quarta-feira, 15 de março de 2023

Lu Aiko Otta - Haddad busca Estado parceiro do investidor

Valor Econômico

Segundo ministro, agenda econômica não será imposta e estará sobre a mesa para ser modificada com vistas a melhor implementação possível

O susto com as quebras do Silicon Valley Bank e do Signature Bank deixa um alerta: o Brasil precisa arrumar a casa o quanto antes, para não ser pego de calças curtas num próximo episódio.

Esse foi um dos recados que o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, passou no evento “E Agora, Brasil?”, promovido pelo Valor e por “O Globo”. A economia precisa crescer muito para aguentar um choque externo que venha a ocorrer, sem perder de vista sua perspectiva de desenvolvimento.

 “Não podemos continuar crescendo 1% ao ano”, desabafou. “Este país não merece isso.”

O governo tem um plano. Este não prescinde da reforma tributária, de um novo arcabouço fiscal, de medidas que compensem desonerações “indiscriminadas” concedidas pelo governo anterior e de receitas sólidas que garantam o pagamento de benefícios sociais previstos na Constituição, listou.

“Isso é para que os investidores não se preocupem no Estado”, afirmou. “Pelo contrário, vejam no Estado um parceiro com vistas a um projeto de desenvolvimento com justiça social.”

Um dos pontos de maior atenção dos investidores, o novo arcabouço fiscal, cuja proposta deve ser divulgada na próxima semana, se conecta com esse pensamento. Ao conversar com o Valor sobre o tema, em fevereiro, o secretário do Tesouro Nacional, Rogério Ceron, falou sobre como a expansão do Produto Interno Bruto (PIB) eleva a arrecadação e, dessa forma, abre espaço para conciliar a responsabilidade fiscal com medidas de apelo social, como o aumento real para o salário mínimo.

Nos mandatos anteriores de Luiz Inácio Lula da Silva, essa foi a fórmula: crescimento do PIB e arrecadação fortes davam sustentação às políticas sociais. Esse equilíbrio, que já na época era percebido como precário, permitiu manter os indicadores fiscais comportados por um tempo. A construção ruiu quando o PIB parou de crescer. Ninguém se surpreendeu.

Haddad relembrou o primeiro governo Lula para contar que alguns ajustes iniciais na política econômica abriram espaço para o “espetáculo do crescimento”. Ele acha que, também agora, com alguns ajustes, o Brasil pode ter um desempenho acima da média mundial.

O comentário foi feito para responder a uma pergunta sobre a taxa de juros no Brasil. No seu entendimento, há espaço para uma redução. As dificuldades do Federal Reserve (Fed, o Banco Central americano) em seguir com seu plano de aperto fiscal após a quebra dos dois bancos veem a seu socorro. Da mesma forma, contribuem para corroborar sua avaliação as discussões na cena internacional sobre a importância de os bancos centrais terem prazo maior para atingir seus objetivos em relação à inflação em momentos de crise.

Juros menores também ajudariam a tarefa de controlar a dívida pública, que é objetivo do arcabouço fiscal. Ceron fez uma conta rápida: se a taxa de juros básica, a Selic, estivesse em 10% e não nos atuais 13,75%, o custo de rolagem da dívida ficaria de R$ 150 bilhões a R$ 200 bilhões menor. Seria algo como 2% do PIB, a mesma magnitude do superávit primário (diferença positiva entre receitas e despesas, exceto juros) que especialistas calculam ser necessário para estabilizar a trajetória da dívida pública federal.

A agenda econômica não será imposta, disse o ministro. Ela estará sobre a mesa para ser modificada com vistas a melhor implementação possível.

“Estamos em modo diálogo”, frisou Haddad. “Somos negociadores.”

Não se trata de discurso apenas. Como já foi colocado neste espaço, o ministro franqueou aos grandes municípios, que temem perdas com a reforma tributária, o acesso aos cálculos de impacto feitos por sua equipe. O gesto foi reconhecido como importante pelos secretários municipais de Fazenda. É com números e dados objetivos que Haddad pretende afastar os “fantasmas” e contornar esse importante foco de resistência à reforma tributária.

Na segunda-feira, ele esteve na reunião da Frente Nacional dos Prefeitos (FNP), que congrega as cidades mais reticentes em relação à reforma. No mesmo dia, recebeu o prefeito do Rio, Eduardo Paes, que recentemente usou as redes sociais para criticar uma fala do secretário especial de Reforma Tributária, Bernard Appy, sobre o fim do Imposto sobre Serviços (ISS).

Hoje, será a vez da Frente Parlamentar do Empreendedorismo, que quer discutir a desoneração da folha, entre outros temas. É uma mudança que Haddad pretende negociar numa próxima etapa. Mas há pressões, inclusive de integrantes do governo, para que venha logo à mesa.

Em outra demonstração de abertura ao diálogo, o ministro da Fazenda concordou com a avaliação da Confederação Nacional do Comércio (CNC) que o prazo de transição entre as regras atuais e as que resultarem da aprovação da reforma tributária, de cinco a dez anos conforme a PEC, está muito longo. Informou que sua equipe está avaliando esse ponto.

A agenda baseada no diálogo e na construção vai aos poucos superando os ruídos que marcaram o início do governo, disse Haddad. Ele atribuiu a tensão a uma transição de governos malfeita e a medidas adotadas no final da gestão de Jair Bolsonaro que legaram uma conta de R$ 20 bilhões e um grande desarranjo federativo.

Não citou os ruídos que nasceram do próprio governo, como as pressões de Lula contra o Banco Central e seu presidente, Roberto Campos Neto, ou a disputa da Fazenda com a ala política para retomar a cobrança de impostos sobre gasolina e etanol.

A vitória de Haddad nessa última disputa ajudou a desanuviar um pouco o clima no front econômico. Ontem, Lula fez um gesto para diminuir ainda mais as dissonâncias, ao aplicar um freio de arrumação em sua equipe e determinar que não sejam anunciadas medidas sem que antes elas tenham sido combinadas com a Casa Civil e a área econômica.

Se essa é ou não uma agenda capaz de abrir o céu, como disse o ministro, o tempo dirá. Mas o mundo perigoso não deixa espaço para muita hesitação.

 

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