segunda-feira, 8 de maio de 2023

Jairo Saddi* - Medidas positivas para o crédito

Valor Econômico

Reformas microeconômicas enviadas ao Congresso são fundamentais para que o Brasil volte a crescer

Medidas microeconômicas, em geral, nunca fazem muito sucesso, especialmente quando seu alcance só se efetivará no longo prazo. É raro o assunto ocupar grande espaço da mídia e da opinião pública, porque o efeito não é imediato e os fatos conjunturais prementes acabam atropelando o debate mais profundo e necessário sobre elas. Isto posto, merece destaque o conjunto de treze medidas para melhorar o acesso ao crédito e reduzir os juros que foram promovidas na semana passada pela Secretaria de Reformas Econômicas do Ministério da Fazenda do atual governo Lula.

É verdade que algumas dessas medidas já se encontram em tramitação no Congresso, como, por exemplo, o importante novo marco das garantias, que é o Projeto de Lei 4188, ou ainda, o Projeto de Lei 2481, que cuida da reforma da Lei do Processo Administrativo, em que se insere o tema de autorização de instituições financeiras. No mesmo grupo, cabe mencionar o relevante Projeto de Resolução Bancária, que já tramita no Congresso como PLP 281/2019, visando simplificar e aprimorar os regimes de resolução em instituições financeiras e demais instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central, pela Superintendência de Seguros Privados (Susep) e pela Comissão de Valores Mobiliários.

Resumidamente, o conjunto anunciado inclui três medidas relacionadas a projetos de lei já em tramitação, mas que, agora, têm o apoio formal do governo; seis novos projetos de lei a serem encaminhados ao Congresso, como projetos de iniciativa do Executivo, e quatro medidas infralegais e regulamentares. Portanto, as reformas microeconômicas do crédito podem só ter impacto no médio e no longo prazo, mas sem dúvida nenhuma são fundamentais para que o Brasil volte a crescer.

Como se sabe, o ambiente de crédito no Brasil é incerto, volátil, escasso e caro, e o que está se propondo se justifica para tentar solucionar alguns desses problemas. Uma das medidas lançadas é a elevação do mínimo existencial de R$ 300 para R$ 600 que, em tese, melhoraria as condições de acesso ao crédito e garantiria condições mínimas de endividamento; entretanto, exigirá melhores processos de controle na concessão do crédito e validação do comprometimento global de renda do consumidor, para evitar as conhecidas e indesejáveis consequências da inadimplência.

Quanto ao crédito do atacado, as medidas também são importantes porque vão beneficiar as PPP’s, que limitavam o apetite do investidor por conta do risco dos Estados e Municípios e que agora podem ter aval da União. Amplia-se a possibilidade da emissão de debêntures incentivadas, que, na prática, é a ampliação de benefício já existente para projetos de infraestrutura econômica, porém com foco ambiental e social, sendo potencialmente beneficiados a educação, a saúde, a segurança pública, o sistema prisional, os parques urbanos e unidades de conservação, os equipamentos culturais e esportivos, a habitação social e a requalificação urbana.

O novo marco de garantias, que trata da utilização do mesmo bem em garantia por mais de um empréstimo, e a simplificação do processo de execução, entre outras medidas, como aquelas que cuidam de imóveis não quitados serem oferecidos como garantia, também merecem um comentário especial. Já tarda um projeto de lei com iniciativas de aprimoramento da alienação fiduciária e da hipoteca, simplificação e redução de custos de registros. É preciso enfatizar a uniformização e dinamização de procedimentos executivos, com foco em execuções extrajudiciais, principalmente quando temos um Judiciário moroso, afogado e assoberbado por demandas.

Há ainda um projeto específico para a proteção dos investidores minoritários no mercado de capitais contra danos causados por atos ilícitos de controladores e administradores, um projeto de autorização de funcionamento de instituições financeiras e também para criação da nova moeda digital, CBDC, pelo Banco Central, dois assuntos distintos, mas que estão na agenda contemporânea mundial.

Além disso, medidas de autorização de recursos de fundos de previdência complementar aberta e de capitalização como garantia de operações de crédito abrem uma avenida para novos produtos, que podem, sim, reduzir os juros e democratizar o crédito entre nós. Planos de previdência complementar aberta, de seguros de pessoas, de Fundo de Aposentadoria Programada Individual (Fapi) e de títulos de capitalização representam ativos dormentes que poderiam servir de garantias para crédito. Segundo dados da pasta, planos de previdência aberta somam cerca de R$ 1,2 trilhão de recursos e títulos de capitalização aproximadamente R$ 20 bilhões. Estes não podem ser desconsiderados como classe de ativos.

Nada foi tratado sobre aspectos tributários do crédito, que, reconhecidamente, são onerosos para quem toma. A cunha tributária sobre o crédito pode significar até mesmo quase um terço do total do spread bancário, considerando impostos diretos e indiretos, mas se entende que o debate deva ser inserido numa reforma mais ampla.

Finalmente, ficou fora do pacote o tema do crédito direcionado, que encarece a oferta de crédito no Brasil. O crédito direcionado representa uma fatia grande do crédito no Brasil - mais da metade da sua oferta - e cresceu bastante na última década, especialmente se comparado com o crescimento do crédito livre, que passou de 25% para 28% do PIB em 2022, ao passo que o direcionado passou de 40% a 52% do total do crédito. Essa foi uma estratégia para a contenção dos efeitos da já longínqua crise de 2008, mas, ao contrário do que era esperado, esse desnivelamento não cessou ao fim do ciclo, ele aumentou. Essa situação desperta atenção, pois o direcionamento do crédito tem papel ambíguo: pode tanto consertar e prevenir, quanto causar distorções no mercado. Pode, por exemplo, impulsionar a abertura de linhas de crédito mais barato e mais abrangente especificamente em áreas cujo potencial lucrativo é baixo, e o social, alto.

*Jairo Saddi, advogado em São Paulo

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