Legislação tem de responsabilizar plataforma digital
O Globo
Depois do 8 de Janeiro, ficou mais evidente
que a regulação atual das redes sociais deixa muito a desejar
Os atentados do 8 de Janeiro tornaram
evidentes as deficiências da regulação digital no Brasil. Toda a conspiração
golpista foi armada pelas redes sociais, com base na desinformação sobre as urnas
eletrônicas disseminada havia tempo. A leniência das redes já se manifestara no
caso de ataques às vacinas, racismo, homofobia, antissemitismo e outros
discursos de ódio. Não há como fugir à realidade: a forma como a internet está
regulada tem deixado muito a desejar.
Concebido noutra realidade, o Marco Civil da Internet (MCI), de 2014, na prática isenta, no artigo 19, as plataformas digitais de responsabilidade pelo conteúdo que veiculam. A regra é similar à estabelecida pela seção 230 da Lei de Decência das Comunicações nos Estados Unidos, alvo de contestação na Suprema Corte, sob a acusação de permitir incentivo ao terrorismo. No Brasil, o artigo 19 também está em xeque no Supremo Tribunal Federal (STF). A principal discussão sobre o tema, contudo, é travada no Congresso, em torno do Projeto de Lei das Fake News.
“Embora
o artigo 19 do MCI tenha sido de inegável importância para a construção de uma
internet plural e aberta no país, hoje o dispositivo se mostra ultrapassado”,
afirmou o ministro Gilmar Mendes, do STF, no evento Liberdade de Expressão,
Redes Sociais e Democracia, organizado por Fundação Getulio Vargas (FGV), TV
Globo e Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP). No
lugar dessa norma, Gilmar sugeriu que o Brasil se inspire na legislação
europeia recém-aprovada sobre o tema.
De modo simplificado, ela estabelece
diretrizes para as próprias plataformas moderarem o que fazem circular.
Conteúdos ilícitos terão de ser removidos assim que houver comunicação do fato,
sem necessidade de esperar ordem judicial. Usuários cujas contas forem removidas
terão acesso a recurso para não haver arbítrio nem violação de seu direito à
liberdade de expressão. Caberá à Justiça avaliar se as plataformas têm cumprido
sua responsabilidade — e impor sanções caso contrário.
A legislação europeia acaba com a fantasia
de que elas sejam apenas empresas de tecnologia. “Quem mais lucrou no mundo em
publicidade no ano passado foi o Google”, afirmou no evento o ministro
Alexandre de Moraes, do STF. “Se sua principal atividade monetária é essa,
então deve se equiparar na responsabilidade a empresas de comunicação ou a
empresas de publicidade.”
Moraes lembrou que as plataformas já
dispõem de tecnologia para barrar pedofilia, pornografia infantil ou violações
de direito autoral. Não há motivo para que não a adaptem para também garantir o
cumprimento da legislação sobre direitos humanos, saúde ou proteção à
democracia. “A premissa básica é simples: o que não pode fazer na vida real não
pode fazer escondido covardemente nas redes sociais”, disse.
O maior risco de qualquer investida
regulatória é o uso das instâncias de monitoramento para sufocar vozes
divergentes ou tolher a liberdade de expressão. É preciso todo cuidado para
evitar a censura. Por isso é fundamental evitar atribuir poderes demasiados a
organismos sujeitos a interferência política. Como resumiu o ministro Gilmar:
“A opção de focar mais no processo e menos na substância do conteúdo parece ser
um caminho importante de debate”. O inaceitável é que essa dificuldade sirva de
pretexto para deixar tudo como está. O 8 de Janeiro mostrou que passou da hora
de agir.
Monitoramento de cidadãos pela Abin expõe o
uso das instituições de Estado
O Globo
Programa secreto permitia ao governo
Bolsonaro acompanhar 10 mil celulares à revelia da Justiça
Nos três primeiros anos do governo Jair
Bolsonaro, a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) usou um programa secreto
que lhe permitia acompanhar a localização em todo o território nacional de até
10 mil celulares por ano. Como revelou O GLOBO, tudo foi feito sem protocolo,
autorização da Justiça ou justificativa plausível para bisbilhotar os alvos,
que permanecem desconhecidos. Há relatos de uso do programa até para vigiar
agentes da própria Abin.
