quarta-feira, 5 de julho de 2023

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Venezuela e China provocam divisão na Cúpula do Mercosul

Valor Econômico

Se o Brasil pretende unir o Mercosul e não aprofundar desavenças, o melhor é arranjar a entrada em vigor do acordo com a União Europeia

A volta do Brasil à Presidência rotativa do Mercosul marca também um retorno ao passado, com a tentativa do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de incorporar novamente a Venezuela ao bloco. Não são apenas velhas questões que desafiam os quatro países. O Uruguai parece ter entrado na fase de ultimato para que se faça um acordo conjunto com a China, cuja negativa levará o país a negociá-lo separadamente, segundo declarou claramente o presidente uruguaio, Lacalle Pou.

“Quando vemos que não avançamos juntos, entendemos a visão de cada um de vocês. A nossa é que façamos juntos. Se não podemos fazer assim, vamos fazer bilateralmente”, disse Pou ontem, no último dia da 62ª Cúpula do Mercosul, em Puerto Iguazú (Argentina). O presidente do Uruguai, pela quarta vez, deixou de assinar o documento conjunto da reunião, defendeu mais uma vez a flexibilização das regras do Mercosul e criticou o “isolamento” do bloco, com a falta de acordos comerciais relevantes - uma constatação irretorquível.

Após quase três décadas negociando um acordo com a União Europeia, assinado em junho de 2019, houve um curto circuito provocado por uma “side letter” dos europeus que procurava forçar o governo do então presidente Jair Bolsonaro a interromper a devastação ambiental generalizada na Amazônia. Não se conhece o teor da carta, mas o Planalto aponta que há sanções previstas pelo descumprimento de metas ambientais, algo que nem o Acordo de Paris estabeleceu.

O presidente Lula e o presidente da Argentina, Alberto Fernández, aproveitaram o pretexto para tentar reabrir o acordo, um passo temerário. Ontem, na cúpula, Lula voltou a criticar a carta, considerou-a “inaceitável” e merecedora de uma resposta “contundente”, termos que não são próprios de linguagem diplomática. O coro foi engrossado por Fernández, que afirmou que o Mercosul foi quem mais cedeu nas negociações e acusou: “É lá na Europa que estão as atitudes protecionistas”.

De protecionismo Lula e Fernández entendem. O Brasil é um dos países mais fechados ao comércio do mundo e a Argentina restringe até mesmo as importações dentro do que deveria ser uma zona de livre comércio, a ponto de, ao impedir e retardar administrativamente a entrada de mercadorias brasileiras, a China ter se tornado o maior exportador para o país. A proteção às compras governamentais para as empresas brasileiras, que seria a única maneira de o país proteger as pequenas e médias empresas, argumento governista, pode ser amenizada e estimular a concorrência e a competitividade nacional. É possível, como já foi feito, estipular margens percentuais de preferência de preços, a partir das quais todos os fornecedores estariam em pé de igualdade.

Lula, ao tentar reintegrar a Venezuela, pode ampliar as fissuras do Mercosul. Lacalle Pou e o presidente paraguaio, Mario Abdo Martínez, protestaram contra a Venezuela, afastada do bloco por não respeitar a cláusula democrática. Os dois presidentes mencionaram o último feito da ditadura de Nicolás Maduro, a impugnar, após “investigação patrimonial”, a candidatura da deputada María Corina Machado, opositora com maiores chances de enfrentar Maduro nas urnas. Ela foi proibida de ocupar cargos públicos por 15 anos. Antes, Henrique Capriles e Juan Guaidó, populares membros da oposição, já haviam sido alijados da disputa.

Alberto Fernández minimiza as iniciativas antidemocráticas de Maduro, ao apontar que as sanções à Venezuela são responsáveis pelo descalabro econômico do país, um dos maiores da história em tempos de paz. A defesa de Maduro por Lula é mais entusiasmada. Depois de atribuir um “conceito relativo” à democracia e estender um tapete vermelho ao presidente venezuelano em Brasília, Lula condenou a tentativa de “isolamento” de Caracas. “Precisamos conversar com todo mundo”, disse ontem. Todos os governos petistas dialogaram muito com Hugo Chávez e Nicolás Maduro e não os impediram de empurrar a Venezuela para um precipício econômico e uma autocracia - conversa fiada pura e cínica.

