terça-feira, 28 de março de 2023

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Lira faz demanda descabida na querela das MPs

O Globo

Congresso precisa destravar a pauta para se ocupar da agenda legislativa essencial para o país

Enquanto o Brasil atravessa dificuldades e tem urgência na aprovação de um novo regime fiscal e de reformas como a tributária e a administrativa, a pauta do Congresso está travada. É como se os congressistas pudessem se dar ao luxo de se desligar da realidade nacional e virar de costas aos que os elegeram em outubro.

O motivo é a querela entre os presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), em torno do trâmite das Medidas Provisórias (MPs), normas com força de lei editadas pelo presidente da República. Embora tenham efeitos jurídicos imediatos, as MPs precisam ser examinadas e votadas no Congresso. Enquanto isso não ocorre, elas travam a pauta e impedem que o Parlamento analise outras propostas legislativas.

O artigo 62 da Constituição afirma: “Caberá à comissão mista de Deputados e Senadores examinar as medidas provisórias e sobre elas emitir parecer, antes de serem apreciadas, em sessão separada, pelo plenário de cada uma das Casas do Congresso Nacional”. Uma resolução do Congresso de 2002 disciplinou o rito de tramitação. Determinou que essas comissões mistas seriam integradas por 12 senadores e 12 deputados e que haveria alternância entre deputados e senadores na presidência e relatoria. As duas Casas com pesos iguais. Assim foi até a pandemia.

Em março de 2020, as Mesas Diretoras da Câmara e do Senado assinaram uma norma para adaptar o trabalho do Congresso à calamidade. Ficou acertado que não seriam instaladas comissões mistas durante a vigência do estado de Emergência em Saúde Pública. As MPs teriam um rito expresso, com o poder concentrado nas mãos do presidente da Câmara.

O pior da pandemia passou, a Emergência em Saúde Pública ficou para trás, mas Lira queria transformar o temporário em definitivo. Pacheco tentou sem sucesso saídas para evitar o confronto. Não teve jeito. Enquanto Lira e Pacheco se digladiam, a pauta do Congresso segue parada. MPs dos governos de Jair Bolsonaro e Luiz Inácio Lula da Silva ainda não foram votadas devido à disputa.

O artigo 62 foi pensado para limitar o poder da Presidência da República, pondo fim à farra dos decretos-leis, antes usados sem limites pelo Executivo. A investida de Lira agora é uma tentativa de mexer no equilíbrio conquistado entre Legislativo e Executivo. Ele e seus apoiadores querem desobedecer à Constituição e passar por cima das regras internas para aumentar o poder da Câmara, em detrimento do Senado. Nenhum dos argumentos que apresentam — maior celeridade é o principal — justifica a virada de mesa.

O país tem pautas urgentes que estão paradas. Há 26 MPs em tramitação no Congresso, nenhuma delas no Senado. O prazo médio de tramitação era ontem de 51 dias. Estão paradas as relativas à isenção de impostos sobre combustíveis, ao restabelecimento dos programas Minha Casa Minha Vida e Bolsa Família e até à criação dos novos ministérios do atual governo. O foco de Lira deveria estar em liberar a pauta para que o Parlamento possa se ocupar da agenda necessária para o país. Não em tumultuar o Congresso Nacional para manter poder com base numa demanda sem sentido.

Na falta da Eletrobras, petistas correm por indicações a cargos em Itaipu

O Globo

Qualidade do serviço à população fica em segundo plano quando estatais são retalhadas por conveniência política

A volta do PT ao Planalto levou à troca de cargos no primeiro escalão, mas não só. Também nas estatais há espaço para acomodar aliados. Entre os postos mais cobiçados estão os cargos de diretores e conselheiros da binacional Itaipu, sociedade entre Brasil e Paraguai. Das seis vagas brasileiras no conselho da empresa, duas já receberam indicação do Planalto e serão ocupadas pelos ministros Alexandre Padilha (Relações Institucionais) e Esther Dweck (Gestão e Inovação em Serviços Públicos). Haverá mais.

