Folha de S. Paulo
Se projeto de lei não definir o que é fake
news e regulador, corremos o risco de construir nossa própria prisão
Há milênios filósofos se debatem sobre quem
pode dizer o quê, onde e como. De Aristóteles a Sartre, passando por Espinosa e
Rousseau, foram muitos os que falaram sobre a liberdade de expressão.
Mas parece que a questão é simples para o
Parlamento brasileiro, e a regulação do tema poderia ser decidida de supetão —o
chamado PL das Fake News data de 2020, mas cerca de 40% de suas disposições
foram acrescentadas há pouco tempo. Decisão perigosa para tratar de um dos
pilares da democracia moderna.
No geral, países não autoritários baseiam-se no famoso "princípio do dano" (harm principle) de John Stuart Milll: tudo pode ser dito, contanto que o dito não faça mal a alguém.
Fazer mal é muito amplo, então o filósofo restringe o dano à invasão de direitos. Direitos objetivos, diga-se. Apenas sentir-se incomodado muitas vezes não é suficiente —afinal, o mal-estar é intrínseco à civilização, já dizia Sigmund Freud.
Mill nos fornece um exemplo que já se
tornou um clássico. Publicar um artigo de jornal que impute a fome dos pobres à
ganância dos comerciantes de milho é válido. Outros artigos que desmontem tal
afirmação podem ser publicados e, assim, a sociedade se aproxima da verdade.
Já bradar a acusação na frente da casa de
um comerciante de milho durante protesto popular não é aceitável, dado o risco
de violência ou do impedimento do direito de ir e vir.
Mas não estamos no século 19. Mill não viu
as redes sociais, que alteraram as noções de tempo, espaço e o raio de ação
daquilo que falamos.
Logo, é importante criar regulações que se
adaptem a esse novo cenário comunicacional, mas isso não deveria ser feito com
uma urgência fantasiosa que mascara potenciais descalabros. Entre eles, a
censura.
Sem estipular claramente o que é fake news ou discurso de ódio ou,
principalmente, que instituição será a responsável por fiscalizar e punir
infrações, corremos o risco de construir nossa própria prisão. Não à toa, os
próprios deputados querem ficar imunes aos efeitos da lei.
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