A Argentina pode vir a endossar as censuras do Uruguai e Paraguai à falta de democracia na Venezuela em breve. Desunidos em meio a nova e grave crise econômica, os peronistas podem perder a eleição presidencial em outubro. Nem Alberto nem Cristina Fernández irão concorrer e depositaram suas chances em Sergio Massa, o ministro da Economia, que se debate com aguda falta de reservas e uma inflação que ultrapassou 114%. Fernández, na cúpula, disse que seu país foi afetado “pela calamidade de uma dívida irresponsavelmente pedida pelo governo argentino e irresponsavelmente outorgada pelo FMI”. A Argentina está pedindo a antecipação dos desembolsos do programa com o Fundo, única fonte de recursos que mantém o país à tona.

Se o Brasil no comando do bloco pretende uni-lo, e não aprofundar desavenças, a melhor coisa a fazer é arranjar da melhor forma possível a entrada em vigor do acordo com a União Europeia e envidar esforços para que a Venezuela cumpra a cláusula democrática do Mercosul e realize eleições livres de fato, e não o simulacro que tem se repetido tristemente ao longo dos anos.

Acordo para votar reforma tributária deve ser encorajado

O Globo

Concessões a estados e exceções no texto podem ser preço a pagar pela modernização dos impostos no Brasil

É um alento que a reforma tributária, tema que desafia o Brasil há décadas, tenha enfim chance de avançar no Congresso. É desejável haver acordo nas negociações para votar na Câmara, nos próximos dias, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 45, relatada pelo deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB). Não que o resultado vá ser perfeito. Certamente não será o ideal. Mas porque, uma vez aprovada, a PEC representará uma transformação essencial no sistema brasileiro de impostos, o mais opaco, complexo e custoso do mundo. A própria PEC abre caminho a correções futuras de rumo, por meio de nova legislação prevista.

Qualquer discussão sobre a reforma não pode esquecer o fundamental: ela extingue as duas principais distorções tributárias que drenam produtividade da economia brasileira. Primeira: a cobrança de impostos em cascata. Ninguém paga apenas a alíquota declarada nas notas fiscais. Há tributos embutidos jamais explícitos. Os dois novos impostos criados pela reforma — o federal CBS e o estadual/municipal IBS — ficarão fora da base de cálculo em todas as transações, seguindo o modelo consagrado de Imposto sobre Valor Adicionado. Isso permitirá aos empresários abater o que já foi pago do que ainda deve ser (fim da cobrança em cascata) e deixará evidente ao cidadão quanto imposto sai de seu bolso.

A segunda distorção é o recolhimento de impostos no estado de origem dos produtos e serviços, e não no destino, onde o consumo ocorre — daí deriva a guerra fiscal, com estados oferecendo isenções e alíquotas mais atraentes a quem neles produzir. Com a cobrança no destino e a unificação das alíquotas, essa distorção desaparecerá, havendo ganho de eficiência para a economia.

O que historicamente travou toda tentativa de reforma foi a resistência de estados e municípios que vislumbram perda de arrecadação ou que desejam manter incentivos para preservar setores de sua economia. O texto de Ribeiro propõe mecanismos de compensação para tais perdas ao longo do tempo, e o debate recente tem se concentrado em torno deles. Outra queixa vem do setor de serviços, que também reivindica formas de compensar suas perdas, pois, ao contrário da indústria, não tem insumos a abater da base de cálculo. Por óbvio, qualquer acordo não pode manter uma situação que torne inviável o fim da cobrança em cascata.

A proposta de Ribeiro, oriunda de ideias do economista Bernard Appy, prevê um prazo longo para a transformação do sistema tributário brasileiro — a implantação começaria em 2026 e só estaria encerrada em 2033. Os novos impostos conviverão com os antigos, de modo a permitir calibragem das alíquotas sem afetar a carga tributária total. Obviamente todas essas balizas precisarão ser respeitadas, do contrário se perpetuará a iniquidade do sistema atual sem que o novo prevaleça.