A Abin não tem autorização legal para
acessar dados privados de cidadãos, protegidos por lei. A legislação que regula
a agência, de 1999, não prevê o monitoramento de celulares nem o rastreamento
da localização de alvos. De tão absurdo, o procedimento suscitou uma
investigação interna para apurar o uso da ferramenta de espionagem, cujo
desfecho é desconhecido.
Desenvolvido pela israelense Cognyte
(ex-Verint), o software foi comprado por R$ 5,7 milhões, sem licitação, em
2018, no fim do governo Michel Temer. Foi usado no governo Bolsonaro até meados
de 2021. Permitia rastrear o paradeiro de proprietários de celular que usavam
as redes 2G, 3G e 4G por meio das informações transmitidas pelos aparelhos às
torres de comunicação, conhecidas tecnicamente como “metadados”. Oferecia até a
possibilidade de criar alertas em tempo real sobre as movimentações dos alvos.
A Abin, que em tese deveria fornecer
informações ao Executivo para garantir a segurança do Estado, tornou-se, como
tantas outras instituições oficiais, uma linha auxiliar do governo Bolsonaro
para proteger o presidente, familiares e amigos. Recentemente, descobriu-se que
até a Receita Federal violou ilegalmente sigilo de opositores. Na reunião
ministerial de 22 abril de 2020, Bolsonaro cobrou com veemência informações do
sistema de inteligência, para proteger os seus. “Prefiro não ter informação do
que (sic) ser desinformado pelo sistema de informações que eu tenho”, disse
ele.
A Abin, informou O GLOBO, é acusada de ter
levantado informações sobre negócios nebulosos de Jair Renan, filho mais novo
de Bolsonaro, na tentativa de prevenir riscos ao governo. Em 2020, a revista
Época revelou que ela produziu pelo menos dois relatórios para orientar o
senador Flávio Bolsonaro e seus advogados no pedido de anulação da investigação
das suspeitas de “rachadinhas” na Assembleia Legislativa do Rio. Na CPI da
Covid, como noticiou a revista Crusoé, a Abin foi usada para escarafunchar
irregularidades em estados e municípios com o intuito de mudar o foco da
discussão.
O uso da Abin para invadir a privacidade dos cidadãos precisa ser investigado para que ações à margem da lei possam ser punidas. É fundamental apurar que informações foram colhidas, quem eram os alvos, quem determinou o monitoramento e com que objetivo. O episódio também serve de alerta para o atual governo, que precisa ser cobrado da mesma forma. Instituições de Estado como a Abin devem servir à sociedade, e não aos interesses personalíssimos dos ocupantes ocasionais do Palácio do Planalto.
Pisando em ovos
Folha de S. Paulo
Lula não tem como brigar com o Congresso,
mas é preciso dar início a uma agenda
Concebidas como um instrumento para que o
presidente da República seja capaz de ditar a agenda de governo, as medidas
provisórias hoje evidenciam as dificuldades de Luiz Inácio Lula da Silva (PT)
em lidar com um Congresso que acumulou poder nos últimos anos.
As MPs são editadas pelo Palácio do
Planalto para providências urgentes, têm força de lei e entram em vigor
imediatamente —só deixam de valer se forem rejeitadas ou não votadas pelos
parlamentares em até 120 dias. Sem elas, não seria possível nem mesmo a
tradicional reconfiguração dos ministérios nos inícios de mandato.
Muito se discutiu no passado recente sobre
o emprego abusivo desse recurso. Hoje, os problemas de Lula são bem mais
comezinhos.
O petista se vê pressionado a intervir em
um impasse
entre os presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo
Pacheco (PSD-MG), em torno do rito de tramitação das MPs. É o tipo
de questão que só desperta interesse nos salões de Brasília, mas que pode
paralisar os atos do governo.
Pacheco quer que a apreciação das medidas
do Executivo comece por uma comissão formada por deputados e senadores, como
determina a Constituição; já Lira quer manter por mais tempo uma norma
extraordinária, adotada na pandemia, pela qual se dispensa essa primeira etapa
—e o processo tem início no plenário da Câmara.
