projete desemprego na faixa de 8% no fim do ano. Mas o otimismo termina em 2023, para quando se prevê crescimento inferior a 1% do Produto Interno Bruto (PIB) e o fim das manobras do atual governo para conter a inflação, como a suspensão temporária de impostos e a pressão pela contenção de combustíveis. As estimativas para a economia global também não são positivas, o que afeta as atividades domésticas como as relacionadas ao comércio exterior. O efeito da política monetária restritiva no mercado de trabalho também deve ficar mais para o próximo ano. Sem falar nas dificuldades de se governar em ambiente fiscal conturbado deixado pelas manobras do ocupante do Palácio do Planalto.

Os problemas do mercado de trabalho brasileiro vão além da dependência dos ciclos econômicos. Predomina a oferta de vagas simples, geralmente oferecidas pelo setor de serviços, e com salários mais baixos. Além disso, ao redor de 40% da população ocupada é informal.

Por outro lado, as empresas se queixam da falta de mão obra especializada em novas tecnologias. Levantamento da Confederação Nacional da Indústria (CNI) calcula que o Brasil precisará formar 4,2 milhões de trabalhadores para a economia digital até 2025. Pesquisa do Senai mostra que os oito setores mais carentes de mão de obra especializada são os de mineração e metalmecânica, logística e transporte, infraestrutura e urbanismo, tecnologia da informação, eletroeletrônica, automotivo, telecomunicações e energia (Valor 31/10). A produtividade baixa é um empecilho.

Encarar todos esses problemas em suas diferentes facetas não é uma tarefa simples e requer empenho e apreço pela educação, o que parece ser, felizmente, uma preocupação do futuro governo. Um passo importante foi dado com a reforma do ensino médio, que está sendo implementada, com espaço para a educação profissional e tecnológica. Mas este é apenas o começo e é imprescindível a persistência na busca dos objetivos.

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