Ribeiro abriu diversas exceções para facilitar a tramitação num Congresso repleto de lobbies. Deixou de lado programas de subsídio (Simples e Zona Franca de Manaus), reduziu a alíquota pela metade ou a zero em casos como saúde e educação, permitiu cobrança maior de produtos nocivos como álcool ou cigarro e criou regras especiais para combustíveis, serviços financeiros e seguros. Mesmo que algumas exceções possam ser justificáveis, elas não condizem com o espírito simplificador da reforma. Se, porém, forem o preço a pagar pela modernização do sistema tributário brasileiro, terá valido a pena.

Roberto Jefferson é prova da leniência do governo Bolsonaro com armamento

O Globo

Mesmo preso, ex-deputado comprou pistola, carabina e munição. Tudo legalmente. Aí recebeu a polícia a tiros

Talvez não haja exemplo mais eloquente da leniência com a compra e posse de armas no governo Jair Bolsonaro que o ex-deputado Roberto Jefferson. Bolsonarista, Jefferson demonstrou pequena parte de seu poder de fogo quando, em outubro passado, recebeu a tiros e granadas uma equipe da Polícia Federal que foi prendê-lo em casa, na cidade de Levy Gasparian, interior do Rio. Ele descumprira medidas cautelares estabelecidas no inquérito das milícias digitais, e o ministro do Supremo Alexandre de Moraes determinara que deixasse a prisão domiciliar e fosse levado de volta à cadeia. Por sorte, só uma policial se feriu com os disparos de Jefferson, sem gravidade.

O inventário do armamento dele é a prova de como os controles sobre as armas foram relaxados. Jefferson se registrou em 2005 como CAC (sigla de Colecionador, Atirador Desportivo e Caçador). Nessa condição, formalmente em prisão domiciliar, comprou em setembro de 2022 a carabina Smith & Wesson calibre 5,56, espécie de fuzil, com que atirou contra a PF. Registrou a arma também junto ao Exército, responsável pelo controle dos CACs. Mesmo tendo sido condenado a sete anos e 14 dias de prisão pelo STF no processo do mensalão do PT, em 2014, Jefferson continuou com seu registro de CAC, revalidado em fevereiro de 2021. E não foi só isso.

Em 22 de dezembro de 2021, quando ainda estava oficialmente preso no Complexo de Gericinó, sob acusação de incitação ao crime, ameaça às instituições e homofobia, Jefferson comprou uma pistola 9 mm, como atesta nota fiscal. A legislação leniente permitiu ainda que, depois de incorporar a carabina Smith & Wesson a seu arsenal, adquirisse 150 cartuchos de pistola 9 mm, em Brasília.

O absurdo de permitir a um preso comprar armas é o exemplo extremo da liberalidade que, entre 2019 e 2022, concedeu a 695.721 cidadãos o registro de CAC. Foram nada menos que 477 novos donos de armas legalizadas por dia. No último ano de governo houve uma corrida às armas: foram expedidas 46% de todas essas autorizações. De 117.467 até 2018, os CACs passaram a 813.188 no final da gestão bolsonarista, um aumento de quase 600%. Cada CAC que obteve seu registro antes do governo Lula pôde adquirir várias armas, algumas de grosso calibre.

No recadastramento realizado pela PF desde o início deste ano, foram contadas 933 mil armas legais. Boa parte delas vai parar nas mãos de criminosos. Depois do recenseamento, já foram presos mais de uma centena de suspeitos de crimes diversos que não haviam recadastrado seus armamentos. Deve haver muito mais.

Ao assumir, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva revogou os decretos armamentistas de Bolsonaro, que também foram julgados e declarados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal (STF), para que ninguém mais tente editá-los. O desafio agora é desarmar a população.

Ensino médio urgente

Folha de S. Paulo

Com resultados da consulta pública, MEC precisa dar continuidade ao novo modelo

A reforma do ensino médio foi sancionada em 2017 e, quatro anos depois, definiu-se o cronograma de implementação que previa a conclusão em 2024. No entanto, devido a críticas de professores, alunos e gestores, o Ministério da Educação suspendeu a continuidade do programa em abril deste ano.