As indicações permitem que o governo Luiz Inácio Lula da Silva mantenha a antiga prática de usar conselhos de estatais para reforçar o salário de ministros. O pagamento a conselheiros, considerado jetom, aumenta a remuneração sem entrar no cálculo do teto salarial do serviço público (R$ 39.293,32, reajustados em 18% para R$ 46.366,19, a partir de abril). Estão na fila do jetom, de acordo com o jornal Folha de S.Paulo, também os ministros da Fazenda, Fernando Haddad, da Casa Civil, Rui Costa, e de Minas e Energia, Alexandre Silveira. Os ministros de Relações Exteriores de ambos os países, Mauro Vieira pelo Brasil, têm assegurado lugar como conselheiros, que rende a cada um o jetom mensal de R$ 37 mil.

Nos dois primeiros governos Lula e na gestão Dilma Rousseff, participaram do conselho de Itaipu, além do chanceler Celso Amorim e do então ministro de Minas e Energia, Silas Rondeau, também os ministros Ciro Gomes (Integração Nacional), Paulo Bernardo (Planejamento) e Aloizio Mercadante (então na Casa Civil). Lula deverá agora ocupar as seis vagas disponíveis com ministros.

A privatização da Eletrobras, que Lula já disse que gostaria de reverter, retirou dos políticos inúmeros postos para nomear apaniguados em praticamente todo o país. Com isso, o setor elétrico passou a contar basicamente com Itaipu para atender a demandas de quem volta ao poder em Brasília. Fora os 12 conselheiros, Itaipu tem um diretor-geral e dez diretores executivos, cinco para cada sócio. O PT, experiente em ocupar espaços na máquina pública, já empossou na diretoria-geral o ex-deputado federal Enio Verri (PT-PR). Ele renunciou ao mandato para assumir a função, pois a Constituição proíbe que deputados e senadores ocupem cargos em estatais.

Em janeiro, Lula ofereceu uma vaga no conselho de Itaipu ao ex-governador do Paraná Roberto Requião, hoje no PT. Requião rejeitou o que chamou de “boquinha de luxo”. Mas o advogado Luiz Fernando Delazari, que trabalhou com Requião no Paraná, levou a diretoria jurídica. E Carlos Carboni, ligado a movimentos de agricultura familiar, ex-chefe de gabinete da presidente do PT, Gleisi Hoffmann, é o novo diretor de coordenação.

Curioso que o Centrão, sempre ávido por espaços na máquina pública, não esteja de modo explícito na disputa pelos cargos, loteados entre petistas. O certo é que a corrida pelos postos em Itaipu confirma que a qualidade do serviço prestado à população fica em segundo plano toda vez que estatais são retalhadas por conveniência política.

Queridos amigos

Folha de S. Paulo

Xi e Putin cimentam aliança contra o Ocidente, que deve pressionar o Brasil

Coreografada com pompa no imperial cenário do Kremlin, em Moscou, a visita de Xi Jinping a Vladimir Putin coroou uma aproximação de regimes autoritários que, apesar de ter limites claros, desafia o Ocidente e também pressiona nações como o Brasil.

O líder chinês e o presidente russo, chamando um ao outro de "querido amigo", aprofundaram o tratado de "amizade sem limites" que havia sido celebrado 20 dias antes de Putin invadir a vizinha Ucrânia, em fevereiro do ano passado.

Ainda que a aliança sino-russa não seja de natureza militar, a cooperação no setor entre os países multiplicou-se, para apreensão de Washington —o presidente Joe Biden chegou a admoestar Xi a não emular Putin e invadir Taiwan, ilha que Pequim considera sua.

São casos distintos, o taiwanês e o ucraniano, mas o contexto é o mesmo: o embate geopolítico iniciado em 2017 pelos americanos para conter a assertividade da China.

