Valor Econômico
Segundo ministro, agenda econômica não será
imposta e estará sobre a mesa para ser modificada com vistas a melhor
implementação possível
O susto com as quebras do Silicon Valley
Bank e do Signature Bank deixa um alerta: o Brasil precisa arrumar a casa o
quanto antes, para não ser pego de calças curtas num próximo episódio.
Esse foi um dos recados que o ministro da
Fazenda, Fernando Haddad, passou no evento “E Agora, Brasil?”, promovido
pelo Valor e
por “O Globo”. A economia precisa crescer muito para aguentar um choque externo
que venha a ocorrer, sem perder de vista sua perspectiva de desenvolvimento.
“Não
podemos continuar crescendo 1% ao ano”, desabafou. “Este país não merece isso.”
O governo tem um plano. Este não prescinde da reforma tributária, de um novo arcabouço fiscal, de medidas que compensem desonerações “indiscriminadas” concedidas pelo governo anterior e de receitas sólidas que garantam o pagamento de benefícios sociais previstos na Constituição, listou.
“Isso é para que os investidores não se
preocupem no Estado”, afirmou. “Pelo contrário, vejam no Estado um parceiro com
vistas a um projeto de desenvolvimento com justiça social.”
Um dos pontos de maior atenção dos
investidores, o novo arcabouço fiscal, cuja proposta deve ser divulgada na
próxima semana, se conecta com esse pensamento. Ao conversar com o Valor sobre o tema, em
fevereiro, o secretário do Tesouro Nacional, Rogério Ceron, falou sobre como a
expansão do Produto Interno Bruto (PIB) eleva a arrecadação e, dessa forma,
abre espaço para conciliar a responsabilidade fiscal com medidas de apelo
social, como o aumento real para o salário mínimo.
Nos mandatos anteriores de Luiz Inácio Lula
da Silva, essa foi a fórmula: crescimento do PIB e arrecadação fortes davam
sustentação às políticas sociais. Esse equilíbrio, que já na época era
percebido como precário, permitiu manter os indicadores fiscais comportados por
um tempo. A construção ruiu quando o PIB parou de crescer. Ninguém se
surpreendeu.
Haddad relembrou o primeiro governo Lula
para contar que alguns ajustes iniciais na política econômica abriram espaço
para o “espetáculo do crescimento”. Ele acha que, também agora, com alguns
ajustes, o Brasil pode ter um desempenho acima da média mundial.
O comentário foi feito para responder a uma
pergunta sobre a taxa de juros no Brasil. No seu entendimento, há espaço para
uma redução. As dificuldades do Federal Reserve (Fed, o Banco Central americano)
em seguir com seu plano de aperto fiscal após a quebra dos dois bancos veem a
seu socorro. Da mesma forma, contribuem para corroborar sua avaliação as
discussões na cena internacional sobre a importância de os bancos centrais
terem prazo maior para atingir seus objetivos em relação à inflação em momentos
de crise.
Juros menores também ajudariam a tarefa de
controlar a dívida pública, que é objetivo do arcabouço fiscal. Ceron fez uma
conta rápida: se a taxa de juros básica, a Selic, estivesse em 10% e não nos
atuais 13,75%, o custo de rolagem da dívida ficaria de R$ 150 bilhões a R$ 200
bilhões menor. Seria algo como 2% do PIB, a mesma magnitude do superávit
primário (diferença positiva entre receitas e despesas, exceto juros) que
especialistas calculam ser necessário para estabilizar a trajetória da dívida
pública federal.
A agenda econômica não será imposta, disse
o ministro. Ela estará sobre a mesa para ser modificada com vistas a melhor
implementação possível.
“Estamos em modo diálogo”, frisou Haddad.
“Somos negociadores.”
Não se trata de discurso apenas. Como já
foi colocado neste espaço, o ministro franqueou aos grandes municípios, que
temem perdas com a reforma tributária, o acesso aos cálculos de impacto feitos
por sua equipe. O gesto foi reconhecido como importante pelos secretários
municipais de Fazenda. É com números e dados objetivos que Haddad pretende
afastar os “fantasmas” e contornar esse importante foco de resistência à
reforma tributária.
Na segunda-feira, ele esteve na reunião da
Frente Nacional dos Prefeitos (FNP), que congrega as cidades mais reticentes em
relação à reforma. No mesmo dia, recebeu o prefeito do Rio, Eduardo Paes, que
recentemente usou as redes sociais para criticar uma fala do secretário
especial de Reforma Tributária, Bernard Appy, sobre o fim do Imposto sobre
Serviços (ISS).
Hoje, será a vez da Frente Parlamentar do
Empreendedorismo, que quer discutir a desoneração da folha, entre outros temas.
É uma mudança que Haddad pretende negociar numa próxima etapa. Mas há pressões,
inclusive de integrantes do governo, para que venha logo à mesa.
Em outra demonstração de abertura ao
diálogo, o ministro da Fazenda concordou com a avaliação da Confederação
Nacional do Comércio (CNC) que o prazo de transição entre as regras atuais e as
que resultarem da aprovação da reforma tributária, de cinco a dez anos conforme
a PEC, está muito longo. Informou que sua equipe está avaliando esse ponto.
A agenda baseada no diálogo e na construção
vai aos poucos superando os ruídos que marcaram o início do governo, disse
Haddad. Ele atribuiu a tensão a uma transição de governos malfeita e a medidas
adotadas no final da gestão de Jair Bolsonaro que legaram uma conta de R$ 20
bilhões e um grande desarranjo federativo.
Não citou os ruídos que nasceram do próprio
governo, como as pressões de Lula contra o Banco Central e seu presidente,
Roberto Campos Neto, ou a disputa da Fazenda com a ala política para retomar a
cobrança de impostos sobre gasolina e etanol.
A vitória de Haddad nessa última disputa
ajudou a desanuviar um pouco o clima no front econômico. Ontem, Lula fez um
gesto para diminuir ainda mais as dissonâncias, ao aplicar um freio de
arrumação em sua equipe e determinar que não sejam anunciadas medidas sem que
antes elas tenham sido combinadas com a Casa Civil e a área econômica.
Se essa é ou não uma agenda capaz de abrir
o céu, como disse o ministro, o tempo dirá. Mas o mundo perigoso não deixa
espaço para muita hesitação.
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