terça-feira, 28 de março de 2023

Pedro Cafardo - Juros altos em todo lugar e o tempo todo

Valor Econômico

“O país está viciado e precisa se livrar da intoxicação de juros”

Teve discreto destaque a declaração do presidente da Fiesp, Josué Gomes da Silva, na semana passada, na qual chamou os juros brasileiros de “pornográficos”. Na verdade, ele adotou a palavra usada por outro industrial, Antônio Ermírio de Moraes, que dedicou longos anos de sua vida à luta contra os juros altos brasileiros e morreu em 2014 sem ganhar a batalha.

Essa luta do setor produtivo, portanto, vem de longe. Nos últimos anos, foi arrefecida porque predominou, inclusive entre industriais, a ideia liberal de que os juros elevados são a única arma para combater a inflação. Com a nova posse de Lula na Presidência da República, a batalha foi retomada.

Pesquisando publicações do passado sobre o tema, o colunista encontrou um artigo de outro grande industrial brasileiro, Benjamin Steinbruch, com o título “Viciados em juros”. Com atualização dos números, o texto se aplicaria ao momento atual brasileiro. Vejam alguns trechos escritos pelo empresário em novembro de 2015, durante o então agonizante governo Dilma Rousseff:

“Na semana passada, ficamos sabendo que o déficit fiscal do setor público brasileiro neste ano é um número que deve variar entre R$ 50 bilhões e R$ 100 bilhões, dependendo de como será encarado o problema das pedaladas fiscais. Ficamos todos horrorizados com esses números. Esse déficit é aquele que os economistas chamam de ‘primário’ e decorre de atuação ineficiente e/ou irresponsável da administração dos recursos públicos. Há, porém, outro déficit muito maior, previsto para atingir R$ 350 bilhões neste ano. É aquele que advém das despesas financeiras do setor público, ou seja, do custo da dívida pública de R$ 2,7 trilhões”.

Aqui vale interromper o “flashback” de 2015 para lembrar que a dívida pública fechou 2022 em R$ 6 trilhões e seu custo em 2023 está estimado em R$ 800 bilhões. E o déficit primário, em R$ 107,6 bilhões.

Voltando ao flashback: “O curioso é que não se vê ninguém - ou quase ninguém - horrorizado com o déficit financeiro monumental. Mais curioso é que esse déficit não se dá porque a dívida pública é exorbitante. Ela é elevada, mas, girando em torno de 65% do PIB [73,5% em 2022], parece até moderada quando comparada com a de outros países muito respeitados, como EUA e Japão, que devem 80% e 125% do PIB, respectivamente. Lá nesses países, a dívida elevada não incomoda tanto por uma razão simples: as taxas de juros pagas para carregá-la giram em torno de 1% ao ano. Aqui, nossa taxa é superior a 14% ao ano. Toma-se como líquido e certo que essa taxa, uma jabuticaba genuinamente nacional, é a apropriada para o Brasil, ainda que nenhum país sério no mundo adote algo parecido, ainda que ela não esteja tendo o efeito desejado para conter a inflação, ainda que provoque um rombo nas contas públicas até sete vezes maior do que o déficit fiscal. Discutem-se cortes nos programas sociais que socorrem as populações mais pobres do país - querem tirar R$ 10 bilhões do Bolsa Família do ano que vem -, mas não se discutem cortes de juros, aumento de crédito e outras medidas para retirar barreiras ao consumo e ao crescimento da economia. A verdade é que o país está viciado em juros. Os cartões de crédito cobram inacreditáveis 410% ao ano, taxa que foi motivo de chacota no ‘New York Times’. Os bancos, 264% ao ano no cheque especial e até 27% ao ano no crédito consignado, que concedem com risco zero.”

Vale interromper novamente o “flashback” para citar números de hoje. No cartão de crédito rotativo, a taxa média cobrada no início de março era de 200% ao ano - a taxa mediana atingia 435% e dois bancos exigiam mais de 1.000%, segundo o Banco Central. No cheque especial, 149%; no consignado, 28,9%; e no capital de giro, 30% (mediana).