A guerra no Leste Europeu tornou-se o primeiro capítulo quente da disputa, dada a relação entre Moscou e Pequim. EUA e Europa, principal mercado dos chineses, pressionaram Xi a influenciar o Kremlin a desistir da invasão, sem nenhum sucesso.

Mesmo apresentando-se como um promotor da paz enquanto não condena Putin, indiciado por crimes de guerra pelo Tribunal Penal Internacional três dias antes da visita a Moscou, o chinês estreitou seus laços com a Rússia.

Há cálculo econômico. Putin comanda enormes reservas de petróleo e gás, agora sem mercado na Europa. E seu poderoso arsenal nuclear, comparável apenas ao americano, o torna um aliado valioso caso o impensável ocorra.

Sócio minoritário no arranjo, o russo tem em Pequim um respiro ante as sanções ocidentais: os chineses compraram 48,6% a mais em produtos da Rússia no ano passado.

Xi chegou a ensaiar uma reaproximação com Biden, ciente da impossibilidade de suportar uma ruptura de laços econômicos com um mundo globalizado —em seu favor, a recíproca é verdadeira. Mas os EUA zeraram o jogo com a bizarra crise do balão espião e a ampliação de atividades no Indo-Pacífico.

Com tudo isso, uma certa lógica de blocos se insinua, deixando em situação delicada os não alinhados, como Brasil e Índia. A proposta de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) de um clube de nações neutras para discutir a paz, por exemplo, está sendo contaminada pela polarização.

Discuti-la com Xi na visita que fará à China dificilmente será dissociada no Ocidente de um alinhamento ao eixo rival. O Brasil pode e deve buscar uma posição soberana que atenda a seus interesses, mas, dada a tensão do cenário, o preço tende a ser cada vez mais alto.

Ralos do Estado

Folha de S. Paulo

Demagogia, corporativismo e patrimonialismo concorrem para a desigualdade social

A ação do Estado é sem dúvida imprescindível para o combate à pobreza e à desigualdade social, mas nem sempre a tributação e o gasto público contribuem para uma melhor distribuição da renda. O Brasil oferece exemplos de variadas dimensões a esse respeito.

Aqui a estrutura dos impostos tem alta regressividade, por dar peso excessivo à taxação do consumo —que atinge sobremaneira as camadas mais pobres da população— e ênfase relativamente menor a rendimentos e patrimônio.

O desequilíbrio orçamentário leva o governo a pagar juros elevados aos credores de sua dívida, o que implica transferência de recursos de toda a coletividade para os estratos capazes de poupar. Pior seria permitir a alta da inflação, o mais socialmente perverso dos males econômicos.

Há ainda uma miríade de benefícios tributários, subsídios creditícios e privilégios a setores influentes que, se representam pouco do Orçamento quando observados isoladamente, em conjunto sabotam a eficácia das políticas públicas de bem-estar social.

Um desses casos ganhou relevo com uma auditoria da Controladoria-Geral da União (CGU) sobre gastos de R$ 3 bilhões ao ano com o pagamento de pensões a filhas solteiras de antigos servidores. Conforme noticiou O Estado de S. Paulo, identificaram-se 4.000 casos de burla da lei.

As irregularidades —mulheres que se casaram ou obtiveram emprego e continuam a receber a benesse— custam não mais de R$ 145 milhões anuais. O verdadeiro escândalo está no estabelecimento da regra, que data de 1958 e, felizmente, deixou de valer em 1990.

O Estado brasileiro custa a se livrar de tais anacronismos. Neste momento, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), busca aprovar uma emenda constitucional para recriar o chamado quinquênio de juízes e procuradores, que assegura um adicional de 5% do salário a cada cinco anos.

Outras medidas concentradoras podem não parecer tão evidentes, caso da proposta, cogitada e abandonada por Jair Bolsonaro (PL) e Luiz Inácio Lula da Silva (PT), de isentar do Imposto de Renda ganhos de até cinco salários mínimos (R$ 6.600 a partir de maio) —valor muito acima do rendimento médio dos trabalhadores (R$ 2.633).