É evidente que, do ponto de vista formal, o
chefe do Senado está coberto de razão. O que está em jogo, porém, é a
capacidade do todo-poderoso líder dos deputados de interferir em atos vitais do
governo.
Enquanto isso, 11 MPs de Lula estão
empacadas no Congresso, o que vai da criação de ministérios ao pacote para
reduzir o déficit do Tesouro Nacional —e o Planalto pisa em ovos para não
melindrar nenhuma das Casas legislativas enquanto negocia uma solução.
O presidente, afinal, conta com uma
coalizão sofrível no Parlamento, e sua eleição, embora recente, se deu por
margem mínima de votos. Não pode se dar ao luxo, portanto, de desperdiçar
capital político.
A mesma fragilidade explica por que
Lula aceitou um
montante recorde de R$ 46,3 bilhões em emendas de deputados e senadores no
Orçamento deste ano, além de manter o
loteamento político da estatal Codevasf, que gerou desmandos
revelados por este jornal sob Jair Bolsonaro (PL).
As mostras de pragmatismo são compreensíveis,
ainda mais diante da força do bolsonarismo, mas a governabilidade não pode se
limitar a evitar crises com o Congresso.
Urge que Lula apresente as prioridades de
seu programa de governo, a começar, de preferência, pela norma de contenção da
dívida pública e pela reforma tributária.
Derrota para o HPV
Folha de S. Paulo
Brasil deve ampliar vacinação contra vírus
que causa cânceres de alta incidência
Segundo a Organização Mundial da Saúde, o
papilomavírus humano (HPV) é responsável por mais de 95% dos casos de câncer de
colo uterino, que causa cerca de 340 mil mortes por ano no mundo. Mas a
contaminação não atinge apenas mulheres, já que os cânceres colorretal, no
pênis e na orofaringe também estão relacionados ao vírus.
Felizmente, há imunizantes. O problema, no
Brasil, é que a vacinação enfrenta dificuldades.
Em 2022, não se
atingiu a meta de 80% de cobertura na faixa etária de 9 a 14 anos —para
adultos, o imunizante é ofertado a pessoas vivendo com HIV/Aids, transplantados
e pacientes oncológicos.
Segundo o Ministério da Saúde, a adesão
entre meninas foi de 75,9% na primeira dose e de 57,4% na segunda. Já entre os
meninos, foi ainda menor: 52,3% e 36,6%.
A situação é preocupante, dado que o Instituto
Nacional de Câncer estima 17 mil novos casos em 2023, e o câncer
cervical é o terceiro mais comum em mulheres, causando mais de 6.000 mortes por
ano.
Ademais, estima-se que o câncer colorretal
será o terceiro mais comum em casos por 100 mil habitantes para ambos os sexos
—20,8 em homens e 21,4 em mulheres. A vacina contra o HPV, portanto, não pode
ser exclusiva para garotas.
Campanhas de esclarecimento também podem
diminuir moralismos, já que o HPV é transmitido por relação sexual e há pais
que não vacinam seus filhos alegando que eles não têm vida sexual ativa.
Especialistas também consideram que fake
news que exageram e inventam reações graves possam estar relacionadas à baixa
cobertura —mas a vacina é segura e produz efeitos adversos comuns, como dor no
local da aplicação e febre.
A dificuldade com o HPV faz parte de um
fenômeno nacional mais amplo de queda nos índices de vacinação. A cobertura
contra a poliomielite, por exemplo, vem caindo desde 2016, quando ficou abaixo
dos 90%, chegando a 76,1%
em 2020 e a 69,9% em 2021.
Deve-se também adequar campanhas e
logísticas às realidades regionais. Só Paraná, Espírito Santo e Santa Catarina
obtiveram mais de 50% de cobertura na segunda dose para meninos, enquanto o
Amapá teve 19,70% e o Acre apenas 10,44%.
A ciência conhece o vírus e desenvolveu vacinas. O Brasil tem expertise na imunização em amplo território pelo SUS. Não há desculpa para que as futuras gerações ainda tenham de lidar com tipos de câncer que têm causa tratável.
Denúncias genéricas, um grave problema
O Estado de S. Paulo.
