Valor Econômico
Reformas microeconômicas enviadas ao
Congresso são fundamentais para que o Brasil volte a crescer
Medidas microeconômicas, em geral, nunca fazem muito sucesso, especialmente quando seu alcance só se efetivará no longo prazo. É raro o assunto ocupar grande espaço da mídia e da opinião pública, porque o efeito não é imediato e os fatos conjunturais prementes acabam atropelando o debate mais profundo e necessário sobre elas. Isto posto, merece destaque o conjunto de treze medidas para melhorar o acesso ao crédito e reduzir os juros que foram promovidas na semana passada pela Secretaria de Reformas Econômicas do Ministério da Fazenda do atual governo Lula.
É verdade que algumas dessas medidas já se
encontram em tramitação no Congresso, como, por exemplo, o importante novo
marco das garantias, que é o Projeto de Lei 4188, ou ainda, o Projeto de Lei
2481, que cuida da reforma da Lei do Processo Administrativo, em que se insere
o tema de autorização de instituições financeiras. No mesmo grupo, cabe
mencionar o relevante Projeto de Resolução Bancária, que já tramita no
Congresso como PLP 281/2019, visando simplificar e aprimorar os regimes de
resolução em instituições financeiras e demais instituições autorizadas a
funcionar pelo Banco Central, pela Superintendência de Seguros Privados (Susep)
e pela Comissão de Valores Mobiliários.
Resumidamente, o conjunto anunciado inclui
três medidas relacionadas a projetos de lei já em tramitação, mas que, agora,
têm o apoio formal do governo; seis novos projetos de lei a serem encaminhados
ao Congresso, como projetos de iniciativa do Executivo, e quatro medidas
infralegais e regulamentares. Portanto, as reformas microeconômicas do crédito
podem só ter impacto no médio e no longo prazo, mas sem dúvida nenhuma são
fundamentais para que o Brasil volte a crescer.
Como se sabe, o ambiente de crédito no
Brasil é incerto, volátil, escasso e caro, e o que está se propondo se
justifica para tentar solucionar alguns desses problemas. Uma das medidas
lançadas é a elevação do mínimo existencial de R$ 300 para R$ 600 que, em tese,
melhoraria as condições de acesso ao crédito e garantiria condições mínimas de
endividamento; entretanto, exigirá melhores processos de controle na concessão
do crédito e validação do comprometimento global de renda do consumidor, para
evitar as conhecidas e indesejáveis consequências da inadimplência.
Quanto ao crédito do atacado, as medidas
também são importantes porque vão beneficiar as PPP’s, que limitavam o apetite
do investidor por conta do risco dos Estados e Municípios e que agora podem ter
aval da União. Amplia-se a possibilidade da emissão de debêntures incentivadas,
que, na prática, é a ampliação de benefício já existente para projetos de
infraestrutura econômica, porém com foco ambiental e social, sendo
potencialmente beneficiados a educação, a saúde, a segurança pública, o sistema
prisional, os parques urbanos e unidades de conservação, os equipamentos
culturais e esportivos, a habitação social e a requalificação urbana.
O novo marco de garantias, que trata da
utilização do mesmo bem em garantia por mais de um empréstimo, e a
simplificação do processo de execução, entre outras medidas, como aquelas que
cuidam de imóveis não quitados serem oferecidos como garantia, também merecem
um comentário especial. Já tarda um projeto de lei com iniciativas de
aprimoramento da alienação fiduciária e da hipoteca, simplificação e redução de
custos de registros. É preciso enfatizar a uniformização e dinamização de
procedimentos executivos, com foco em execuções extrajudiciais, principalmente
quando temos um Judiciário moroso, afogado e assoberbado por demandas.
Há ainda um projeto específico para a
proteção dos investidores minoritários no mercado de capitais contra danos
causados por atos ilícitos de controladores e administradores, um projeto de
autorização de funcionamento de instituições financeiras e também para criação
da nova moeda digital, CBDC, pelo Banco Central, dois assuntos distintos, mas
que estão na agenda contemporânea mundial.
Além disso, medidas de autorização de
recursos de fundos de previdência complementar aberta e de capitalização como
garantia de operações de crédito abrem uma avenida para novos produtos, que
podem, sim, reduzir os juros e democratizar o crédito entre nós. Planos de
previdência complementar aberta, de seguros de pessoas, de Fundo de
Aposentadoria Programada Individual (Fapi) e de títulos de capitalização
representam ativos dormentes que poderiam servir de garantias para crédito.
Segundo dados da pasta, planos de previdência aberta somam cerca de R$ 1,2
trilhão de recursos e títulos de capitalização aproximadamente R$ 20 bilhões.
Estes não podem ser desconsiderados como classe de ativos.
Nada foi tratado sobre aspectos tributários
do crédito, que, reconhecidamente, são onerosos para quem toma. A cunha
tributária sobre o crédito pode significar até mesmo quase um terço do total do
spread bancário, considerando impostos diretos e indiretos, mas se entende que
o debate deva ser inserido numa reforma mais ampla.
Finalmente, ficou fora do pacote o tema do
crédito direcionado, que encarece a oferta de crédito no Brasil. O crédito
direcionado representa uma fatia grande do crédito no Brasil - mais da metade
da sua oferta - e cresceu bastante na última década, especialmente se comparado
com o crescimento do crédito livre, que passou de 25% para 28% do PIB em 2022,
ao passo que o direcionado passou de 40% a 52% do total do crédito. Essa foi
uma estratégia para a contenção dos efeitos da já longínqua crise de 2008, mas,
ao contrário do que era esperado, esse desnivelamento não cessou ao fim do
ciclo, ele aumentou. Essa situação desperta atenção, pois o direcionamento do
crédito tem papel ambíguo: pode tanto consertar e prevenir, quanto causar
distorções no mercado. Pode, por exemplo, impulsionar a abertura de linhas de
crédito mais barato e mais abrangente especificamente em áreas cujo potencial
lucrativo é baixo, e o social, alto.
*Jairo Saddi, advogado em São Paulo
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