Voluntarismo e demagogia, assim como corporativismo e patrimonialismo, concorrem para um Estado patrocinador da desigualdade.

Lá vem o PAC de novo

O Estado de S. Paulo.

Programa dito ‘de aceleração do crescimento’, um dos símbolos do fracasso retumbante do governo Dilma, será retomado por Lula, como se a insistência no erro produzisse um acerto

O governo do presidente Lula da Silva já avisou que tem entre suas prioridades o lançamento de uma nova versão do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). A proposta, segundo reportagem do Estadão, será apresentada até o fim de abril e incluirá grandes obras de infraestrutura. Além de investimentos federais e de concessões à iniciativa privada, o governo pretende retomar obras paradas e incluir projetos a serem viabilizados via Parcerias Público-Privadas (PPPs). Mais de 400 empreendimentos já foram listados.

O PAC original, cuja maternidade foi atribuída por Lula à sua criatura, Dilma Rousseff, foi um retumbante fracasso. Nem metade dos empreendimentos anunciados foi realizada, e os melhores números do programa dependiam, sobretudo, do Minha Casa Minha Vida – e mesmo no caso do programa habitacional os números foram menores do que os projetados com fanfarra pelo governo. Se o objetivo era “acelerar o crescimento”, como se depreende do nome do programa, o desempenho do PIB na época áurea do PAC diz tudo: no primeiro mandato de Dilma, o crescimento médio foi de 2,2%, metade do que se verificava entre alguns vizinhos latinoamericanos.

E essa performance medíocre se deu num momento econômico bem menos turbulento do que o atual. Por isso, não há razão para crer que o erro do passado se transforme num acerto no presente, em condições consideravelmente piores, salvo no âmbito do pensamento mágico lulopetista.

Certamente é importante retomar os milhares de obras paradas, mas é fundamental avançar na solução de problemas que fizeram com que esse fenômeno se repetisse com tanta recorrência nas várias edições do PAC. Para isso, o governo não precisa inovar. Basta consultar a edição mais recente do relatório Fiscobras do Tribunal de Contas da União (TCU), que traz um amplo diagnóstico sobre as razões desses atrasos e sugestões de melhorias que podem ser feitas em cada etapa dos empreendimentos, desde a fase de elaboração do projeto até a execução financeira.

Na nova edição do PAC, o governo pretende priorizar investimentos que façam parte de uma agenda verde. Na área de energia, a ideia é ampliar o espaço das fontes eólica e solar. O Executivo também pretende incluir fontes limpas nas novas contratações do Minha Casa Minha Vida, ampliar a participação dos modais ferroviário e hidroviário na matriz de transportes e impulsionar investimentos na área de saneamento. Para que esses investimentos se materializem, será essencial que alguns vícios dos governos petistas sejam definitivamente superados.

É verdade que o Estado tem papel de induzir investimentos privados, mas também é fato que a capacidade de investimentos da iniciativa privada é muito maior que a do setor público. Se há um segmento que confirma esse fato é o setor elétrico, em que o capital privado tem sido predominante na expansão e na operação de ativos nas áreas de geração, transmissão e distribuição de energia há muitos anos.

Isso foi resultado direto de um marco legal estável e do fortalecimento da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) na gestão e fiscalização dos contratos. Replicar essa experiência no saneamento seria um caminho seguro para superar os gargalos históricos no abastecimento de água e na coleta e no tratamento de esgoto. Porém, o Executivo tem dedicado toda a sua energia em garantir a sobrevivência de estatais estaduais que nunca se mostraram capazes de cumprir obrigações mínimas.

Há muitos outros exemplos na história recente que mereceriam uma autocrítica por parte das administrações petistas, como as grandes hidrelétricas na Região Amazônica, a tentativa de renascimento da indústria naval e a retomada das obras da usina de Angra 3. O maior problema, no entanto, é a profunda crença do governo de que as obras de infraestrutura serão capazes de salvar o crescimento da economia, independentemente do levantamento de seus custos e benefícios ou mesmo de seus resultados efetivos.

