O Globo
Não existe controvérsia sobre o rito para
tramitação de medidas provisórias no Congresso. Isso é falso problema forjado
por um oportunista da pandemia: Arthur Lira. Tampouco estão em disputa
entendimentos sobre regimentos internos, embora os sucessivos saques de Lira
aos regramentos da Câmara sugerissem que ele não tardaria a atacar a
Constituição.
É disto que se trata: de atentado de Lira
contra a Constituição. Não será o caso de explicar o que a Carta estabelece
como trâmite de MP no Parlamento. Já escrevi a respeito no artigo “O
assalto de Lira à Constituição”, disponível em meu blog no site do GLOBO.
Está tudo lá.
Está tudo, claríssimo, na Constituição.
O presidente da Câmara, aliás, admitiu
em entrevista ao
Valor que o rito que desrespeita é constitucional. Pondera, porém, que a forma
excepcional vigente seria “muito mais” democrática. Voltarei a isso.
Chamei Lira de oportunista da pandemia. Haverá outra maneira de se referir a quem manipula solução extraordinária estabelecida pelas duas Casas, de modo a que as deliberações legislativas pudessem ocorrer durante a emergência sanitária imposta pela peste, para ampliar o próprio poder?
Poderia chamar o oportunista da pandemia de golpista. Porque é um golpe — contra Constituição — o que se arma. Não é hora para meias palavras.
— Nossa constatação é que a pandemia trouxe
alterações na vida do Parlamento que não retrocederão, como a votação pelos
aplicativos.
Compara avanços tecnológicos, cuja
implementação cabe à burocracia administrativa, ao atropelamento de processo
parlamentar previsto na Carta.
A constatação de Lira sobre alterações
trazidas pela peste não importa. O que não pode retroceder é o pacto
republicano pela Constituição. De modo que, se quer a perenidade do rito
atípico combinado para o período emergencial, o caminho é único: bancar uma
Proposta de Emenda à Constituição (PEC) conforme lhe apeteça e submeter —
submeter sua onipotência — à apreciação do Congresso.
Fora disso, não há — não poderá haver —
conversa. Que papo é esse de o governo mediar uma solução —puxadinho, premiando
mentalidade autocrática — para o tal impasse? Acordo? E a Constituição, como
fica? Cuidado com a ideia de recuo por um absolutista. O que remedeia a doença
autoritária é o cumprimento radical da Constituição. O que remedeia a doença
autoritária é o cumprimento radical da Constituição. Mesmo a perspectiva de uma
PEC, no verbo de Lira, trai a noção personalista que transforma o Parlamento na
Câmara municipal de, sei lá, Teotônio Vilela, Alagoas:
— O que estamos discutindo é que temos de
mudar a Constituição porque as Casas não se entendem.
Ele fabrica problema, força crise sangrando
a lei e se refere a uma emenda à Constituição como solução — desde que com rito
à sua maneira — para o que considera picuinha, as reações. Seria emenda à
Constituição, por Lira, para pavimentar buraqueira produzida por Lira.
— A comissão [mista, para primeira análise
da Medida Provisória] existe na Constituição? Existe, mas, com todo o respeito
ao Poder Judiciário, isso não é questão jurídica. É questão política.
Não tem “mas”. O imperador reconhece a
previsão constitucional do rito e então corre — já preparando a cartada da
“judicialização da política” — para informar que matéria constitucional não
cabe ao Supremo. Investe contra a Constituição, investimento que produz
provocações ao Judiciário — e não quer que o STF faça o controle de
constitucionalidade. No mundo de Lira, lá onde política é distribuir codevasfs,
ele pode dilapidar a Constituição — a defesa da Constituição não sendo assunto do
Poder encarregado de protegê-la.
Destaque-se esta pérola, expressão de
independência segundo coronéis:
— Decisão judicial não se descumpre, mas
ela não funciona para a política.
É o presidente da Câmara declarando,
enquanto esquarteja princípios da República, que driblará decisão do STF —
sobre matéria que reconhece como de natureza constitucional — que contrarie sua
compreensão do que seja atividade política. Foi o que fez — com Pacheco e
governo Lula, enganando o Supremo — para que o orçamento secreto continuasse.
Diz — faz — isso e vai a convescote com
ministros da Corte. Todos satisfeitos.
— Não abrimos mão de nossas prerrogativas —
falou o parlamentar que aterrou os mecanismos de obstrução pela oposição
legislativa e que tem suprimido o debate de projetos em comissões.
Trata-se do mesmo deputado para quem o
orçamento secreto seria orçamento municipalista. Existe glossário a ser escrito
com a perversão das palavras por esses patrimonialistas autoritários e outros
elmares.
Existe método. Ele estica a corda; para
logo vir com a proposta (uma concessão?) de acordo que, com a desculpa de
defender interesses da Câmara, aumenta-lhe o controle sobre os deputados.
Volto à democracia segundo Lira. Que
considera “muito mais democrática” resolução definida por mesas diretoras em
caráter extraordinário; “muito mais democrática” que o estabelecido na
Constituição. Prerrogativa da Câmara — do presidente da Câmara — sendo tratorar
o equilíbrio da atividade bicameral conforme disposto na Lei Maior.
É tempo de o Supremo cessar com a social,
cortar o “me engana que eu gosto” e reaver o exercício de suas prerrogativas.
Um comentário:
Uma análise sensata. Parabéns ao autor e ao blog que o divulga!
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