quarta-feira, 15 de março de 2023

Marcelo Godoy - Os almirantes e o cumprimento do dever

O Estado de S. Paulo

A Marinha terá de lidar com o legado das extravagâncias de Garnier e das andanças de Bento

Conta-se que, diante do inimigo, quando se aproximava do Riachuelo, o almirante Barroso transmitiu à frota uma mensagem: “O Brasil espera que cada um cumpra o seu dever”. Com esse espírito, Hélio Leôncio Martins, então capitão-tenente, subiu em um caça-ferro para proteger comboios no Atlântico, na 2.ª Guerra. Testemunhou um submarino do Eixo explodir um petroleiro na costa venezuelana.

Mais tarde, o almirante Leôncio foi o primeiro comandante do porta-aviões Minas Gerais. Era sincero nas respostas. Ao ser indagado sobre se a Marinha estava preparada para o conflito, disse: “Zero... Pode pôr zero. Zero mesmo. Não sabíamos nada de defesa antissubmarina, não tínhamos arma, nem equipamentos”. O caça-ferro Juruena, com o qual fez a guerra, só foi incorporado à Marinha em novembro de 1942, três meses após iniciado o conflito. E foi no mar que o Brasil sofreu as maiores baixas – 1,5 mil mortos –, embora a memória lembre mais da perda dos cerca de 600 pracinhas e aviadores na Itália. “Cada passagem de comboio era uma vitória.” E Leôncio teve muitas. Morreu em 2016. Honrou cada sílaba da frase de Barroso.

A Marinha tem agora um novo dever a cumprir. Lidar com o papel de seus almirantes no governo de Jair Bolsonaro. Foi do comandante da Força, Almir Garnier, que surgiram duas extravagâncias: o desfile de carros de combate em Brasília, no dia da votação da PEC do voto impresso, e a ridícula recusa de transmitir o cargo ao almirante Marcos Olsen. Elas expuseram a politização na Marinha.

Já a revelação do caso das joias trazidas escondidas da Arábia Saudita para Bolsonaro e sua mulher, Michelle, por outro almirante – Bento Albuquerque – só atesta a degradação que o bolsonarismo impôs ao País. Em uma das andanças, Bento esbarrou em um fiscal que cumpria o seu dever.

Pior. A voz do almirantado que se insurgiu contra a partidarização da Força Naval, o contra-almirante da reserva Antonio Nigro, foi punido com uma repreensão, em 2022. E isso em um governo que abafou o caso do general da ativa Pazuello. Se há punições que têm o valor de uma medalha, Nigro teve a sua.

Sobre as joias, escreveu: “Não me surpreende o fato de Bolsonaro ter incorporado ao seu acervo pessoal parte dos presentes. Nem tampouco o protagonismo de militares partidarizados na façanha de omitir o desvio das joias. Louvável a dignidade da conduta dos agentes de carreira da Receita. Exemplar a resistência deles contra investidas de autoridades de mais elevado nível hierárquico”. Nigro tem razão. Não disse nada de ofensivo, só reconheceu na conduta do fiscal o mesmo material que moveu Barroso e Leôncio: o cumprimento do dever.

 

4 comentários:

Anônimo disse...

Bento (que de bento só tem o nome, sujo), Garnier, Pazzuello, Bolsonaro...
Farinhas podres e corruptas do mesmo saco.

Anônimo disse...

Falou o Mam, Marcos Almeida Moraes conhecido também por bosta-rala.

Anônimo disse...

"Sobre as joias, escreveu: “Não me surpreende o fato de Bolsonaro ter incorporado ao seu acervo pessoal parte dos presentes. Nem tampouco o protagonismo de militares partidarizados na façanha de omitir o desvio das joias."

Se um militar, um CONTRA-ALMIRANTE, alguém de dentro da corporação, dela conhecedora em profundidade, NÃO se surpreende com SEUS PARES escondendo o DESVIO de joias é porque ESTE É UM COMPORTAMENTO CORRIQUEIRO, esperado mesmo.
Não fosse comum, tal comportamento lhe surpreenderia - por ser uma exceção.

Conclusão: as FA estão contaminadas (sempre estiveram?) e delas o Brasil NÃO PRECISA e NEM MERECE.

O comportamento abjeto do genocida e das FA (generalizo, assim como o Contra-Almirante) também não me surpreende.
Surpreso ficaria eu se eles se comportassem de acordo com a LEI. Mas isso seria ingênuo de minha parte (o Contra-Almirante também não é ingênuo).

SEM SURPRESAS, GENTE!
INDIGNIDADE É O ESPERADO.

Anônimo disse...

O que o filósofo Denis Rosenfield, tão conhecedor e defensor dos membros das Forças Armadas, diria sobre os fatos e os militares envolvidos no DESgoverno Bolsonaro citados nesta coluna?