quarta-feira, 5 de julho de 2023

Paul Krugman* - Biden pode mudar a narrativa econômica?

Folha de S. Paulo

Os números melhoraram muito. Os eleitores vão dar crédito a ele?

Na década de 1970, Arthur Okun, um economista que havia sido consultor de políticas do presidente Lyndon Johnson, sugeriu uma maneira rápida e suja de avaliar a situação econômica do país: o "índice de miséria", a soma da inflação com o desemprego. Foi e é uma medida grosseira, facilmente criticada.

O dano econômico mensurável do desemprego, por exemplo, é muito maior que o da inflação. Esse índice, no entanto, fez historicamente um bom serviço para se prever o sentimento econômico geral.

Vale a pena notar que o índice de miséria –que disparou junto com a inflação durante 2021 e no primeiro semestre de 2022– caiu no ano passado. Agora está de volta ao nível de quando o presidente Joe Biden tomou posse.

Essa reviravolta notável levanta várias perguntas. A primeira: é real? (Sim.) A segunda: os americanos comuns notarão? (Eles já o fizeram.) A terceira: eles darão crédito a Biden? (Isso está muito menos claro.)

A queda do índice de miséria reflete tanto o que não aconteceu quanto o que aconteceu. O que não aconteceu, apesar de uma série de alertas terríveis na mídia, foi uma recessão. A economia dos Estados Unidos criou 4 milhões de empregos no ano passado, e a taxa de desemprego permaneceu perto do nível mais baixo em 50 anos.

O que aconteceu foi um rápido declínio da inflação. Mas esse declínio é sustentável? Você pode ter visto reportagens apontando que o núcleo da inflação, que exclui os preços voláteis de alimentos e energia, tem sido "pegajoso", sugerindo que a melhora na frente da inflação será apenas um fenômeno temporário.

Mas quase todo economista que presta atenção aos dados sabe que a medida tradicional do núcleo da inflação apodreceu, porque está sendo impulsionada em grande parte pelos efeitos tardios de um aumento dos aluguéis que terminou em meados de 2022. Esse aumento, aliás, foi provavelmente causado pelo aumento do trabalho remoto desencadeado pela pandemia de Covid-19, e não por qualquer política do governo Biden.

Medidas alternativas do núcleo da inflação que excluem a habitação em geral mostram um claro padrão de desinflação; a inflação ainda está mais alta do que antes da pandemia, mas caiu muito. Se você realmente pensar sobre isso, ainda é possível ser pessimista sobre as perspectivas de inflação, mas está ficando cada vez mais difícil. As boas notícias sobre a inflação e sobre a economia como um todo parecem reais.

Mas as pessoas estão percebendo essa melhora? As medidas tradicionais de sentimento econômico tornaram-se problemáticas nos últimos anos: pergunte às pessoas como está a economia, e a resposta é fortemente afetada tanto pelo partidarismo quanto, acredito, pelas narrativas veiculadas pela mídia. Ou seja, o que as pessoas dizem sobre a economia é, com muita frequência, o que elas acham que devem dizer.

Se você fizer, contudo, perguntas mais específicas aos americanos, como se agora é um bom momento para encontrar um emprego de qualidade, eles normalmente dirão que sim. Ao mesmo tempo, suas expectativas sobre a inflação futura diminuíram substancialmente.

E se você examinar um novo indicador –quais informações as pessoas estão procurando na internet–, descobrirá que as buscas por "inflação" e "recessão" dispararam em 2021-22 junto com o índice de miséria, mas caíram no último ano.

Por fim, como sempre, é importante observar o que as pessoas fazem e também o que dizem. Fortes gastos do consumidor, níveis recordes de viagens aéreas e muitos outros indicadores sugerem que os americanos estão se sentindo muito bem com suas circunstâncias econômicas.

Mas Biden receberá crédito? As pesquisas sugerem que os eleitores ainda estão dando notas muito baixas a ele por sua condução da economia, apesar da queda no índice de miséria.

Alguns analistas argumentaram que essa visão preconceituosa reflete uma incapacidade dos salários de acompanhar a inflação. Mas isso também foi verdade durante a maior parte dos anos do ex-presidente Ronald Reagan e, de qualquer modo, os salários reais têm subido ultimamente.

Resta questionar se as opiniões dos eleitores sobre a economia de Biden acabarão refletindo as boas notícias? Ou o choque inflacionário de 2021-22 estabeleceu uma narrativa de Biden como um péssimo gestor econômico que se tornou profundamente arraigada –tanto na consciência pública quanto na mídia– para ser desalojada mesmo quando a economia melhora rapidamente?

O próprio Biden está se esforçando para mudar essa narrativa, apontando tanto para a melhora dos dados quanto para o aumento notável do investimento em manufatura. Mas não faço ideia se ele terá sucesso. Um precedente encorajador para Biden: Ronald Reagan ainda tinha uma aprovação bastante baixa em meados de 1983, mas teve uma vitória esmagadora em 1984 com a força da recuperação da economia. Biden ainda pode mudar a narrativa de sua política econômica.

Mesmo que ele não consiga, talvez isso não importe. A inflação alta deveria ter garantido uma enorme onda republicana nas eleições de meio de mandato. Em vez disso, os democratas se saíram surpreendentemente bem, provavelmente porque o aborto e outras questões sociais desempenharam um papel maior que a economia. Essas questões sociais não estão desaparecendo, enquanto a inflação alta está. Indiscutivelmente, Biden não precisa convencer os americanos de que suas políticas econômicas foram altamente bem-sucedidas; ele só precisa argumentar que a economia não está indo tão mal.

E não está. Na verdade, pela maioria das medidas, a economia está indo muito bem.(Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves)

*Prêmio Nobel de Economia, colunista do jornal The New York Times.

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