O ataque à reforma do ensino médio

O Estado de S. Paulo.

Críticas reforçadas por Lula ignoram fato de que reforma mal foi implementada e resultados ainda são incipientes; ajustes sempre são necessários, mas falar em revogação é absurdo

O presidente Lula da Silva lançou dúvidas sobre a reforma do ensino médio, iniciativa que começou a ser implementada no ano passado nas escolas de todo o País. Em recente entrevista à TV 247, ele afirmou que a reforma “não vai ser do jeito que está” e prometeu ouvir alunos e professores para elaborar um novo formato. Ecoou, assim, críticas de setores do meio acadêmico, de sindicatos de professores e de organizações estudantis que se opõem à medida − e, equivocadamente, pedem a sua imediata revogação.

A reforma do ensino médio é um passo sério na direção correta. Surgiu de uma necessidade concreta da sociedade brasileira, em razão de baixíssimos índices de aprendizagem e de altas taxas de evasão. Como toda política educacional, não é algo que se faça de um dia para outro. Cabe reiterar que a atual reforma chegou às salas de aula em 2022. Logo, seu ciclo de implementação só será concluído em 2024, quando, pela primeira vez, os concluintes do ensino médio terão cursado as três séries dessa etapa sob o novo formato.

Falar em revogação da reforma neste momento é ignorar que o Novo Ensino Médio não foi sequer implementado por inteiro. A rigor, uma política educacional com a profundidade e a amplitude dessa reforma − algo que mexe na vida de milhões de estudantes e de milhares de professores − deveria ser julgada a partir de resultados. Mas não há como cobrar resultados antes que a reforma se complete. Menos ainda sem que as redes de ensino tenham tempo para promover os aperfeiçoamentos necessários. Em qualquer lugar do mundo é natural e esperado que as políticas públicas passem por ajustes. Por que haveria de ser diferente no Brasil?

Mas esse nem é o ponto principal. Na verdade, quem ataca a reforma do ensino médio fecha os olhos para o diagnóstico que levou à formulação da proposta. Nas últimas décadas, essa etapa ficou estagnada. Enquanto o desempenho dos alunos do ensino fundamental dava alguns sinais de melhora no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), o ensino médio não avançava. Pesquisas indicaram uma espécie de crise de identidade: a escola era percebida por muitos jovens como uma estrutura engessada, cujo ensino de baixa qualidade pouco ou nada ajudava, fosse para ingressar no mercado de trabalho ou no ensino superior. Um descalabro.

Diante desse cenário, em 2016, o então presidente Michel Temer editou medida provisória elevando a carga horária e criando uma nova organização curricular: 60% do tempo foi destinado a disciplinas comuns a todos os alunos, enquanto 40% ficaram reservados para aulas nos chamados itinerários formativos, nos quais os estudantes podem se aprofundar em determinada área do conhecimento ou, ainda, optar por formação técnica profissionalizante. Vale lembrar que o Congresso aprovou o projeto de conversão da medida provisória, que virou lei em 2017, concedendo prazo de cinco anos para as redes de ensino se prepararem.

No meio do caminho, porém, surgiu a pandemia de covid-19, agravada pela inoperância do governo do então presidente Jair Bolsonaro e sua incapacidade de dialogar e articular esforços com os governos estaduais, que respondem por mais de 80% das matrículas do ensino médio. Assim, os dois anos que antecederam a implantação da reforma se deram em meio às adversidades do ensino remoto e da inexistência de um Ministério da Educação (MEC) sob Bolsonaro. Não surpreende que tenha havido falhas.