Abriu-se consulta pública, que se encerra nesta quinta-feira (6). Na segunda (3), o Conselho Nacional dos Secretários de Educação entregou sugestões ao MEC. No geral, os gestores apoiam o novo modelo, o que é bem-vindo, e as proposições obedecem ao bom senso.

A principal alteração seria na grade curricular. Antes da reforma, os três anos do ensino médio tinham 2.400 horas de disciplinas tradicionais obrigatórias, como matemática e português, para todos os alunos.

No novo modelo, são 3.000 horas, sendo 1.800 para as tradicionais e 1.200 para os chamados itinerários formativos, com matérias de escolha dos estudantes.

O Consed pede que 300 horas dos itinerários sejam flexíveis e possam ser usadas, a partir das necessidades de cada estado, para incremento das disciplinas obrigatórias.

Os itinerários foram o principal alvo das críticas que levaram à suspensão do programa. A inovação, afirmam especialistas, é necessária para enfrentar o flagelo da evasão escolar —ao direcionar o ensino para a vida profissional a partir de interesses dos alunos. A teoria, porém, esbarrou na prática.

As redes de ensino ainda não contam com estrutura (salas, laboratórios, equipamentos) nem professores suficientes, com formação específica, para uma extensão curricular ampla e de qualidade.

Ademais, o aumento da carga horária não considerou a situação de estudantes que precisam trabalhar, o que pode contribuir para a evasão —um dos problemas que o novo modelo pretende combater.

Os secretários também sugerem uma base comum de itinerários formativos, para orientar a oferta de disciplinas optativas.

O objetivo é mitigar desigualdades. Ao diminuir o escopo das disciplinas obrigatórias, sem haver estrutura para as optativas, alunos da rede pública e de regiões mais carentes podem ser prejudicados.

Muito já foi investido na reforma e, como os próprios gestores estaduais afirmam, não faz sentido jogar esse trabalho fora.

Com sugestões da consulta pública e estudos baseados em evidências, é possível aparar arestas para a implantação consistente do modelo, pelo bem dos 7,9 milhões de jovens que atualmente cursam o ensino médio no país. Isso precisa ser feito com urgência.

O opositor Bolsonaro

Folha de S. Paulo

Ex-presidente volta ao debate público com mistificação contra reforma tributária

Derrotado por margem mínima na disputa pelo Planalto, Jair Bolsonaro (PL) seria candidato natural a líder da oposição, não estivesse mais ocupado com as questões que acabaram por torná-lo inelegível. Ao voltar agora ao debate público, o ex-presidente não exibe mais que mistificação demagógica.

Bolsonaro decidiu atacar a "reforma tributária do PT", que chamou de "soco no estômago dos mais pobres" —porque, segundo sua diatribe, "aumenta de forma absurda os impostos da cesta básica" e prevê um imposto seletivo sobre produtos prejudiciais à saúde, hoje já sobretaxados.

Essa não é a linha de argumentação de alguém que pretenda debater a sério o projeto que a Câmara dos Deputados busca votar nesta semana. Trata-se tão somente de um pretexto para fustigar o governo —infelizmente, valendo-se de um tema de interesse nacional.

A reforma não é do PT. O texto em análise tem como base proposta de emenda constitucional apresentada em 2019 pelo deputado Baleia Rossi (MDB-SP), que recebeu contribuições de diferentes especialistas e forças políticas.

Mais importante, as linhas gerais do projeto, que busca a simplificação dos tributos sobre o consumo, estão em discussão pública desde os anos 1990. Todos os governos eleitos desde então ao menos tentaram fazer a mudança avançar, inclusive o de Bolsonaro.

A tributação dos alimentos da cesta básica é de fato um aspecto controverso da reforma, que procura acabar com a infinidade de alíquotas e regimes especiais hoje existentes. A solução proposta é devolver em dinheiro o imposto pago pelas famílias mais pobres.

