quarta-feira, 15 de março de 2023

Fernando Exman - Remédio contra crises é ignorado pela Câmara

Valor Econômico

Colapsos de bancos mostram importância do PLP 281/2019

Nas entrelinhas, veio uma notícia positiva da participação do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, no evento “E agora, Brasil?”, painel promovido pelo Valor e o jornal “O Globo” na segunda-feira (13). De acordo com relato do próprio ministro, ele e o presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto, passaram o fim de semana em contato direto conversando sobre os efeitos, nos Estados Unidos, no mundo e, claro, no Brasil, dos colapsos do Silicon Valley Bank (SVB) e do Signature Bank.

Excelente. Que conversem mais. E que o diálogo se desdobre em um número crescente de ações conjuntas, inclusive na adoção de medidas para garantir a estabilidade do sistema financeiro nacional. Neste caso, inclusive, já existe até uma opção à mesa: o Projeto de Lei Complementar 281 de 2019, de autoria do Executivo e defendido pela autoridade monetária desde o governo passado.

Até agora, contudo, a Câmara dos Deputados não deu a devida atenção à proposta, que recebeu críticas num passado não tão remoto comparando-a ao Proer.

O Programa de Estímulo a Reestruturação e ao Fortalecimento do Sistema Financeiro Nacional, ou Proer, foi um pacote de socorro a bancos privados em dificuldades implementado no governo FHC. Este, de fato, foi objeto de diversas críticas ao longo do tempo por não conseguir recuperar os recursos públicos desembolsados. Mas isso não deveria interditar o debate, sobretudo diante do que vem sendo discutido nos fóruns internacionais e aplicado por governos estrangeiros.

O envio do PLP 281/2019 ao Congresso ocorreu em meio a compromissos assumidos pelo Brasil no âmbito do G20, em razão da crise de 2008, depois que o Comitê de Estabilidade Financeira (Financial Stability Board, ou FSB, na sigla em inglês) recebeu a missão de propor medidas para reduzir eventuais riscos sistêmicos associados a instituições financeiras consideradas “grandes demais para quebrar”.

Como resultado, em 2011 o FSB apresentou a proposta de um padrão de regimes de resolução, justamente para dotar as autoridades nacionais de instrumentos para “resolver” instituições financeiras, sociedades de seguros e de previdência privada em crise. O mesmo vale em relação a entidades administradoras de bolsas de valores, de mercadorias e de futuros.

Durante essas discussões, foram estabelecidos alguns princípios, como a observância dos interesses nacionais de preservação da estabilidade financeira, a continuidade do fornecimento de funções críticas para a economia real e o uso de recursos públicos somente após o esgotamento das fontes privadas disponíveis, além de celeridade na decretação e na condução dos regimes de resolução. Buscou-se, portanto, reduzir o uso de recursos dos contribuintes nessas operações de resolução e que este seja, também, a última opção.

Aliás, quando o projeto foi encaminhado ao Congresso pelo Palácio do Planalto, em dezembro de 2019, seus defensores argumentaram que isso estava sendo feito justamente para ampliar a margem de ação do poder público. A atual legislação brasileira dispõe de uma única opção de resolução de instituições de importância sistêmica capaz de assegurar a manutenção de suas funções críticas: a hipótese de a União assumir o seu controle acionário. Noutra frente, uma lei complementar de 2000 também prevê que recursos públicos sejam empregados para socorrer instituições financeiras, mas mediante aprovação de lei específica. Em ambos os casos, não se exige prévia utilização dos recursos existentes na própria instituição como requisito para a intervenção estatal, o que o PLP 281/2019 tenta corrigir.

A proposta estabelece dois “regimes de resolução”, o de estabilização e o de liquidação compulsória. E caberia à “autoridade de resolução competente” - o BC, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) ou a Superintendência de Seguros Privados (Susep) - decretar o regime que considerar mais adequado. A regra geral seria, quando não houver riscos à estabilidade financeira ou de paralisação de funções críticas, a liquidação compulsória.

Já o objetivo do regime de estabilização deve ser assegurar as funções da instituição em crise e buscar uma solução privada para a retomada dos negócios. Para tanto, o projeto prevê a utilização de “fundos garantidores de créditos” e “fundos de resolução”, administrados por pessoas jurídicas de direito privado.

Nos casos em que os recursos privados não forem suficientes, a União poderia realizar empréstimos aos fundos de resolução. Isso exigiria o consentimento do Conselho Monetário Nacional (CMN) e a observância de algumas condições, como o esgotamento desses recursos privados. Em outras palavras, que os acionistas e os detentores de créditos subordinados de determinada instituição tenham perdido seu capital, por meio da absorção de prejuízos, e os recursos do fundo de resolução tenham sido exauridos.

Na justificativa anexada ao projeto, o então ministro da Fazenda, Paulo Guedes, destacou: “Importante ressaltar que, em princípio, os empréstimos previstos na medida legislativa não serão feitos diretamente à instituição em crise, e sim ao fundo de resolução. Isso é relevante porque o fundo de resolução possuirá mecanismos para cobrar os valores de todas as instituições participantes, ou seja, todo o conjunto de associados fica responsável pelo pagamento do empréstimo à União. Dessa forma, independentemente de a instituição em crise se recuperar ou não, o Tesouro será reembolsado pelos valores que eventualmente vier a despender”.

No fim de semana, o governo americano buscou reagir com rapidez para evitar tanto a quebra das empresas que tinham recursos no SVB quanto uma crise de confiança. Seu fundo garantidor foi acionado, e ele anunciou que depósitos superiores ao limite de US$ 250 mil por cliente também estavam assegurados.

O caso acendeu o alerta geral e a ação do governo dos EUA foi elogiada, inclusive, por integrantes da nova equipe econômica. Mas permanece o questionamento se, caso isso tivesse ocorrido no Brasil, o país teria as ferramentas necessárias para pronto uso.

 

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