segunda-feira, 8 de maio de 2023

Dani Rodrik* - A nova narrativa econômica americana

Valor Econômico

Biden se afasta radicalmente dos governos democratas anteriores

Duas agendas concorrentes estão no momento competindo para moldar as políticas econômicas interna e externa dos EUA. Uma agenda é voltada para dentro, concentrando-se na criação de uma economia americana inclusiva, resiliente, próspera e sustentável. A outra está voltada para a geopolítica e a manutenção da primazia dos EUA sobre a China. O futuro da economia mundial depende do resultado desse conflito e se as prioridades opostas podem coexistir.

O governo do presidente Joe Biden representa um afastamento radical dos governos democratas anteriores, perseguindo políticas industriais ambiciosas para revitalizar a manufatura interna e facilitar a transição verde. Ele também adotou uma posição mais dura em relação à China do que qualquer governo anterior, incluindo o do ex-presidente Donald Trump, tratando o regime chinês como um adversário e impondo controles às exportações e investimentos em tecnologias críticas.

As declarações da secretária do Tesouro, Janet Yellen e do assessor de Segurança Nacional, Jake Sullivan fornecem alguma segurança àqueles que acreditam que os EUA podem abordar suas legítimas preocupações com a segurança nacional sem prejudicar a economia mundial

Até recentemente, porém, o governo Biden não articulou uma visão coerente que combine esses vários elementos e garanta a outros países, incluindo a China, que sua estratégia econômica não está centrada no confronto, no unilateralismo e no protecionismo. Mas declarações recentes da secretária do Tesouro, Janet Yellen, e do assessor de Segurança Nacional, Jake Sullivan, indicam que o governo está agora adotando medidas para resolver essa questão, o que pode sinalizar o surgimento de um novo Consenso de Washington.

A abordagem do governo para a economia mundial reflete uma mudança intelectual mais ampla. Autoridades americanas de alto escalão agora acreditam que o modelo de globalização pós-1990, que priorizou o livre comércio e os mercados livres sobre a segurança nacional, as mudanças climáticas e a segurança econômica da classe média, minou os fundamentos socioeconômicos das democracias saudáveis.

Em seus comentários, Sullivan estabeleceu os cinco pilares da agenda econômica internacional do governo, que ele chamou de “uma política externa para a classe média”. O primeiro pilar é uma “estratégia industrial americana moderna” que visa catalisar os investimentos privados em setores tidos como fundamentais para a prosperidade e segurança dos EUA. O segundo envolve trabalhar com outras democracias desenvolvidas e países em desenvolvimento para assegurar que os aliados dos EUA adotarão políticas parecidas para melhorar “a capacidade, resiliência e inclusão”.

No terceiro pilar, os EUA se afastarão dos acordos comerciais tradicionais para se concentrar no acesso ao mercado e abraçar “novas parcerias econômicas internacionais” que abordem desafios globais como as mudanças climáticas, a segurança digital, a criação de empregos e a concorrência tributária corporativa. E os EUA tentarão gerar trilhões de dólares em investimentos em economias emergentes e fornecer ajuda a países que enfrentam problemas de endividamento.

Embora cada uma dessas áreas apresente desafios únicos, algumas são particularmente controversas, uma vez que outros países veem como protecionistas algumas políticas, como os requisitos “Buy American” do governo. Mas o quinto pilar de Sullivan, que se concentra em “proteger nossas tecnologias fundamentais”, poderá ter o maior impacto sobre o futuro da economia mundial.

Os amplos controles às exportações do governo Biden, elaborados para evitar que a China tenha acesso a semicondutores avançados, são a manifestação mais explícita desse pilar. E o governo estaria planejando restrições adicionais a investimentos dos EUA em empresas de tecnologia chinesas, especialmente em setores estrategicamente importantes como o de microchips.

O discurso de Yellen no fim de abril, antecipou a mensagem passada por Sullivan uma semana depois. Os controles às exportações, afirmou ela, destinam-se a atender às preocupações de segurança nacional e permanecerão com “alcance restrito e direcionado”. Os EUA, enfatizou ela, não estão tentando minar o crescimento econômico da China e sua modernização tecnológica.

Os esclarecimentos oferecidos por Sullivan e Yellen indicam que o governo entende os riscos de impor restrições excessivamente amplas ao comércio e aos investimentos em nome da segurança nacional. Essas medidas afetariam a economia mundial e provavelmente sairiam pela culatra, levando a China a retaliar.

Uma ordem global estável se baseia em normas e práticas que reconhecem o direito de cada país proteger seus interesses nacionais. Ela também exige regras para assegurar que a defesa desses interesses será bem calibrada e não prejudicará outros países. Conseguir isso pode ser difícil, mas não é impossível.

Quando os governos perseguem objetivos de segurança nacional via políticas unilaterais que afetam negativamente outros países, as autoridades deveriam articular claramente seus objetivos, mantendo linhas abertas de comunicação e propondo remédios bem direcionados com o objetivo de amenizar os efeitos adversos dessas políticas.

As políticas não devem ser perseguidas com o propósito declarado de punir o outro lado ou enfraquecê-lo no longo prazo, e a incapacidade de alcançar um compromisso aceitável em uma área não deveria se tornar um pretexto para uma retaliação em um campo não relacionado. Como Stephen Walt e eu argumentamos, esses limites autoimpostos sobre políticas aceitáveis podem ajudar a evitar uma escalada e até mesmo produzir uma aceitação relutante do outro lado.

As declarações recentes de Yellen e Sullivan sugerem que as políticas econômicas externas do governo Biden irão se alinhar a esses princípios. Mas algumas questões importantes permanecem sem resposta. Por exemplo, os controles às exportações de chips avançados foram bem calibrados, ou foram longe demais ao sabotar a capacidade tecnológica chinesa sem beneficiar suficientemente a segurança nacional dos EUA? E como as restrições estão sendo ampliadas para outros setores importantes, como o de Inteligência Artificial e o de fusão nuclear, ainda poderemos descrevê-las como visando uma “fatia estreita” da tecnologia?

Além disso, não está claro se as chamadas preocupações de segurança nacional “diretas” citadas por Sullivan e Yellen são genuínas, ou simplesmente um pretexto para ações unilaterais. Estarão os EUA prontos para aceitar uma ordem mundial multipolar na qual a China terá o poder de moldar a criação de regras regionais e globais? Ou o governo continua comprometido em manter a primazia dos EUA, conforme a estratégia de segurança nacional de Biden parece sugerir?

As ações são mais eloquentes do que as palavras e revelarão as respostas. Mas as declarações de Yellen e Sullivan fornecem alguma segurança àqueles que acreditam que os EUA podem abordar suas legítimas preocupações com a segurança nacional sem prejudicar a economia mundial. (Tradução de Mário Zamarian)

*Dani Rodrik é professor de Economia Política Internacional da Harvard. 

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