quarta-feira, 5 de julho de 2023

Tiago Cavalcanti* - Heterogeneidade dos juros bancários

Valor Econômico

Indivíduos com menor renda pagam taxas de juros mais elevadas, independentemente da classificação de risco do cliente

No artigo publicado no mês anterior neste Valor Econômico, abordei a temática da expansão e simplificação da portabilidade dos serviços bancários como um meio de estimular a competição entre instituições financeiras e, consequentemente, de contribuir para a redução dos altos custos de crédito no país. Neste novo artigo, exploro com mais detalhe o mercado de crédito pessoal no Brasil.

Realizei o estudo “Consumer Loans, Heterogeneous Interest Rates, and Inequality”, em colaboração com Marco Bonomo (Insper), Fernando Chertman (Banco Central), Amanda Fantinatti (FGV-SP), Andrew Hannon (Universidade de Cambridge) e Cézar Santos (IDB). Foi utilizada uma amostra representativa de 1,36 milhão de pessoas no Brasil, que contrataram diversos tipos de empréstimos bancários no período entre 2013 e 2019. Os dados para nossa análise foram obtidos do excelente Sistema de Informações de Crédito (SCR) do Banco Central do Brasil.

Neste estudo, focamos em duas modalidades de empréstimos que, em conjunto, representam 50% dos empréstimos de recursos livres concedidos a pessoas físicas. Essas modalidades são: o crédito pessoal não consignado, o qual, para simplificação, chamamos de crédito pessoal, e o crédito pessoal consignado, ao qual denominamos crédito consignado. O crédito pessoal está disponível para todos os indivíduos, enquanto o crédito consignado é uma modalidade na qual as parcelas são descontadas diretamente da folha de pagamento ou benefício previdenciário do contratante. A maioria dos tomadores de crédito consignado é composta por aposentados e funcionários públicos.

Durante o período analisado, constatamos que as taxas médias de juros nas operações de crédito pessoal apresentaram um patamar cinco vezes mais elevado em relação ao crédito consignado. Enquanto o crédito pessoal registrou uma taxa média de 140% ao ano, o crédito consignado apresentou uma taxa média de 28% ao ano. Além disso, observamos uma significativa disparidade na variabilidade das taxas de juros entre as duas modalidades. Medida pelo desvio padrão, a variabilidade no crédito pessoal foi 17 vezes maior do que no crédito consignado. Quanto aos empréstimos em atraso há mais de 90 dias, os dados revelaram que a taxa de inadimplência no crédito pessoal é três vezes superior (6%) em comparação ao crédito consignado (2%).

Essas discrepâncias podem ser explicadas pelo fato de que o crédito consignado possui uma garantia mais robusta para os bancos, uma vez que os pagamentos são descontados diretamente do salário dos trabalhadores ou dos benefícios de aposentadoria.

Por meio de análises de regressão multivariada, demonstramos que as taxas de juros nas duas modalidades de crédito variam consideravelmente de acordo com a renda das pessoas. Mesmo levando em consideração variáveis de controle relacionadas aos empréstimos, como prazo e valor, assim como atributos individuais dos consumidores, como idade, gênero, raça, ocupação e educação financeira, além do score de crédito ou probabilidade de inadimplência, constatamos que os indivíduos de baixa renda são confrontados com taxas de juros significativamente mais altas em comparação com os indivíduos de alta renda.

Pode-se argumentar que essa relação inversa entre as taxas de juros dos empréstimos e a renda dos indivíduos decorre de um maior risco associado aos indivíduos de baixa renda. No entanto, nossos resultados revelam que, mesmo ao considerar regressões que se concentram em um mesmo score de crédito, os indivíduos com menor renda pagam taxas de juros mais elevadas, independentemente da classificação de risco do cliente. Isso indica que a disparidade nas taxas de juros não pode ser atribuída exclusivamente a diferenças no perfil de risco dos indivíduos.

Com o objetivo de estimar uma taxa de juros de mercado livre de risco para empréstimos no Brasil, utilizamos uma abordagem em que descontamos a probabilidade esperada de inadimplência da taxa de juros de captação dos bancos, assumindo que a taxa de recuperação do crédito inadimplido é nula. Em seguida, subtraímos essa taxa livre de risco da taxa de juros contratada, o que chamamos de “cunha de juros”.

A cunha de juros para as duas modalidades de crédito e por faixas de renda são mostradas no gráfico. Para indivíduos que recebem entre 1 e 2 salários mínimos, observamos que a cunha de juros do crédito pessoal é de 93 pontos percentuais, enquanto que para as pessoas que ganham mais de 20 salários mínimos esta cunha de juros é de 56 pontos percentuais - ou 60% menor. No caso do crédito consignado, a cunha é de cerca de 20 pontos percentuais para indivíduos que ganham entre 1 e 2 salários mínimos, e de 17 pontos percentuais para aqueles que ganham mais de 20 salários mínimos.

Compreendemos que existem diversos motivos para as disparidades nas taxas de juros entre diferentes faixas de renda, que vão além do escopo do nosso estudo. No entanto, é fundamental debater as causas e os efeitos dessa heterogeneidade no cenário brasileiro, dada a nossa alta desigualdade social. Nossa pesquisa revela impactos significativos no consumo e bem-estar, especialmente para as famílias mais pobres, decorrentes de iniciativas que efetivamente e sustentavelmente reduzam o custo dos empréstimos pessoais no país.

*Tiago Cavalcanti é professor titular de Economia da Universidade de Cambridge e da FGV-SP

 

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