O Estado de S. Paulo
Diante das manifestações do presidente da República, o que pode bem significar esta nova reinserção internacional do País?
A tão propalada reinserção do Brasil no
mundo, liderada pelo novo presidente da República, está se revelando uma nave
sem rumo, cuja única bússola consiste num regresso a ultrapassadas ideias de
esquerda. O ranço fica tão evidente que o próprio presidente fica dizendo e se
desdizendo o tempo todo, numa mistura de desconhecimento do mundo, talvez de
má-fé, sob a ótica de uma espécie de anti-imperialismo. Isso o leva a alianças
as mais esdrúxulas, como o alinhamento à China comunista, ao imperialismo
regional russo, de extrema direita, mas recuperando o passado stalinista e
czarista. Aliás, como dizia Hannah Arendt, os totalitarismos desconhecem as
distinções de esquerda e direita, compartilhando determinações essenciais. Isso
sem falar em suas afinidades eletivas com Venezuela, Cuba e Nicarágua.
Manifesta-se, assim, o mesmo desprezo pelos valores da democracia e da
liberdade.
A reinserção seria especialmente bem-vinda, considerando o desprezo da política bolsonarista pelo meio ambiente influenciando negativamente a imagem brasileira no mundo. Surgiu uma espécie de aliança contra o País, como se tivéssemos nos tornado responsáveis por todos os males ambientais do Planeta, quando sabemos que boa parte dessas críticas provinha de países rivais do agronegócio brasileiro. Em todo caso, a percepção americana e europeia era essa. Acrescente-se a canhestra tentativa de golpe do dia 8 de janeiro, para dar a Lula todo um verniz de simpatia e, mesmo, de democrata. Ora, é todo esse capital que Lula e sua política externa estão rapidamente pondo a perder.
Um Estado, para afirmar-se no mundo,
precisa defender seus próprios interesses, mormente comerciais, conforme uma
visão geopolítica que o insira como um ator diplomaticamente respeitável. Não
pode alinhar-se politicamente a outros países se isso vier a lhe criar um
prejuízo qualquer. Eis por que necessita de um corpo diplomático preparado e de
Forças Armadas que mostrem aos outros a sua capacidade de mobilização e de
dissuasão. Isso significa que deve negociar com qualquer país,
independentemente de suas respectivas posições ideológicas. Ou seja, deve
negociar com EUA, China, Europa, África, países asiáticos e do Oriente Médio,
para além da vizinhança latino-americana, sem nenhum tipo de preconceito. Daí
não se segue, porém, que deva seguir a geopolítica chinesa ou russa, por
exemplo, ou privilegiar os hermanos latino-americanos por serem de esquerda.
A equalização estabelecida pelo presidente
Lula entre a Rússia e a Ucrânia como igualmente responsáveis pela guerra é
estarrecedora. O invasor e o invadido são tidos por iguais, numa justificativa
inqualificável da invasão russa. Termina ele, assim, tomando para si a
ideologia da Grande Rússia, como se esse país estivesse apenas recuperando uma
província sua, subsequente ao desmoronamento da União Soviética. Tal política é
de subserviência dos ucranianos, que deveriam estar subordinados ao seu
vizinho, supostamente seu mentor e protetor. A ideologia russa, tão bem
esboçada por Alexander Dugin, é um prolongamento, em diferentes matizes e
nuances, das que guiaram o império dos czares e dos comunistas, com
proeminência dada a Stalin. Não foi a Crimeia o motivo da guerra, quando mais
não seja por estar já ocupada. Tampouco um pleito de ingresso da Ucrânia na
Otan, naquele então não aceito por boa parte dos países europeus, em especial
pela Alemanha. Não era uma questão de horizonte imediato, longe disso.
Agora, que Lula se posicione como mediador,
defendendo – pasmem – que os países europeus não vendam armas à Ucrânia, para
não incentivar a guerra, é um evidente despropósito, pois significaria
simplesmente a rendição total desse país. A Rússia certamente ficou muito
satisfeita com tal proposta. Chegou a enviar ao Brasil o seu ministro de
Relações Exteriores!
Outra pérola geopolítica foi sua declaração
de que a ONU, tendo criado o Estado de Israel, deveria fazer o mesmo em relação
ao Estado palestino. Ignorância ou má-fé?
Em 1947, a ONU votou pela partilha da
Palestina, então sob mandato britânico. A partilha significava a coexistência
de dois Estados. A propósito, o outorgado ao Estado judeu foi uma parte menor
do que a aspiração dos seus fundadores. O que aconteceu? Foram os árabes – não
havia na época a denominação de palestinos – que não aceitaram criar o seu o
seu próprio Estado, optando por uma guerra de extermínio do jovem Estado
hebreu. Israel criou o seu próprio Estado em 1948, tendo resistido à união dos
Estados árabes vizinhos que simplesmente visavam ao seu extermínio. O mufti de
Jerusalém, inclusive, apregoava, em seus discursos e conclamações, a destruição
pura de simples dos judeus, que deveriam ser jogados ao mar. Já se tinha
destacado na guerra por seu antissemitismo, tendo vivido em Berlim, apoiado e
financiado por Hitler e como amigo de Himmler. Chegou a visitar Auschwitz a
convite de Eichmann.
Logo, o que pode bem significar esta nova
reinserção internacional do Brasil?
*É professor de filosofia na Ufrgs
Um comentário:
Carácoles!
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