Valor Econômico
É essencial reconhecer que o país é mais
conservador do que quando Lula assumiu pela primeira vez em 2003
“Vamos
juntos pelo Brasil, olhando mais para aquilo que nos une do que para as nossas
diferenças.
Vou governar para 215 milhões de
brasileiros e brasileiras e não apenas para aqueles que votaram em mim. Não
existem dois Brasis. Somos um único país, um único povo, uma grande nação”.
Essas foram algumas das primeiras palavras
proferidas por Lula no domingo, dia 30 de outubro de 2022, logo após ser eleito
presidente da República pela terceira vez.
Apesar de serem mensagens sobremaneira
esperadas de quem vai governar um país desigual, heterogêneo e socialmente
diverso, o marcante discurso de Lula contrastou fortemente com a retórica do
atual presidente nos últimos quatro anos.
Em outubro de 2018, após o primeiro turno e com a vitória final quase assegurada, conforme as pesquisas da época, Bolsonaro soltou para seus apoiadores na Avenida Paulista o que seria o padrão de seus discursos nos anos seguintes:
“Essa turma (do PT), se quiser ficar aqui,
vai ter que se colocar sob a lei de todos nós. Ou vão para fora ou vão para a
cadeia. Vamos varrer do mapa os bandidos vermelhos do Brasil”. Naquele mesmo
dia, Bolsonaro atacou a imprensa e outras importantes instituições brasileiras.
O presidente continuou ao longo de seu
mandado se dirigindo principalmente ao seu núcleo duro de apoiadores em “lives”
e “twitters”, confrontando as instituições e sem diálogo com seus opositores,
mesmo durante momentos críticos da pandemia.
Bolsonaro buscava colocar na conta dos
governadores a crise econômica que inevitavelmente viria com o aumento de casos
de covid-19. Sem se responsabilizar por suas ações e ignorando o papel de líder
da nação, o presidente não coordenou com os governadores e prefeitos as
políticas para enfrentar a maior crise sanitária desse século.
O discurso do presidente na pandemia era
principalmente contra qualquer restrição de movimento de pessoas, quando pouco
se sabia sobre a letalidade e contágio da doença. Além de não incentivar a
vacinação e promover de forma irresponsável tratamentos com eficácias duvidosas
sobre os efeitos da doença.
Bolsonaro não entendeu que parte dos seus
votos em 2018 não eram realmente a seu favor e de pessoas que não
necessariamente acham que a resolução de conflitos deve ser feita de forma
individual, sem qualquer mediação institucional.
Isso culminou no caso emblemático da
deputada Carla Zambelli, que sacou e apontou sua arma nos Jardins, em São
Paulo, contra um cidadão após uma discussão no sábado antes da eleição.
Logo após o acontecido, Flávio Bolsonaro,
senador e filho mais velho do presidente “twittou” o caso e concluiu: “A arma
serve pra isso, cidadão de bem se defender de bandidos”. Eduardo Bolsonaro,
deputado federal e outro filho do presidente deu “like” e “retwittou” a mesma
mensagem.
Se isso não for o empoderamento para as
pessoas usarem armas de fogo em qualquer situação trivial, o que será?
Parte dos votos de Bolsonaro em 2018 era
também de pessoas que não apoiavam a política ambiental do seu governo e que
eram opostas às políticas educacionais do Ministério da Educação, que, com
quatro trocas de ministros em quatro anos, priorizou questões ideológicas ao
invés de resultados educacionais.
Assim, pela primeira vez desde 1998, o
presidente incumbente não ganha a eleição. Isso, com uma economia dando sinais
de recuperação e após a PEC Kamikaze de julho passado, que, achando brechas na
legislação, permitiu ao governo federal distribuir cerca de R$ 41 bilhões na
forma de diversos auxílios financeiros claramente eleitoreiros.
Lula, em seu discurso, deixou claro que sua
eleição não é um voto apenas de apoio ao PT: “Esta não é uma vitória minha, nem
do PT, nem dos partidos que me apoiaram nessa campanha. É a vitória de um
imenso movimento democrático que se formou, acima dos partidos políticos, dos
interesses pessoais e das ideologias, para que a democracia saísse vencedora”.
Unir o país será um dos principais desafios
de Lula, que conseguiu agregar no seu palanque adversários do passado e
políticos de diferentes partidos. É inclusive preciso um forte diálogo com as
pessoas que apoiaram o presidente Bolsonaro, como por exemplo, o grupo
importante e crescente de evangélicos.
Além disso, é essencial reconhecer que o
país é provavelmente mais conservador do que quando Lula assumiu o poder pela
primeira vez em 2003. Por isso, vai ser uma necessidade inadiável escutar as
demandas dos diversos grupos. Neste momento, ninguém melhor do que o presidente
eleito Lula para esta missão.
Qualquer governo só tem sucesso pleno se a
economia for bem. Assim, é fundamental o novo governo não repetir erros
primários, que resultaram em desperdícios e má alocação do dinheiro público. O
crucial é concentrar as ações no cuidado às pessoas, na proteção ao meio
ambiente, melhoria da infraestrutura pública e promoção da criatividade e
inovação.
É inescapável termos estabilidade
financeira e fiscal para que o governo tenha efetiva capacidade de cuidar das
pessoas, incluindo políticas de aumento real do salário mínimo, de
investimentos na capacidade humana das pessoas e inclusão produtiva dos mais
carentes, compromissos explícitos de Lula durante a campanha.
*Tiago Cavalcanti é professor de Economia da Universidade de Cambridge e da FGV-SP
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