quarta-feira, 15 de março de 2023

Zeina Latif - Sinal amarelo no crédito, não vermelho

O Globo

Cenário atual revela excessos cometidos nos últimos anos

O atual retrato do mercado de crédito revela excessos cometidos nos últimos anos. Houve forte crescimento da dívida de indivíduos junto ao Sistema Financeiro Nacional (SFN), que atingiu 32,4% do PIB em 2022; um salto expressivo em relação a 2018 — 6,7 pp, sendo 4,5 pp no segmento livre.

Não é uma cifra baixa quando comparada a países parecidos — 45% no Chile, 29% na Colômbia e 17% no México. Como efeito colateral, aumentou a inadimplência, o que não justifica, porém, políticas de socorro aos inadimplentes.

O quadro tornou-se mais estridente a partir de 2021, quando, na esteira dos juros baixos, o endividamento como proporção da renda familiar anual avançou rapidamente, atingindo 49,5% (+7,9 pp ante 2020) — puxando para 28% da renda familiar o comprometimento de recursos para honrar a dívida.

Descontando o crédito imobiliário, a cifra permanece elevada, de 31,5% da renda familiar, mas com alta menos pronunciada (+6 pp).

Sem surpresa, o retrato da inadimplência desagrada. Porém, está em linha com o padrão histórico. Somando-se os atrasos entre 15 e 90 dias (5,3%) e a inadimplência (4,1%), chega-se a 9,4% da carteira do SFN (9,7% é a taxa média desde 2011).

O grande salto em relação a 2020 decorre do fato de a taxa ter ficado atipicamente baixa naquele ano (6,9%), por conta do robusto Auxílio Emergencial — sim, a inadimplência caiu na pandemia, mesmo com o aumento do desemprego.

O problema, na verdade, fica mais claro quando se considera o atraso/inadimplência como proporção da renda familiar, e não da carteira das instituições financeiras. Nesse caso, a taxa chega a 4,5%, ante média de 3,8% desde 2011. Em outras palavras, pela ótica dos indivíduos, o quadro é mais agudo.

Como agravante, são as classes populares que mais sofrem, como aponta o especialista Genaro Dueire Lins.

Além de a taxa de inadimplência ser mais alta nesses grupos — 20% para os sem renda e 6% para até dois salários mínimos, ante cerca de 1% para acima de dez salários mínimos —, o diferencial entre pobres e ricos aumentou, até porque os mais pobres se endividaram mais.

No cerne do problema há o maior uso do cartão de crédito, cujo saldo total cresceu 85,2% para aqueles com renda até dois salários mínimos, enquanto para o grupo acima de dez salários mínimos, cresceu 71,6% desde 2021.

O cartão de crédito para a baixa renda, com juros de 400% aa no rotativo, pode se transformar em “presente de grego”, mas que muitos aceitam de bom grado, por despreparo ou por não haver maiores consequências em caso de inadimplência — está em 30% entre os mais pobres somando com os atrasos.

O quadro preocupa, mas não justifica uma política pública de socorro aos inadimplentes, como pretende o governo com o Desenrola, inicialmente focado nas pessoas com renda de até dois salários mínimos. Algo não apenas inédito, como não observado na experiência mundial.

Primeiro, apesar dos excessos, não se configura uma situação extrema, causada por choques adversos, sendo que já está ocorrendo relevante desaceleração na utilização de linhas mais onerosas, como crédito rotativo e cheque especial.

Segundo, mesmo se fosse uma situação excepcional, há instrumentos mais adequados, como medidas regulatórias do BC para facilitar a renegociação de dívidas, conforme feito durante a pandemia.

Terceiro, a renegociação de dívidas exibe, desde o final de 2021, forte dinamismo, com taxas anuais de crescimento na casa de 40%.

Quarto, há legislação, de 2021, para tratar de situação de superendividamento, de forma a preservar o chamado mínimo existencial dos indivíduos em caso de renegociação de dívida.

Finalmente, e mais importante, o Desenrola poderá ter um efeito colateral bastante indesejado, que é o comportamento oportunista, de lado a lado — risco moral, no jargão dos economistas —, com a fatura indo para os cofres públicos.

Indivíduos tornam-se mais displicentes na decisão de endividamento, apostando em socorro futuro, e instituições financeiras afrouxam padrões de concessão de crédito, pela mesma razão. Exemplo disso são os seguidos Refis, para empresas que devem ao fisco, alimentando devedores contumazes.

Antes de avançar com seu programa, cabe ao governo uma avaliação cuidadosa.

É necessário, pois, cuidar da educação financeira da população, especialmente porque a bancarização cresceu. Cabe também promover um ambiente macroeconômico saudável para não agravar a superação desse período de ajuste.

 

3 comentários:

Anônimo disse...

Zeina Latif é uma espécie de diarista passadora de pano pro mercadinho, que mistura todos os ingredientes de limpeza com várias datas de validade vencidas, e acha que vai dar certo...
Aqui, ó!!!

Anônimo disse...

Exatamente

ADEMAR AMANCIO disse...

As pessoas adoram gastar acima do que ganha.