Denúncias do 8/1 expõem problemas habituais
do sistema de Justiça, bem conhecidos da população pobre e negra. Sem
investigação, é impossível ter uma acusação fundamentada
As denúncias apresentadas pela
Procuradoria-Geral da República (PGR) ao Supremo Tribunal Federal (STF) em
relação aos atos do 8 de Janeiro ignoram as condutas individuais e foram
redigidas em bloco, muitas vezes com textos idênticos, mostrou reportagem do
Estadão. Com razão, muita gente tem criticado esse modo de proceder do
Ministério Público, que revela uma apuração frágil e traz problemas sérios. Para
que possa se defender adequadamente, toda pessoa tem o direito de saber do que
está sendo acusada efetivamente, isto é, qual ação (ou omissão) suscitou a
denúncia contra ela.
Eventos multitudinários, como os atos do 8
de Janeiro, trazem dificuldades especiais para identificar o que cada pessoa
fez. Em alguns casos, talvez seja mesmo impossível fazer uma descrição
detalhada do comportamento de cada um dos envolvidos. No entanto, é inegável a
existência de muito material gravado pelas câmeras de seguranças dos edifícios
públicos, além de que os próprios invasores das sedes dos Três Poderes
compartilharam nas redes sociais sua atuação criminosa. É possível, portanto,
identificar as ações concretas de muitas pessoas – e isso deveria constar das
denúncias.
Reconhecer esse equívoco no modo de
proceder da PGR não significa defender a impunidade dos invasores. É justamente
o contrário. Para que os crimes praticados no 8 de Janeiro não fiquem impunes,
é imprescindível que o Ministério Público utilize todos os elementos de prova
disponíveis, sem deixar-se levar pela precipitação ou por eventual pressão da
opinião pública. Mais do que aparentar proatividade ante os atos golpistas, é
preciso ser efetivamente zeloso, atuando dentro da lei, sem atrasos e sem
afobações.
Cabe advertir, no entanto, que denúncias
genéricas ou investigações frágeis não são problemas exclusivos dos
procedimentos relativos ao 8 de Janeiro. Não é nenhuma discriminação ou
perseguição do sistema de Justiça contra os bolsonaristas. A questão é prévia e
mais profunda. Habitualmente o Estado tem imensas dificuldades em apurar
crimes.
Essa deficiência investigativa é facilmente
admitida quando se trata de criticar a impunidade no País ou o baixíssimo grau
de resolução dos homicídios, por exemplo. Mas ela também gera outro efeito,
muito presente no dia a dia da Justiça: a apresentação de denúncias frágeis e
genéricas, baseadas em elementos probatórios falhos.
A rigor, isso não é nenhuma novidade. Se
não investiga bem, o Estado necessariamente não tem condições de oferecer uma
denúncia adequada. Como os últimos anos mostraram abundantemente, não há
delação capaz de suprir a falta de investigação. Sem apuração, o resultado é um
só: denúncias genéricas, frágeis e, muitas vezes, inconsistentes. Essa
realidade, que agora, com as denúncias da PGR sobre o 8 de Janeiro, revolta a
muitos, é sentida diariamente pela população mais pobre, especialmente pelos
negros.
O problema não é apenas da polícia ou do
Ministério Público. A Justiça tem sido conivente com denúncias malfeitas. Como
disse ao Estadão o subprocurador-geral da República, Carlos Frederico Santos,
coordenador do grupo que apresentou as acusações relativas ao 8 de Janeiro, “a
jurisprudência admite a narrativa genérica da participação de cada agente”.
Trata-se de uma questão séria. No curto prazo, a concordância do Judiciário com
esse tipo de prática esconde a deficiência investigativa. O caso termina com
uma condenação, dando a entender que o crime foi solucionado adequadamente. No
médio e longo prazos, ela alimenta o círculo vicioso, uma vez que a polícia e o
Ministério Público ficam sem incentivos para atuarem de forma diferente.
Como era de esperar, os procedimentos
criminais do 8 de Janeiro não estão isentos das muitas deficiências que se
observam diariamente no Judiciário. Mais do que transigir com abusos ou
defender que esses processos tenham tratamento privilegiado, é tempo de exigir
uma melhora de todo o sistema de Justiça, a começar pela investigação, que é a
base de tudo e deve alcançar também os possíveis mandantes.
