O Estado de S. Paulo
O avanço evangélico e das facções do crime explica a redução da violência nas periferias
Os colonos da América Latina se deixaram
atrair pela esperança de achar em suas conquistas um paraíso feito de riqueza
mundana e beatitude. Assim Sérgio Buarque de Holanda estudou os motivos
edênicos na colonização do País em Visão do Paraíso. “Colombo exprimira isso ao
dizer que com o ouro tudo se pode fazer nesse mundo, e ainda se mandam almas ao
céu.”
Durante muito tempo o debate sobre a violência nas cidades brasileiras olhou para os números e deixou de lado as “visões do paraíso” que acompanhavam a transformação do País agrário em um grande aglomerado urbano com comunidades erguidas e destruídas na mesma velocidade do desenraizamento de quem trocava as redes de proteção e crenças do campo pela voragem da cidade.
O pesquisador Bruno Paes Manso começou a inverter
essa lógica nos anos 1990, ao estudar o homem nessa engrenagem, desde a
reportagem transformada em etnografia sobre os matadores da periferia
paulistana, em O Homem X – primeira de suas investigações sobre a violência –,
até sua nova obra: A fé e o fuzil: crime e religião no Brasil no século XXI. O
ciclo de 40 anos de violência fez a cidade de São Paulo ter uma taxa de 65
mortes por cem mil habitantes em 1999, curva que se inverteu de uma hora para
outra nos anos 2000. O controle de armas, a prisão de matadores e o fechamento
de bares foram, no início, as explicações para a taxa de homicídios cair para
4,4 em 2022.
Mais uma vez, Bruno foi conhecer o que
havia de carne e osso nos números. E lá estava o PCC, espécie de agência
reguladora do crime, rompendo o ciclo de vinganças que trazia prejuízos ao
crime. Era o fuzil colocando ordem onde não havia. Ao seu lado, havia outro
fenômeno: a guerra contra o mal das igrejas evangélicas com curas e milagres,
como a de Marcelinho, o bandido que sobreviveu aos 12 tiros disparados após
implorar a Deus que o salvasse. E a fé se unira ao fuzil nos traficantes
evangélicos do TCP, no Rio.
Novas autoridades, vindas de dentro da
sociedade, legitimavam-se. Traziam projetos para a crise do indivíduo,
reprogramando mentes para gerar ordem e propósito. A transformação social não
viria por meio de políticas públicas, mas pelo espírito sagrado e empreendedor.
Quem vive à beira do fim do mundo não
precisa erguer a Cidade dos Homens após obter a graça. Criou-se um novo País
nas periferias e foi este, com suas visões do paraíso, que Bruno foi escutar,
assim como Sérgio Buarque, que procurou afugentar do presente os demônios da
história. Não há como voltar atrás e buscar no passado o remédio para as nossas
misérias. Mas há como compreender. Foi o que Bruno fez em sua obra.
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