O Estado de S. Paulo
Presidente não tem mais o conforto de ver
Bolsonaro no seu retrovisor e será julgado pelo que faz
O cientista político Francisco Weffort
dizia que a democracia era o seu sonho, a sua ilusão, mas que ela tinha algo de
realidade. “Não é pura loucura da minha parte.” O Brasil vivia os anos de Jair
Bolsonaro na Presidência. Weffort, que ajudara a fundar o PT e depois se
distanciara do partido, via na democracia uma espécie de destino. Mas sabia que
ela era frágil. “Moralistas políticos têm tratado disso. O problema não é quem
faz o mal, mas a preguiça de quem faz o bem e não se mexe.”
Luiz Inácio Lula da Silva devia ler a obra do ex-companheiro. E prestar atenção no espírito do tempo. Ele muda. E, às vezes, na velocidade com que um expresidente é condenado por uma Corte de Justiça. Na semana passada, foi a vez de Bolsonaro, o homem que acusavam de conspirar contra a democracia. O político que ia dar um jeito no STF, que tinha muita saliva – mas se revelou sem pólvora – tornou-se inelegível. E, assim, o fantasma que rondava o Planalto já não assusta mais.
Lula, que deixou o cárcere após a
reviravolta de seu caso no Supremo, era, para muitos personagens da República,
a opção viável para conter o capitão que contaminara as Forças Armadas de tal
forma que o País chegou a assistir a um desfile de carros de combate no dia da
rejeição da PEC do voto impresso. Até agora, muitos não indagavam quais seriam
os arcana imperii de Lula ou quem seria seu coronel Cid. Com Bolsonaro
condenado pelo TSE, isso mudou.
Quando comparou o ditador Daniel Ortega a
Angela Merkel, em 2021, Lula passou vergonha, mas não despertou as mesmas
reações públicas de repúdio como agora, ao dizer que o conceito de democracia
era relativo, ao tratar da Venezuela.
Exemplo disso foi a manifestação do
ministro do STF Gilmar Mendes, figura importante na reviravolta da vida de
Lula. Gilmar mantivera o silêncio em sua conta no Twitter não só sobre o
episódio de 2021, mas também quando o petista equiparara o papel da Ucrânia ao
da Rússia no conflito europeu, igualando a vítima ao seu agressor.
Já no dia 2, após Lula negar à democracia o
valor universal, que faz dela um fundamento ético da ação na esfera pública, o
ministro reagiu: “A Constituição de 1988 exige que não sejamos tolerantes com
aqueles que pregam a sua destruição; e também demanda que não seja tripudiada a
memória daqueles que morreram lutando pela democracia de hoje”.
Em tempos de democracia vigilante – como
defendia Weffort – e militante, Lula deve estar atento à manifestação de
Gilmar. Ela tem muitos significados. E um deles é este: o petista será julgado,
a partir de agora, pelo que fala e faz. Não tem mais o conforto de ver
Bolsonaro no retrovisor: seu HC foi cassado.
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