O susto bancário nos Estados Unidos
O Estado de S. Paulo.
Rapidez com que reguladores lidaram com
falência do Silicon Valley Bank e do Signature Bank foi exemplar, mas deixa
implícitos a gravidade da situação e o risco de recessão nos EUA
A quebra do Silicon Valley Bank (SVB) e do
Signature Bank mudou o cenário macroeconômico nos Estados Unidos e no mundo. A
pronta reação do Federal Deposit Insurance Corporation (FDIC), instituição com
função semelhante à do Fundo Garantidor de Crédito (FGC) brasileiro, do Federal
Reserve (Fed) e do Departamento do Tesouro foram importantes para debelar o
risco de um colapso no sistema bancário norte-americano. O presidente dos EUA,
Joe Biden, contribuiu para conter o pessimismo ao garantir que os clientes
terão acesso ao dinheiro que tinham nesses bancos, mesmo que o valor supere o
limite de US$ 250 mil a cada depositante. Biden frisou, também, que o rombo não
será bancado pelo contribuinte – algo que a história mostra que deve ser
interpretado com mais ceticismo.
O SVB era a 16.ª maior instituição
financeira dos Estados Unidos e a principal do Vale do Silício, polo de
tecnologia norte-americano. Foi o primeiro banco a falir desde a crise
financeira de 2008, o que naturalmente assustou os investidores, mas por causas
absolutamente distintas. Era conhecido como o banco das startups, um segmento
de negócios de alto risco e que foi bastante afetado pelo ciclo de alta das
taxas de juros conduzido pelo Fed.
Anunciado na quinta-feira passada, o
prejuízo de US$ 2 bilhões derrubou as ações do SBV e levou a uma corrida de
saques. No dia seguinte, uma sexta-feira, os reguladores financeiros fecharam o
SBV, mas o temor de que a crise tivesse efeitos sistêmicos já havia atingido,
também, o Signature Bank, instituição com forte atuação em criptoativos.
Milhares de clientes retiraram os recursos que estavam depositados no banco, e
já no domingo ele foi fechado pelas autoridades. A maioria dos ativos do
Signature Bank não estava segurada, mas os reguladores asseguraram a cobertura
do valor integral dos depósitos.
O Fed foi além e anunciou uma linha
emergencial para financiar bancos que passem pelo mesmo tipo de problema, com
prazo de um ano e condições especiais. Os eventos recentes, no entanto,
voltaram a levantar dúvidas sobre a regulação e a supervisão do setor,
especialmente de instituições regionais e de médio porte, que possuem
requisitos de capital e liquidez mais frouxos. Biden destacou que o sistema é
seguro, mas defendeu regras prudenciais mais rígidas para o setor bancário.
Desta vez, segundo ele, os membros da administração das instituições não serão
poupados, mas demitidos e responsabilizados. A despeito do susto da falência
dos bancos, a velocidade com que as autoridades agiram para impedir o contágio
foi surpreendentemente exemplar – e, por isso mesmo, preocupante, pois deixa
implícita a gravidade da situação.
O fechamento dos bancos trouxe novos
elementos a serem analisados pelo mercado e pelo Fed – e, consequentemente,
para os bancos centrais no mundo todo. Com os preços ainda bastante
pressionados e o desemprego em níveis historicamente baixos nos EUA, o mercado
apostava em um aumento mais acentuado na taxa de juros, principalmente depois
que o presidente do Fed, Jerome Powell, reiterou o compromisso em trazer a
inflação de volta à meta de 2%. Mas até a inflação passou a ter outro peso
nessa conjuntura, e parte dos investidores já acredita que o Fed poderá até dar
uma pausa no aperto monetário.
Em tese, isso tenderia a facilitar o
trabalho do Banco Central (BC) brasileiro. A instituição já teria que lidar com
muitas questões internas, tais como inflação elevada, taxa de desemprego baixa,
inadimplência recorde e uma possível crise de crédito de empresas. O cenário
internacional, marcado por política monetária mais dura nos Estados Unidos, era
um ingrediente a mais a turvar as análises, sobretudo porque havia muitas
sinalizações de que o ciclo de alta seria mais longo e que os juros seriam mais
altos do que o esperado. As dificuldades do setor bancário norte-americano, no
entanto, podem indicar uma recessão nos EUA, o que seria muito ruim para um
país como o Brasil, cuja economia está em franca desaceleração e, portanto,
ainda há mais pressão sobre o BC.