Pode-se talvez questionar a viabilidade da medida, contestada por supermercados, ou imaginar alternativas. Fato é que um único dispositivo não constitui motivo para se opor à reforma inteira.

Bolsonaro faz ainda alegações vagas sobre supostas perdas para estados e municípios, além de recorrer à costumeira prática da lorota deslavada ao mencionar "o fantasma da taxação do Pix".

O ex-mandatário revive a conduta dos tempos de parlamentar nanico e exótico —menos danosa, diria um otimista, que a de líder golpista. O problema é que está à frente do partido com maior número de cadeiras na Câmara, ainda que nem todos os 99 deputados do PL venham a seguir seu comando.

Lamentavelmente, suas chances de atrapalhar ou parecer que atrapalha a reforma não são pequenas, tantas são as resistências à mudança dos impostos. O debate, já complexo, agora fica mais tumultuado.

O esperneio estatizante do PT

O Estado de S. Paulo

Inconformado por perder no voto, PT apela para o Judiciário para tentar reverter a privatização da Copel e da Eletrobras, em franco desrespeito a decisões legislativas democráticas

Em mais uma tentativa de desqualificar a função legislativa, o PT ingressou com Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) no Supremo Tribunal Federal (STF) para barrar a privatização da Copel, companhia de energia do Paraná, que segue o mesmo modelo adotado para a Eletrobras. Ocorre que o processo foi aprovado pelos deputados estaduais paranaenses não apenas em um, mas em três turnos de votação, e por ampla maioria.

Mas os petistas querem agora um quarto turno, no Supremo, conforme deixou claro o deputado Arilson Chiorato (PT) ao final das sessões da Assembleia Legislativa do Paraná que legitimaram a operação do governo estadual: “A partir do ano que vem, nós vamos retomá-la (a Copel) na Justiça, pelo governo federal”, anunciou o líder da oposição depois de sacramentada a derrota no Legislativo local, em novembro do ano passado.

Fiava-se o deputado no apoio do governo de Lula da Silva, que acabara de ser eleito para o terceiro mandato. Por um instante, Lula deu a impressão de que contrariaria essa expectativa, ao pedir, pouco depois da posse, em janeiro, que os partidos da base governista deixassem de “judicializar a política”. Aos líderes aliados, o presidente disse: “A gente perde uma coisa no Congresso e, ao invés de a gente aceitar a regra do jogo democrático de que a maioria vence e a minoria cumpre aquilo que foi aprovado, a gente recorre a uma outra instância para ver se a gente consegue ganhar”. Para o Lula de então, esse “método de fazer política” faz com que o Judiciário “fique legislando no lugar do Congresso”.

O Lula de agora, contudo, nada diz sobre a judicialização da política promovida por seu partido para reverter a privatização da Eletrobras e da Copel. Na prática, quer que o Judiciário legisle em favor de sua agenda estatizante, rejeitada em votações legislativas democráticas.

Não por coincidência, a ação no caso da Copel usa argumentos semelhantes aos apresentados pela Advocacia-Geral da União (AGU) na ação de inconstitucionalidade, que tramita também no STF, questionando critérios da capitalização da Eletrobras. Ardilosamente, o governo alega não estar pedindo na Justiça a reestatização. Mas, na prática, está sim.

Como já dissemos muitas vezes neste espaço, a prática perniciosa da judicialização da política, promovida por partidos derrotados no voto, não deveria passar sequer pela triagem dos requerimentos do Supremo. Mas não é isso o que se vê. Os pedidos não somente são acatados, como decisões liminares lhes conferem a legitimidade que não têm.

Foi esse o caso, por exemplo, da Adin que o PCdoB moveu contra a Lei das Estatais (Lei 13.303/2016) para questionar os dispositivos restritivos à indicação de políticos para cargos de direção em estatais. A finalidade da lei era a de evitar o uso político dessas empresas como um cabide de emprego de aliados do poder. Malgrado não haver qualquer afronta à Constituição na lei – pelo contrário, tratava-se de reafirmação do espírito constitucional de proteção da coisa pública –, a matéria foi levada à análise do STF e obteve do ministro Ricardo Lewandowski, hoje aposentado, uma liminar suspendendo o trecho que impedia ministros de Estado e secretários estaduais e municipais de atuarem em diretorias e conselhos de administração de estatais. O julgamento da ação segue suspenso.

