quarta-feira, 30 de agosto de 2023

Bernardo Mello Franco – Utopias regressivas

O Globo

Extrema direita mantém tática de ex-presidente para causar indignação e mobilizar eleitores

Em Porto Alegre, vereadores aprovaram um projeto que transforma o 8 de janeiro no Dia do Patriota. Em São Paulo, deputados mudaram o nome de um viaduto para homenagear um coronel da ditadura.

As duas iniciativas foram contestadas no Supremo Tribunal Federal. Seus objetivos eram os mesmos: causar indignação, falsificar a História, alvoroçar a extrema direita.

A celebração gaúcha foi proposta pelo ex-vereador Alexandre Bobadra, que se diz conservador e cristão. Ele ajudou a difundir as mentiras sobre a urna eletrônica que embalaram a intentona golpista.

“Ser patriota é sentir amor genuíno pela cultura da nação”, justificou, ao propor a data comemorativa. Faltou combinar com os correligionários que vandalizaram obras de arte e depredaram edifícios tombados.

Conhecido por xingar o Papa, o ex-deputado Frederico d’Avila propôs homenagem a Erasmo Dias, símbolo da repressão militar. O coronel comandou a violenta invasão da PUC em 1977. Mais tarde, usou o estilo brucutu para alçar voo solo na política.

A exaltação a golpes e golpistas não é novidade na política brasileira. O então deputado Jair Bolsonaro se projetou ao enaltecer o torturador Carlos Alberto Brilhante Ustra na votação do impeachment de Dilma Rousseff.

O Conselho de Ética da Câmara se recusou a puni-lo pela quebra de decoro. A leniência abriu caminho para o capitão chegar ao Planalto, onde manteria a democracia sob ataque permanente.

“É fácil entender as razões que levam governantes com vocação para autocratas a fraudar a História”, escreveu a professora Heloisa Starling em ensaio no jornal literário Pernambuco.

O texto explica como a extrema direita fabrica utopias regressivas, idealizando o passado ditatorial para mobilizar eleitores. “Quando as linhas divisórias entre verdade e fraude ficam indistintas, deixa de existir uma base factual para se questionar o poder”, alerta.

Provocado, o STF suspendeu o Dia do Patriota e instou o governador Tarcísio de Freitas a explicar a homenagem ao coronel. A Corte fez bem, mas seria melhor se os políticos que se dizem democratas tivessem agido antes. A omissão deles permitiu que as provocações autoritárias virassem leis.

 

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