A novela do Rodoanel
O Estado de S. Paulo.
Paulistas já viram de tudo: até Alckmin e
Lula como aliados. Mas não viram a conclusão do anel viário
Os paulistas já viram de tudo. Até o
ex-tucano Geraldo Alckmin se aliar ao petista Lula da Silva e ser eleito
vice-presidente da República em chapa formada com seu histórico adversário
político.
Mas, por incrível que pareça, ainda não
viram a inauguração do Trecho Norte do Rodoanel Mário Covas.
Decerto há boas desculpas para o atraso
vergonhoso de uma obra cuja previsão inicial de conclusão era novembro de 2014
– lá se vai quase uma década. Mas o fato é que um Estado com a pujança de São
Paulo, pelas mais variadas razões, tem sido incapaz de concluir a maior obra
viária em execução no País.
Na manhã de ontem, o presidente do Tribunal
de Justiça de São Paulo (TJ-SP), desembargador Ricardo Anafe, deu um novo
respiro ao projeto. O magistrado acolheu um pedido do Palácio dos Bandeirantes
e suspendeu os efeitos de uma liminar concedida na véspera – em processo movido
pela Associação Brasileira de Usuários de Rodovias sob Concessão (Usuvias) –
que impedia a realização do leilão do Trecho Norte marcado para aquela tarde,
na sede da B3.
A pretexto de suspender a realização do
leilão, a Usuvias alegava que a discussão dos termos do edital de concessão –
uma Parceria Público-Privada (PPP) – não passou por audiência pública, como
determinam leis estadual e federal, nem tampouco deu “transparência” à tabela
da tarifas de pedágio. Os argumentos da associação não foram acolhidos pelo
TJ-SP.
A cassação da liminar que manteve a
realização do leilão na B3 foi comemorada pelo governador Tarcísio Gomes de
Freitas. Tarcísio fixou a retomada das obras do Trecho Norte do Rodoanel como
um dos objetivos para os 100 primeiros dias de sua administração. Porém, nada
assegura que outras paralisações do projeto, seja por decisão judicial, seja
por questões de ordem técnica ou administrativa, não venham a atrasar ainda
mais a obra no futuro próximo.
Oxalá eventuais obstáculos supervenientes
sejam superados com a agilidade que um projeto tão vital quanto atrasado
requer. Este jornal espera que as obras, paralisadas desde 2018, prossigam,
enfim, e sejam concluídas dentro do novo prazo determinado pelo governo de São
Paulo: junho de 2026.
O Trecho Norte do Rodoanel, que passa
predominantemente pelo município de Guarulhos, é o último segmento do anel
viário a ser concluído. Trata-se de uma obra de suma importância para o Estado
e, principalmente, para a capital paulista. Estima-se que sua abertura será
capaz de retirar das congestionadas pistas da Marginal do Tietê cerca de 30 mil
caminhões e 54 mil automóveis. Os benefícios dessa redução são inequívocos:
melhor fluidez do tráfego na metrópole, mais qualidade de vida para os milhares
de motoristas que passam pelas Marginais todos os dias e redução da poluição do
ar por óxido de nitrogênio (NOx).
Até aqui, o Trecho Norte do Rodoanel tem sido um sorvedouro de recursos dos contribuintes paulistas. Já passou muito da hora de esse projeto começar a dar retorno como uma alternativa ao sobrecarregado sistema de transporte rodoviário do País.
