Valor Econômico
Eleição em Alagoas deve pôr à prova aliança
com Lula
A briga entre Senado e Câmara já tem um
derrotado: o governo Lula (PT). Os petistas defendiam há semanas que as
comissões mistas, formadas por deputados e senadores para tratar das medidas
provisórias (MPs), não fossem instaladas, com a crença de que isso deve atrasar
a agenda do Executivo no Congresso. A queda de braço entre o presidente do
Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e o da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), rompeu as
tentativas de acordo que vinham sendo costuradas.
O governo agora precisará se desdobrar para fazer avançar 13 medidas provisórias em 13 comissões diferentes em meio ao embate sobre se os deputados as boicotarão ou não. A composição não deve ser favorável - siglas mais fiéis, como PDT, PSB e Psol, não terão assento nesses colegiados, dominados pelo Centrão. As primeiras MPs do governo, como a reforma administrativa e parte do ajuste fiscal do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, começam a perder a validade daqui a 60 dias. A alternativa, péssima para o Executivo, é enviar parte dessas MPs como projetos de lei.
A briga ainda contaminaria outros projetos. A reforma tributária depende de um texto de consenso entre as duas Casas. Na legislatura passada, um acordo entre os dois fez com que o Senado começasse a discussão sobre simplificar os impostos sobre o consumo, enquanto a Câmara trataria do imposto de renda e dividendos. Os deputados aprovaram sua parte, travada pelos senadores, que tampouco avançaram a votação das propostas de emenda constitucionais (PECs).
Agora, Lira retomou o debate sobre a PEC
sem conversar diretamente com Pacheco. O presidente do Senado, por sua vez, não
indicou nenhum senador para acompanhar o grupo de trabalho formado pelo
deputado. Na reforma da Previdência, o texto já chegou minimamente conhecido ao
salão azul porque Pacheco destacou Tasso Jereissati (PSDB-CE) para acompanhar a
comissão especial da Câmara.
A crise pode escalar mais degraus nos
próximos dias com o tiroteio de ambos os lados. Pacheco deu encaminhamento ao
projeto de lei que muda os processos de impeachment e tira poder da presidência
da Câmara, que passa a ter 30 dias para se pronunciar sobre os pedidos e não
poderia mais simplesmente sentar em cima sem decidi-los. A proposta aguardava
nas gavetas da presidência do Senado desde dezembro, quando o ministro do
Supremo Tribunal Federal (STF) Ricardo Lewandowski a entregou em mãos a
Pacheco, mas só foi protocolada pelo senador quinta-feira, horas após a decisão
sobre as MPs.
Já Lira está decidido a romper o convênio
de reciprocidade com o Senado, que permite aos ex-deputados eleitos senadores
manterem seus apartamentos funcionais e vice-versa. Hoje há 11 senadores em
alojamentos da Câmara e três deputados em imóveis do Senado. Com o despejo, ele
poderá contemplar oito aliados que estão na fila por um desses cobiçados
apartamentos, com 225 metros quadrados, quatro quartos, polícia 24 horas e
localização central em Brasília.
Outra ameaça é dificultar a cessão de
servidores para gabinetes de senadores. Um dos alvos, neste caso, é Ana Paula
Magalhães Lima, a chefe de gabinete do senador Davi Alcolumbre (União-AP) a
quem Lira atribui a denúncia de que uma de suas assessoras atua na liberação de
emendas parlamentares pela Câmara ao mesmo tempo que as fiscaliza no conselho
da Companhia de Desenvolvimento dos Vales do Rio São Francisco e do Parnaíba
(Codevasf). Ana Paula é analista legislativa da Câmara e aguarda despacho para
ser cedida por mais tempo ao Senado.
A divergência pública é com Pacheco, mas,
na visão do presidente da Câmara, a dupla por trás da crise é formada por Renan
Calheiros (MDB-AL), seu adversário em Alagoas, e Alcolumbre (a quem ele chama
de “verdadeiro presidente do Senado”). O amapaense não responde as ligações de
Lira há três semanas e teria entrado nesse embate com a promessa de que o MDB o
ajudará a presidir de novo o Senado.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) foi chamado na sexta-feira a mediar a situação, sob o risco de ver sua agenda paralisada no Congresso. Deve, contudo, agradecer a Montesquieu pelo princípio da separação dos Poderes e deixar que deputados e senadores resolvem suas próprias crises.
A política de Alagoas está por trás da
recente crise entre Câmara e Senado em Brasília e seus reflexos tendem a ganhar
ainda mais importância no próximo ano, com a eleição municipal.
Neoaliado de Lula, Arthur Lira caminha para
apoiar um adversário do presidente da República em Maceió. O atual prefeito,
João Henrique Caldas, o “JHC”, trocou o PSB pelo PL no ano passado para fazer
campanha pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Candidato à reeleição, “Jota”
negocia a entrada de dois aliados de Lira em seu secretariado e deve ser o
candidato do presidente da Câmara. “O prefeito JHC foi nosso aliado na eleição
para o governo e, preferencialmente, será o nosso candidato à reeleição à
Prefeitura de Maceió”, disse Lira ao Valor.
O apoio explica-se pela disputa local. Há
dois grandes grupos políticos em Alagoas: os Calheiros, do MDB, a quem o
governador Paulo Dantas (MDB) é ligado e que fazem campanha ao lado de Lula; e
o de Lira, que comanda o PP e o União Brasil no Estado e que deu suporte à
candidatura do ex-presidente no ano passado (embora o candidato deles ao
governo, o senador Rodrigo Cunha, tenha se posicionado como neutro por divergir
pessoalmente de Bolsonaro).
A derrota de Bolsonaro não afastou JHC do
bolsonarismo. O prefeito viajou à Brasília para participar da posse de Michele
Bolsonaro como presidente do PL Mulher, colocou sua mãe, Eudócia, como
representante desse grupo em Alagoas e já quer receber Bolsonaro em Maceió
(única capital no Nordeste onde ele venceu Lula).
Se na esfera nacional a derrota de Bolsonaro aproximou Lira do petismo, no cenário local esse campo continua interditado. O presidente da Câmara promete que isso não afetará a aliança com Lula. “Diferentemente de outros políticos, não misturo as questões locais com as questões nacionais”, disse Lira. A ver.
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