A marcha petista para reverter, na marra, decisões tomadas por parlamentares eleitos legítima e diretamente pela população é, acima de tudo, antidemocrática na essência. Por esse motivo o Judiciário deveria rejeitar liminarmente qualquer iniciativa dos partidos derrotados, salvo se estivermos diante de flagrante inconstitucionalidade, o que não acontece em nenhum desses casos.

No exemplo específico de Eletrobras e Copel, foram dois longos processos de discussão. A iniciativa de privatização da Copel remonta ao início dos anos 2000, lá se vão mais de duas décadas. Já a resolução que inseriu a Eletrobras no Programa de Parcerias de Investimentos é de 2017, mas sua discussão começou anos antes. Foram debatidas, votadas, aprovadas e sancionadas. Têm de ser respeitadas.

A tragédia oculta dos jovens na pandemia

O Estado de S. Paulo

Pesquisa que mostra os impactos da covid-19 sobre os jovens no mundo indica que a negligência no Brasil foi mais grave e exigirá esforços em diversos níveis para repará-la

Graças aos céus o vírus poupou, em geral, as crianças e adolescentes. Passados os momentos iniciais de incerteza, ficou evidente que os riscos da covid-19 eram proporcionais à idade. Mas o que era um ativo sanitário acabou se provando um passivo social. O fechamento das escolas é o maior exemplo. No pânico inicial, essa era uma precaução indisputável. Ao longo do tempo, contudo, quando já estava evidente a baixa vulnerabilidade dos jovens, acabou se mostrando uma opção cômoda – e irracional – para os gestores públicos, enquanto concentravam esforços nos serviços de saúde e na recuperação econômica. Mas as consequências, como diz o vulgo, vêm depois.

A interrupção prejudicou não só a aprendizagem, mas o acesso à alimentação e ao lazer. O impacto foi maior para os mais pobres, que encontram na escola o principal espaço para essas atividades. Mas o fechamento das escolas é só o exemplo mais palpável de uma negligência generalizada para com essa faixa da população, que, se não for sanada, resultará em prejuízos de longo prazo.

O fenômeno foi global. É o que constata um relatório que apresenta o primeiro estágio do grupo de pesquisa PANEX-Youth, formado por um consórcio de universidades que se dedicará por dois anos (2022-24) a avaliar o impacto da pandemia sobre os jovens.

No Brasil, o efeito do fechamento das escolas foi mais grave, por quatro motivos. Primeiro, porque antes da pandemia as taxas de aprendizagem e evasão já eram cronicamente ruins, e a conjuntura econômica prejudicava a inserção dos jovens no mercado de trabalho. Essas condições foram agravadas, em segundo lugar, pela anomia do governo Jair Bolsonaro nas políticas educacionais. Terceiro, já na pandemia, o negacionismo de Bolsonaro perturbou medidas que garantiriam um retorno mais rápido e seguro à normalidade, notavelmente a vacinação. Por fim, a pandemia agravou a defasagem das escolas no uso de novas tecnologias, prejudicando especialmente os mais pobres, dependentes de um ensino público mal preparado e carentes de dispositivos digitais para prosseguir sua educação a distância. Somem-se a isso as dificuldades experimentadas por suas famílias, como o desemprego e a fome.

Para ilustrar o tamanho da negligência, enquanto na França (que, como outros países europeus, adotou confinamentos muito mais duros do que no Brasil), as escolas ficaram totalmente fechadas por 7 semanas e parcialmente por 5, no Brasil ficaram, respectivamente, por 38 e 41 semanas. A interrupção aqui foi uma das mais longas do mundo e a nenhum outro segmento foram impostas tantas e tão longas restrições.

Em geral, os lockdowns impactaram significativamente a condução de exames e avaliações. Os cursos técnicos foram especialmente prejudicados, por causa das dificuldades de comunicar habilidades práticas online. As desigualdades digitais aumentaram. Em todos esses âmbitos já havia defasagens no Brasil antes da pandemia, e ela só as agravou – mais uma vez, com danos desproporcionais aos mais pobres.

