Valor Econômico
As análises econômicas precisam abranger
mudanças extremas na oferta
No simpósio econômico de Jackson Hole na
semana passada, os banqueiros centrais não tinham ilusão sobre a inflação. Sua
ameaça persiste, disseram eles, e as perspectivas são complicadas pelas
mudanças estruturais na economia mundial. Normalmente, este último argumento é
fácil de rejeitar porque as autoridades sempre se queixam de que seu período no
cargo é marcado por incertezas incomuns. Mas em 2023 eles têm razão. Há cinco
mudanças importantes acontecendo na economia mundial neste momento.
A primeira e mais urgente é um ajuste político necessário que vai desde a redução da inflação até a sua manutenção sob controle. O ritmo dos aumentos das taxas de juros desacelerou bastante nos Estados Unidos e está moderando na Europa, mas o presidente do Federal Reserve (Fed), Jerome Powell, e a presidente do Banco Central Europeu (BCE), Christine Lagarde, deixaram claro que é cedo demais para os bancos centrais cantarem vitória.
A demanda interna nos EUA está
surpreendendo todos pela sua força, o que deverá manter a inflação muito alta
se ela persistir num momento em que o desemprego se encontra próximo de níveis
históricos de baixa. Embora as estimativas atuais do Fed de Atlanta, de que a
taxa anualizada de crescimento caminha para atingir os 6% no terceiro
trimestre, estejam quase que certamente erradas, a economia dos EUA está
aquecida demais e precisa esfriar. Na Europa, as empresas estão pessimistas mas
os preços - especialmente nos destinos de férias - e os salários continuam
aumentando rapidamente, elevando a possibilidade de estagflação prolongada.
As duas economias precisam de tempo para se
adaptar à inflação baixa e taxas de crescimento sustentáveis. Isso exigirá
taxas de juros mais altas por mais tempo até que as pressões inflacionárias
fiquem definitivamente para trás.
Mas avaliar exatamente quando o risco
inflacionário está diminuindo é ainda mais difícil agora porque a segunda
mudança importante na economia mundial é que as condições de oferta estão longe
de estáveis.
Foram-se os dias em que os BCs conseguiam
entender as pressões inflacionárias apenas construindo as melhores indicações
de demanda, comparando-as com a taxa anual constante de crescimento
sustentável. As condições de oferta estão longe de estáveis
Foram-se os dias em que as autoridades
monetárias conseguiam entender as pressões inflacionárias simplesmente
construindo as melhores indicações de demanda possíveis e comparando estas com
a taxa anual constante de crescimento sustentável. A pandemia e a crise
energética dos últimos três anos tornaram essa análise redundante.
Em vez disso, as análises econômicas
precisam abranger mudanças extremas na oferta que vão dos “lockdowns” da
pandemia e fraturas nas cadeias globais de abastecimento, a conflitos no
fornecimento de energia depois da invasão da Ucrânia pela Rússia. Até mesmo no
mercado de trabalho está muito difícil avaliar as tendências.
Os EUA registraram uma queda inflacionária
na participação da força de trabalho em idade produtiva em 2021, antes de uma
recuperação rápida e encorajadora mais recentemente. A França também registrou
grandes melhorias na disponibilidade de mão de obra, mas essas estão longe de
serem universais, com uma relutância ou incapacidade de trabalhar ainda
evidente no Reino Unido.
O Banco da Inglaterra enfrenta o dilema
mais difícil, tendo que lidar com problemas de oferta que vão desde um déficit
persistente de investimentos pelas empresas desde o referendo do Brexit em
2016, a um aumento acentuado das doenças de longa duração entre funcionários e
uma crise energética. O banco não tem como corrigir esses problemas com a
política monetária, mas precisa garantir que a demanda seja suficientemente
reduzida para comprimir ainda mais a inflação. Isso exigirá alguma coragem.
Se o Banco da Inglaterra tem problemas mais
prementes com a oferta limitada, a terceira mudança diz respeito às finanças
públicas e se aplica com mais força ao outro lado do Atlântico. Simplificando,
o Fed precisa enfrentar a relutância da política dos EUA de mostrar qualquer
restrição ao seu orçamento.
Dez meses após o início do ano fiscal, o
Gabinete de Orçamento do Congresso calcula que o déficit orçamentário federal é
mais que o dobro do registrado no mesmo período do ano passado. As receitas de
caixa caíram 10%, enquanto o PIB nominal está 7% maior do que no ano fiscal
passado. Comparado a uma década atrás, a economia dos EUA passou de um regime
fiscal relativamente apertado e dinheiro fácil, para um regime de política
fiscal frouxa e dinheiro difícil. As nações europeias enfrentam os mesmos
desafios de defesa, demografia e mudanças climáticas que tornam provável que
uma mudança semelhante se espalhe.
Tomando um horizonte mais amplo, a quarta
mudança é um requisito para prestar mais atenção às perspectivas econômicas da
Índia. Durante anos, a sorte da China, juntamente com os países de alta renda,
tem sido dominante na economia mundial porque ela produz mais bens e serviços
do que qualquer outro país e sua economia crescia cerca de 8% ao ano.
Esses dias estão chegando ao fim. Embora a
economia da China seja mais do que duas vezes maior que a da Índia, medida com
base na paridade do poder de compra sua taxa de crescimento subjacente está
desacelerando rapidamente. Não é preciso prever que a China está para sofrer um
colapso imobiliário para pensar que a Índia em breve vai rivalizar com seu
vizinho, não só em população, mas também em sua contribuição para o crescimento
global. Isso poderá acontecer até mesmo no segundo semestre deste ano e deverá
ser a norma na década de 30.
O avanço de Nova Déli rumo ao topo do
ranking das contribuições para o crescimento global destaca a mudança econômica
global final. A Índia é uma exceção com rápido crescimento. Em outros lugares,
o crescimento da produtividade desacelerou, países estão erguendo barreiras ao
comércio e promovendo a resiliência em detrimento da eficiência. Nesse mundo, o
crescimento global normal irá abrandar.
Antes da crise financeira, a economia
mundial podia crescer cerca de 4% ao ano de forma sustentável. Esse número caiu
para cerca de 3,5% na década de 2010. Agora, parece que a velocidade limite é
3%. Tendo em mente a saúde do planeta, melhorias mais lentas nos padrões de
vida reduzirão as emissões de carbono, mas o crescimento global mais lento
certamente não tornará mais fácil resolver as tensões geopolíticas. (Tradução de Mário Zamarian)
*Chris Giles é editor de Economia do Financial Times
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