Estávamos e estamos cercados de juros por todos os lados, o tempo todo e em todo lugar. “E quem ganha com isso?”, perguntava o industrial em 2015. Ele mesmo respondia: “Perdem todas as pessoas, sejam elas físicas ou jurídicas, que pagam impostos para suportar o déficit financeiro e fiscal bilionário. Perdem também as empresas dos setores produtivos, atingidas pelos custos exorbitantes do crédito e pela retração do consumo. Ganham os que vivem de renda e, naturalmente, o setor financeiro. (...) Já o setor produtivo, em especial a indústria, amarga prejuízos”.

A conclusão do “flashback”, vale para hoje: “O país precisa entrar em uma clínica de recuperação para se livrar da intoxicação de juros. Enquanto não superar esse problema, dificilmente vai tomar um rumo sustentável de crescimento econômico”.

Quase chacota

Na semana passada, a despeito de críticas sofridas, o BC usou sua autonomia, manteve a Selic em 13,75% e deixou porta aberta para novo aumento. Com isso, o juro real no país, descontada a inflação, era de 7,08% ao ano no dia 24, calculou o economista Robinson Moraes, do Valor Data.

Não consta que o país esteja sendo vítima de chacota no exterior, como em 2015, mas quase chegou a esse ponto. Na semana passada, o prêmio Nobel de Economia em 2001 Joseph Stiglitz disse que os juros no Brasil são “chocantes” e que uma taxa real de 8% ao ano pode “matar qualquer economia”. “O Brasil sobreviveu ao que é uma pena de morte”, afirmou o economista.

Um dos argumentos que justificam a manutenção de juros mais altos no Brasil do que em qualquer outro país é a memória da hiperinflação de 1980/1990. Stiglitz desdenhou: “Isso foi há muito tempo, décadas atrás”.

Esse debate se deu enquanto governo e bancos discutiam a fixação da nova taxa máxima para empréstimos consignados a aposentados, que era 2,14% ao mês, foi reduzida para 1,7% pelo governo e provocou a interrupção desses financiamentos pelos bancos. A taxa de 2,14% ao mês (quase 30% ao ano) não cabe no bolso dos aposentados, gerando enorme inadimplência. Por outro lado, 1,7% dá prejuízo aos bancos. Se uma taxa quebra tomadores e outra fornecedores de crédito, ou a solução está no meio, ou o programa é inviável e deve ser extinto.

De qualquer forma, são chocantes/pornográficas as taxas de juros brasileiras. O varejo já sente o peso, a indústria grita e o ministro da Fazenda tenta conciliar. Lá fora, onde as taxas nominais e reais subiram, mas são muito menores, alguns bancos já “abriram o bico”. Vade retro, satanás!

 

3 comentários:

Anônimo disse...

Juros PORNOGRÁFICOS! Mas tem presidente atual do Banco Central e ex-presidente (Gustavo Loyola, ontem) que os defendem... Querem f... o setor produtivo e as finanças do governo?

Anônimo disse...

Uma fala repetida sobre o ponto atual da taxa de juros básica é de que o objetivo dela estar alta é prejudicar Lula.

Mas a taxa estava em 2% em março/2021e foi sendo aumentada até chegar a 13,75% em agosto de 2022, parando em 13,75.
▪O governo, entre março2021e agosto2022 era o de Jair Bolsonaro e o que aconteceu neste período foi Bolsonaro fazer gastança fora do Orçamento com interesse eleitoral e o BACEN e seu presidente, o Roberto Campos Neto, subirem os juros para esterilizarem os gastos de Bolsonaro.

Roberto Campos fez isso, de exterilizar os gastos de Bolsonaro com juros altos, mesmo tendo sido indicado por Bolsonaro e dele ganhado autonomia no BACEN.

Agora, desde setembro2022 até março2023, a taxa não subiu e os juros estão mantidos nos mesmos 13,75%.

▪O Roberto Campos, considerando os dados e os fatos e não as narrativas, fez e faz boicote ao governo de quem, ao de Lula ou ao de Bolsonaro?
▪Ou Roberto Campos não esteve nem está fazendo boicote ao governo de ninguém e está apenas cumprindo profissionalmente o compromisso de seu mandato no Banco Central, de buscar o cumprimento da meta de inflação?

EdsonLuiz.

Anônimo disse...

O cara tem a pachorra de comparar o endividamento público tupinicalha ao de países desenvolvidos que tem INVESTMENT GRADE. A gente eh país pobre e subdesenvolvido. Compara a dívida PIB nossa com Chile e México e vc tera uma surpresa desagradavel