A propósito, fez bem recentemente o Ministério da Educação ao abrir consulta pública para aperfeiçoar o Novo Ensino Médio. Da mesma forma, o Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed), que reúne os dirigentes estaduais, corretamente se posicionou, enfatizando que não seria “sensato” descartar o esforço técnico e financeiro empreendido até aqui. Eis a atitude que se espera de qualquer autoridade minimamente comprometida com a melhoria do ensino no País. De fato, é inacreditável que o presidente Lula da Silva, que se diz preocupado com a educação, aja na direção contrária − e faça política barata com assunto tão decisivo.

Ainda há tempo

O Estado de S. Paulo.

IPCC diz que é possível mitigar os efeitos das mudanças climáticas, mas é preciso querer

O novo relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima (IPCC), lançado há poucos dias pela ONU, não poderia ser mais claro: o prazo para que a humanidade contenha a catástrofe climática, reduzindo as emissões de gases do efeito estufa, está se estreitando. No atual ritmo, o aquecimento global deverá atingir a marca de 1,5°C já na próxima década, na comparação com a média das temperaturas do período pré-industrial. Um enorme risco, considerando que o Acordo de Paris prevê manter o aquecimento limitado a esse patamar até 2100. Por outro lado, o relatório também afirma que há tempo para cortar emissões e fazer as adaptações necessárias, de modo a evitar consequências mais graves. Tecnologia para isso já existe: resta saber com que grau de prioridade o tema será tratado.

Como noticiou o Estadão,o 6.º Relatório de Avaliação do IPCC é uma síntese de conclusões prévias de 278 cientistas de 65 países − um documento que deve orientar as ações dos governos e as negociações internacionais até 2030. A quinta edição do relatório foi lançada em 2014 e, de lá para cá, os pesquisadores acumularam mais evidências sobre como a emissão de gases do efeito estufa está por trás da elevação das temperaturas na Terra. Os cientistas garantem ser “inequívoco” que a atividade humana aqueceu os continentes, os oceanos e a atmosfera. Cabe agora promover a descarbonização da economia. Uma equação complicada.

Os avanços registrados até aqui estão aquém do necessário, e o volume de emissões continua subindo. De fato, não é nada trivial transformar a matriz energética e mudar a estrutura de produção e consumo de bens e serviços no mundo. Os alertas do IPCC, por mais dados que apresentem, competem com urgências, demandas e conflitos de todo tipo. Algo que ficou cristalino após a invasão da Ucrânia pela Rússia, quando países europeus comprometidos com a agenda ambiental tiveram de recorrer a fontes de energia poluidoras, um retrocesso na luta contra o aquecimento global.

Sozinho, nenhum país ou bloco é capaz de resolver o problema. E toda a concertação global se dá em meio a disputas econômicas, geopolíticas e militares. O aquecimento global traz à tona também injustiças. De um lado, as nações desenvolvidas foram as que mais contribuíram para a elevação das temperaturas − e são as que estão mais preparadas para enfrentar eventos climáticos extremos. Do outro, uma constelação de países em desenvolvimento, cuja participação é ínfima na emissão de gases do efeito estufa, sofre os maiores prejuízos.

Além de cobrar ações urgentes dos governos, o novo relatório tenta sensibilizar a opinião pública. Um de seus autores, Peter Thorne, disse à Reuters que as mudanças climáticas costumam ser encaradas como se fossem um “problema dos outros”. Não são. Corretamente, o relatório lembra que a atual geração de bebês nascidos em 2020 terá 70 anos em 2090. Até lá, as condições de vida na Terra dependerão do que for feito agora e nos próximos anos. Um convite à ação.

Brasil ressurge no mapa da diplomacia ambiental

Valor Econômico

Será ainda a oportunidade para o atual governo colocar em pratos limpos as informações distorcidas pelo governo anterior

Nos últimos dois meses, o Brasil recebeu a visita de pelo menos quatro representantes de alto nível no cenário global do meio ambiente. Vieram checar de perto as promessas feitas pelo presidente Lula de que o país estava de volta, pronto para reforçar as fileiras em favor do ambiente, feitas ainda antes da posse, na COP27. O mais recente levantamento do Painel Internacional de Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês) e os episódios da crise dos yanomamis, das enchentes no litoral de São Paulo e Norte do país, além do aumento do desmatamento, mostram que há muito por fazer.