Baseados em suas avaliações preliminares, os pesquisadores concluem com 5 recomendações para, a um tempo, sanar as sequelas dessa pandemia e criar resiliência para as próximas: 1) manter as crianças e jovens no centro das políticas de prevenção; 2) priorizar a atenção às vozes ocultas e experiências dos jovens, especialmente os mais pobres; 3) reconhecer que as escolas desempenham um papel crucial como núcleos de cuidados e cidadania; 4) reconhecer a importância da brincadeira e do lazer como direitos fundamentais dos jovens; e 5) respostas mais estruturadas e sistêmicas às múltiplas dimensões do risco nas políticas nacionais, com base em uma avaliação rigorosa do que funcionou e do que falhou na pandemia.

São recomendações gerais e em certa medida óbvias, que, por isso, pareceriam, a um primeiro olhar, dispensáveis. Mas não são. Primeiro, porque, em geral, a negligência com os jovens mostra que não estar no grupo de risco pode ser um risco. Segundo, porque, especificamente no caso do Brasil, essa negligência foi maior e exigirá maiores esforços para repará-la.

Imoralidade ‘dentro da lei’

O Estado de S. Paulo

Tribunal de Justiça de Goiás dribla teto salarial com aval do Legislativo e do governo do Estado

O Estadão revelou um escândalo. O Tribunal de Justiça de Goiás (TJ-GO) proporciona a seus juízes os maiores salários do País, com valores que ultrapassam em muito o teto constitucional. Por força de penduricalhos e regras específicas, os 450 magistrados do TJ-GO têm remuneração média líquida de R$ 78,5 mil. Segundo levantamento do jornal, trata-se da maior média de todos os 84 tribunais que já apresentaram dados ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) neste ano.

No entanto, escândalo ainda maior foi a resposta do TJ-GO ao Estadão. Em nota, o tribunal disse que “cumpre rigorosamente a lei”, sempre observando “a normatização vigente para o pagamento de seus magistrados, servidores e colaboradores”. Ou seja, a obtenção de toda a mamata – por exemplo, em maio deste ano, quase 200 juízes goianos receberam mais de R$ 100 mil – não foi fruto de uma manobra oculta, operada longe dos olhos do público. O descaramento foi de tal ordem que usaram a própria lei para incluir privilégios.

Uma das regalias foi aprovada em março deste ano. A pedido do presidente do TJ-GO, Carlos Alberto França, a Assembleia Legislativa do Estado de Goiás (Alego) aprovou um projeto de lei que transforma gratificações de cargos e funções comissionadas em verbas indenizatórias, permitindo que os valores sejam pagos acima do teto remuneratório e estejam livres de Imposto de Renda. A lei foi sancionada pelo governador Ronaldo Caiado.

Os resultados da nova legislação são visíveis. Em maio do ano passado, por força do teto constitucional, foram retidos R$ 458,8 mil. Neste ano, já com a nova lei vigente, foram retidos com base na regra do abate-teto apenas R$ 61 mil da folha salarial de todos os magistrados. Ou seja, o TJ-GO conseguiu burlar escancaradamente a regra constitucional.

Segundo a Constituição de 1988, o valor do salário dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) – atualmente em R$ 41.650,92 – deve servir como um teto para a remuneração de toda a administração pública. Nenhum servidor pode ganhar mais que um ministro do STF. A regra constitucional não deixa margens a dúvida. Não poderão exceder o subsídio mensal dos ministros do Supremo “os proventos, pensões ou outra espécie remuneratória, percebidos cumulativamente ou não, incluídas as vantagens pessoais ou de qualquer outra natureza”, diz o art. 37, inciso XI. No entanto, a lei de Goiás criou um atalho, dizendo que os valores adicionais não são remuneratórios, mas indenizatórios. Trata-se de um acinte com a moralidade e com a Constituição.