Medidas arrecadam, mas criam insegurança
jurídica
Valor Econômico
Medida coloca em dúvida decisões já tomadas
e torna incertos alguns conceitos
O ano começou agitado na frente tributária
- iniciativas do novo governo e do Judiciário produziram mudanças em regras
estabelecidas há tempos e, na maioria das vezes, aumentam a arrecadação do
governo. Pelo menos três medidas vão nessa direção: a volta do voto de
qualidade do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), uma das
primeiras iniciativas do governo do presidente Lula; a flexibilização da “coisa
julgada”, decidida pelo Supremo Tribunal Federal (STF); e, mais recentemente, a
tributação da correção monetária de aplicações financeiras, determinada pelo
Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Logo em janeiro, o governo editou a MP
1.160/2023, que acaba com a sistemática de dar automaticamente ganho de causa
ao contribuinte em caso de empate nas deliberações do Carf, que vigorou depois
de 2020. A MP restabelece o poder de minerva dos presidentes das turmas
julgadoras, posto ocupado por auditores de Receita Federal, que desempatam as
discussões em favor da União.
Praticado de 2017 a 2020, o voto de
qualidade no Carf garantiu para a União 80% dos créditos tributários julgados
nesse período, segundo pesquisa do Núcleo de Tributação do Insper, e, por isso,
é considerado uma ferramenta para aumentar a arrecadação. Estima-se que o
governo pretende aumentar a arrecadação em R$ 50 bilhões neste ano com a medida
e reduzir o déficit fiscal projetado em cerca de R$ 230 bilhões.
A proposta enfrenta resistências entre as
empresas e no Congresso Nacional. Foram apresentadas 138 propostas de emenda e
metade delas trata do voto de qualidade, sendo que 37 propõem revogar a
proposta.
O presidente do Carf, Carlos Higino Ribeiro
de Alencar, buscou minimizar o problema, argumentando que apenas há empate em
5% dos processos. Mas isso ocorre geralmente em casos de grandes empresas e
valores. Por isso, o empate envolve cerca de 20% em valor. No ano passado,
foram R$ 24 bilhões resolvidos por empate e quase 90% do total eram de cerca de
20 ou 30 contribuintes.
Em fevereiro foi a vez de o STF agitar os
meios tributários ao relativizar decisões transitadas em julgado pela própria
Corte, pelo STJ ou instâncias inferiores do Judiciário. A chamada coisa
julgada, garantida pela Constituição, foi flexibilizada, no caso de tributos
pagos de forma continuada, como Imposto de Renda, CSLL, PIS, Cofins, IPI, ICMS
e ISS. Na prática isso significa que o contribuinte que ganhou uma disputa na
Justiça de forma definitiva, ficando dispensado de pagar determinado tributo,
perderá esse direito se o STF decidir posteriormente que a cobrança é devida.
Ou seja, a sentença deixa de ser definitiva. Há ainda casos em que a empresa
será cobrada por pagamentos não feitos no passado.
Chamou também a atenção a decisão do STJ de
aprovar a cobrança do Imposto de Renda Retido na Fonte e CSLL sobre o valor
equivalente à correção monetária em aplicações financeiras em caso que envolveu
uma disputa com uma empresa, favorecendo a União. O entendimento engloba todas
as aplicações financeiras, incluindo a renda fixa. A jurisprudência a respeito
do assunto sempre variou muito depois do Plano Real. Mas, com a inflação
voltando a subir de forma mais acentuada, como no último ano, aumenta a
estranheza em relação à tributação do ganho nominal, que inclui o percentual de
mera reposição patrimonial.
Além disso, a posição se choca com o STF,
que, em mais de uma ocasião, sublinhou que a inflação não representa ganho
real. Recentemente, indicou que não se deve cobrar IR e CSLL sobre juros
moratórios e sobre a Selic em repetição de indébito, que ocorre quando uma
pessoa pleiteia a devolução de um tributo pago desnecessariamente. No entanto,
a decisão do STJ encerra a discussão sobre essa questão na Justiça e terá
efeito sobre casos semelhantes em instâncias inferiores. Há nada menos que
1.781 processos sobre o assunto na Justiça Federal e no STJ.
Todos esses casos criam o sentimento de que
as regras jurídicas podem ser fluídas e alimenta a insegurança por colocarem em
dúvida decisões já tomadas e tornarem incertos alguns conceitos. Ao se referir
à decisão da coisa julgada, o ministro Luiz Fux comentou que pode se reproduzir
em ações de outra natureza e afirmou: “Me impressiona que o STF, guardião da
Constituição, tenha relegado a um segundo plano a coisa julgada. Temos que ter
em mente as consequências jurídicas das nossas decisões, o abalo que se cria ao
risco Brasil”
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