Já em janeiro, o vice-presidente executivo da Comissão Europeia, o holandês Frans Timmermans, veio ao Brasil ouvir os planos do governo Lula para conter o desmatamento, visitar a Amazônia e discutir o programa da COP28, que acontecerá em dezembro, nos Emirados Árabes Unidos. A pauta ambiental se cruza com a econômica uma vez que a União Europeia elabora duas legislações que afetam o Brasil: brecar a importação de commodities vinculadas ao desmatamento e adotar um mecanismo que vai taxar a importação de produtos conforme sua pegada de carbono.

O enviado especial dos EUA para o clima, John Kerry, chegou no mês seguinte para reafirmar a promessa do governo americano de contribuir para o Fundo Amazônia. O aporte inicial pode ser de US$ 50 milhões, mas Kerry não confirmou o valor cogitado quando Lula esteve em Washington algumas semanas antes. Falou em quantias substancialmente maiores, mas a liberação de recursos depende das complicadas articulações políticas domésticas, e não descartou a necessidade de apelar a bancos de desenvolvimento e ao mercado de carbono.

Neste mês, o vice-premiê da Alemanha e ministro da Economia e Ação Climática Robert Habeck veio discutir o avanço do acordo União Europeia-Mercosul, mas com um olho nos compromissos ambientais e no hidrogênio verde. Poucos dias depois, chegou o ministro do Clima e do Meio Ambiente da Noruega, Espen Eide, para conversar sobre o destravamento do Fundo Amazônia, do qual o país nórdico é o principal doador. O fundo, que tem atualmente cerca de US$ 3 bilhões, ficou paralisado durante todo o governo de Jair Bolsonaro. Há 14 projetos já aprovados para receberem recursos. Eide também discutiu o aproveitamento racional e responsável dos oceanos.

Essas visitas ocorreram em um momento em que o IPCC divulgou um novo relatório em que a evolução das mudanças climáticas confirmam os piores temores, tornando mais frequentes inundações, tempestades e incêndios florestais. Quase metade da população mundial vive em regiões altamente vulneráveis. A temperatura global já aumentou 1,1°C, muito perto dos limites fixados no Acordo do Clima de Paris, assinado em 2015, quando se prometeu limitar o aumento da temperatura global a menos de 2°C, idealmente em 1,5°C. O mundo vive momentos decisivos para atingir essas metas. Mas 80% da energia do mundo ainda vem de fontes fósseis, e a invasão da Ucrânia pela Rússia complicou a missão.

Na próxima reunião global sobre o tema, a COP28, os países deverão atualizar seus compromissos para questões como as emissões de gases de efeito estufa, a substituição de combustíveis fósseis e o combate ao desmatamento.

Nessas frentes, os números do novo governo não são auspiciosos. O sistema Deter, que faz monitoramento por satélite para reunir informações em tempo real, registrou aumento de 62% no desmatamento na Amazônia em fevereiro em comparação com o mesmo mês de 2022, e de 97% no Cerrado em comparação com 2020, ano do recorde anterior. Há uma discussão se a presença de nuvens nesses meses de período chuvoso nas duas regiões afetou a comparação. De toda forma, especialistas afirmam que o novo governo está demorando a atuar. A grave questão indígena, outro ponto que deverá ser alvo de esclarecimentos na COP28, tem concentrado a atenção do novo governo.

Será ainda a oportunidade para o atual governo colocar em pratos limpos as informações distorcidas pela equipe de meio ambiente do governo Bolsonaro que apelou para artimanhas, como mudar a base de comparação, para dizer que estava se esforçando para atingir as metas de desmatamento e facilitar os compromissos futuros, e recuperar a credibilidade dessas estatísticas para justificar o interesse global.

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