Valor Econômico
Histórico acadêmico e indicação pouco usual
do atual secretário-executivo da Fazenda são principais inquietações
O balão de ensaio sobre uma eventual
indicação do secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Gabriel Galípolo,
para a presidência do Banco Central ganhou força na semana passada - e
disseminou preocupações entre economistas e operadores do mercado financeiro.
São dois aspectos que causam inquietação, segundo fontes ouvidas pelo Valor. Primeiro, a ideia pouco usual de indicá-lo para, primeiro, ocupar uma diretoria colegiada no Banco Central e, depois, ser alçado ao comando, substituindo Roberto Campos Neto. Também causa aflição o seu histórico acadêmico. Ele assina, por exemplo, com o economista André Lara Resende, um texto com propostas na linha da Nova Teoria Monetária (conhecida pela sigla em inglês, MMT). Há apenas dois anos, defendia em “lives” uma política econômica não ortodoxa.
A eventual nomeação de Galípolo como
diretor do Banco Central poderia minar tanto a presidência de Campos Neto como
a sua própria aspiração de ocupar o cargo mais tarde. Pelo que foi vazado por
fontes oficiais, o governo petista, que quer uma baixa imediata dos juros,
comeria o Banco Central pelas bordas. Nomearia os dois primeiros membros
pró-juros baixos agora e outros dois no fim do ano, quando abrem outras vagas.
Não seria a maioria no Comitê de Política Monetária (Copom) do BC, que tem nove
membros, mas chegaria bem próximo disso - e poderia alterar o equilíbrio de
forças em algumas reuniões. No fim de 2024, termina o mandato de Campos Neto, e
o governo petista teria o controle do BC.
Galípolo já tem se movimentado nos
bastidores para ganhar terreno no Banco Central. Quatro dos nomes mais fortes
considerados para ocupar uma das vagas no Copom abertas em fevereiro têm
ligações próximas com ele.
Um operador do mercado financeiro pontua
que Galípolo se sentaria na cadeira com um potencial conflito de interesses:
agradar o presidente Lula para assegurar a indicação para o comando do BC. Mas,
por outro lado, ele teria que ser sabatinado e aprovado pelo Senado duas vezes,
uma vez como diretor e outra como presidente. Ou seja, teria que andar numa
linha fina para agradar o governo petista sem perder viabilidade no Senado.
A principal preocupação ouvida pelo Valor no mercado é que
suas ideias econômicas, pelo que tudo indica, são bem diferentes do paradigma
em que opera a política monetária, não só no Brasil, mas também nas economias
avançadas.
Desde que entrou no governo, Galípolo tem
sido moderado nas críticas ao Banco Central. Ele reconheceu, por exemplo, o
direito do presidente Lula de fazer cobranças sobre a política monetária. Mas,
por outro lado, tem destacado que, no fim, essa é uma decisão na alçada dos membros
do Copom, um gesto de respeito à autonomia do órgão. Caberia à area econômica
criar condições, na política fiscal, para o BC cortar os juros. Nos seus
pronunciamentos, ele tem sido sutil ao ponto de não fazer uma ligação direta e
mecânica entre a política fiscal e monetária. Numa live do UOL, por exemplo,
destacou um canal em que a política fiscal influencia a monetária: os preços de
ativos, como o dólar e a curva de juros.
Os pronunciamentos mais recentes parecem,
em muitos aspectos, os de um banqueiro central, embora ele não seja reconhecido
com quem tem as qualificações para ser um deles, como conhecimento teórico e
prático de política monetária ou sobre o funcionamento do mercado. Mas não
seria o primeiro - Henrique Meirelles, que antes de assumir o BC era um
banqueiro, supriu as lacunas cercando-se de técnicos competentes nessas áreas.
O que preocupa é o que ele disse e escreveu
num passado não tão distante. Em 2021, no podcast “Direito e Economia”,
Galípolo faz uma crítica bem elaborada da ortodoxia econômica. Vale ouvi-lo na
íntegra para entender, sem recortes, um pouco da formação intelectual do
candidato a presidente do BC.
Ele faz sérias restrições ao tratamento da
economia como uma ciência natural e, discorre, por exemplo, sobre os modelos de
projeção econômica - que são ponto de partida para qualquer análise feita pelo
Copom e pelos BCs modernos. “Os modelos econômicos são úteis como uma
contabilidade do passado”, disse. “Por isso há tantos vexames nas projeções.”
Os ortodoxos, em geral, também reconhecem
as limitações dos modelos. Os BCs tomam decisões com uma boa dose de
julgamento. E não há essa visão ingênua de que economia é uma ciência natural.
Mas, ao fazer terra arrasada das ferramentas analíticas usadas pelos BCs,
Galípolo dissemina receios de que possa se inclinar a fórmulas não ortodoxas
rejeitadas pelo mercado financeiro.
Há menos de um ano, seu nome apareceu na
equipe de especialistas do Núcleo Economia Econômica do Cebri que fez o
documento “Diretrizes de Políticas Públicas para 2023”, coordenado por Lara
Resende. Um dos capítulos desse trabalho defende, basicamente, a adoção de uma
política monetária na linha do MMT e do controle da curva de juros futuros. Se
fosse levado adiante, significaria abandonar o regime de metas de inflação para
adotar uma linha monetária alternativa. Não se sabe, ao certo, o quanto
Galípolo compartilha das propostas descritas no documento, que foi feito a
muitas mãos - embora não possa negar a co-autoria de um documento que assinou.
O Valor procurou
o secretário, mas não teve resposta.
Nenhum comentário:
Postar um comentário