A Procuradoria-Geral da República (PGR) ajuizou uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) no Supremo contra as regras do TJ-GO. Cabe ao STF, de forma célere e efetiva, acabar com essa indecência em Goiás. Uma lei imoral e inconstitucional não pode continuar vigente. E o mesmo deve ser aplicado em todo o País. O caso em Goiás não é o único. Muitos juízes e procuradores recebem acima do teto, por força de penduricalhos pretensamente “indenizatórios” que são escandalosamente remuneratórios.

Valorização do campo

Correio Braziliense

Diferentemente do que se podia esperar, o governo federal está priorizando o agronegócio nos primeiros seis meses de mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, como mostram o anúncio do Plano Safra para 2023 e 2024 e a decisão de retomar a política de estoques reguladores de alimentos

Diferentemente do que se podia esperar, o governo federal está priorizando o agronegócio nos primeiros seis meses de mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, como mostram o anúncio do Plano Safra para 2023 e 2024 e a decisão de retomar a política de estoques reguladores de alimentos, que, embora represente despesas e custos com os juros a 13,75% ao ano, significam a formação de preços mínimos para o produtor em um momento de queda nas commodities agrícolas. Os dois movimentos fortalecem o agronegócio brasileiro, hoje o maior exportador de proteína animal e um dos principais fornecedores de grãos ao mercado mundial.

Para a safra, o governo anunciou a disponibilidade de R$ 364,22 bilhões, o maior valor da história e representa um aumento de 27% em relação ao plano anterior. Dos recursos, R$ 272,12 bilhões vão para custeio e comercialização, enquanto R$ 92,1 bilhões são destinados aos investimentos. Além do volume recorde, o plano prevê benefícios para produtores que recuperarem pastagens e para os que adotarem práticas agropecuárias sustentáveis, com redução das taxas de juros. Os recursos vão financiar a agricultura e a pecuária com a perspectiva de sustentabilidade, o que é uma inovação e de certa forma fortalece a preparação do agronegócio brasileiro para competir no mercado internacional com países que tentam impor restrições ao Brasil com conotação ambiental.

Mais do que garantir o fortalecimento da agropecuária empresarial, o governo retomou a destinação de recursos para a agricultura familiar, com o Plano Safra para os pequenos produtores, totalizando R$ 77 bilhões, um volume 34% maior do que o destinado na safra passada e também o maior da história. Com isso, o governo atende não apenas aos grandes produtores, mas também a agricultura familiar dentro de uma política de segurança alimentar, com redução das taxas de juros para os que produzirem alimentos como arroz, feijão, mandioca, tomate, leite e ovos, entre outros. Há ainda recursos para produtores rurais de baixa renda e em situação de pobreza. O campo agradece. No total, serão destinados para a safra 2023/2024 mais de R$ 440 bilhões. Isso sem contar recursos disponibilizados pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).

E a atenção com o agronegócio brasileiro, sobretudo com o pequeno ruralista, foi reforçada com a retomada, depois de seis anos, da formação de estoques públicos, que atuam como reguladores de preços, pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). A primeira compra anunciada, de 500 mil toneladas de milho ao custo de R$ 350 milhões, busca regularizar a comercialização do produto, travada pela queda de preço da saca neste ano. O valor da saca de 60 quilos caiu de um patamar entre R$ 75 e R$ 80 no ano passado, para R$ 50 a R$ 60 no início de maio e chegou ao mínimo de R$ 32,78. Com a operação, o governo garante preço mínimo de R$ 42,16 por saca — considerando a divisão do valor pelo total de sacas previstas — e evita o risco de desabastecimento do produto em granjas e na indústria.

Estoques reguladores protegem os pequenos produtores das quedas bruscas de preços e a população nos momentos de elevação rápida no valor dos produtos. Tanto o valor destinado para a safra quanto a recomposição dos estoques públicos, que certamente contarão com outros itens, afastam a descabida perspectiva de que o governo Lula trataria o agronegócio com viés ideológico em função da posição dos produtores rurais nas eleições. Não, definitivamente, não há e nem poderia haver viés ideológico do governo no trato com o setor agropecuário. O que o país precisa neste momento é exatamente de uma integração de todas as forças para assegurar a retomada firme do crescimento econômico.

 

 

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